Sergio Muniz


Cinema Norte Americano, Latino americano e Brasileiro


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Esse é um problema hegemônico. Se você pensar como é desenvolvido a indústria audiovisual americana. Vou dar um resumo de até onde pude ser informado e informações que eu colhi lá fora.

A partir da II Guerra Mundial, existe todo um trabalho da indústria americana de desenvolver um tipo de relação com os diferentes mercados mundiais de tal maneira que eles pudessem entrar nesses mercados e conquistar parte maior ou menor desses respectivos mercados. Se você for consultar documentos do chamado pós-guerra na Europa, como o Plano Marshall, você vai ver que no caso da Itália, os americanos quando desembarcam, quando começa a reconstrução da Itália, eles fazem uma doação, não sei quantas centenas de títulos que os americanos produziram do final dos anos 30 até o final da guerra, e eram desconhecidos na Europa, para uma rede de cineclubes que na verdade era basicamente dominada pela democracia-cristã, para exibir filme americano. Eles espalhavam filmes americanos que o público italiano estava sedento de ver, os musicais, enfim, os mitos que existiam na época. Faz esse tipo de aproximação.

Desde aí, existe um pensamento na política do audiovisual americano que é a conquista de mercados. E você vai ver que historicamente, esse processo se agudiza, sejam porque em alguns casos, o Brasil que é uma coisa mais fácil de se ter informação, você vai ver como ele se comporta na relação entre produtor, no caso o distribuidor do filme americano no Brasil, e o exibidor.

Eles fazem um tipo de relação que não existe nos EUA. Nos EUA um longa-metragem que vai ser distribuído, o exibidor, quando começa a projetar o filme, como esse último filme do Spielberg, o "Inteligência Artificial", consegue colocar em não sei quantos cinemas, durante algumas semanas e o distribuidor só tem direito não sei se a 10 ou 15% da bilheteria. Se o filme começa a render e a emplacar, ele pode aumentar o que ele recebe se eu não me engano até 40%, é o máximo que ele pode chegar, porque com freqüência, o exibidor ganha uma parte importante da sua receita com o que ele vende: é chocolate, é pipoca, é não sei o quê, mas de qualquer maneira, o distribuidor norte-americano recebe no máximo de 10 a 40%. Quando eles vieram para o mercado brasileiro, e isso aconteceu mais sistematicamente depois da Guerra mas acho que já havia antes, eles oferecem o seguinte para o exibidor: fifty-fifty: cinqüenta por cento para o exibidor, cinqüenta por cento para o distribuidor.

De cara já é um negócio da China, porque estou pegando cinqüenta por cento de um produto. O que acontece: quando o filme nacional está sendo exibido na sala brasileira, ele é obrigado a se render a essa exigência do exibidor que é inviável, porque quando ponho para exibir pago a cópia, pago a publicidade e o exibidor não paga nada, do meu borderô o exibidor desconta a publicidade e ele fica com cinqüenta por cento líquidos e o meu distribuidor fica com cinqüenta por cento dos cinqüenta, fica vinte e cinco e vinte e cinco, no final das contas o produtor brasileiro fica com vinte e cinco, de cara eu tenho uma desvantagem brutal.

O que acontece é que agora estão entrando diretamente na exibição, coisa que até então eles preferiam usar a mão de gato para entrar um filme americano através do exibidor nacional, agora esse Cinemark, Multiplex etc. já são os interesses das distribuidoras ligado à exibição. Uma das grandes vantagens do Cinemark, do Multiplex é que como eles distribuem estrategicamente as salas e, quando lançam um filme, é lançado na país inteiro, e eles pode se dar ao luxo de fazer uma divulgação pelo Jornal Nacional da Globo, pois estão sendo exibido nacionalmente e simultaneamente. Se sou um pequeno distribuidor nacional que vou lançar o filme em São Paulo, como é que eu faço? Não tenho cacife.

Antes, se o exibidor queria um filme com a Elisabeth Taylor, tinha que engolir um pacote de filmes. Hoje em dia é diferente. Eu tenho que comprar uma cota antecipada do filme que vai ser lançada daqui a dois anos, e me transformo num co-produtor queira ou não queira, para garantir que no meu cinema passe esse filme. Com essa relação de hoje em dia, deles serem também ligados a distribuição, tem também uma outra vantagem porque também o tipo de película e de público que vai a esses Cinemarks que vai aqui, ao Pátio Higienópolis (Shopping) é um público diferente que vai no Unibanco da rua Augusta, que vai no Lumiere do Itaim ou que vai ao Vitrine da Augusta ou que vai ao novo Unibanco da Frei Caneca, se bem que o Unibanco da Frei Caneca consegue exibir também o cinemão. Conseguiram fazer aí um mix que passa Memórias de Brás Cubas e um ou outro iraniano; já o Unibanco Augusta tem uma diversidade, tem uma janela mais aberta ao mundo que não é só o cinema americano.

Essa coisa da hegemonia, aconteceu na América latina inteira. Você não tinha condições de estabelecer um vínculo de distribuição. Por várias razões: econômicas e culturais, o Brasil durante muito tempo virou as costas para a América Latina, não nos considerávamos latino-americanos, as dificuldades de estabelecer essas normas de distribuição, de co-produção, exibição e diferenças de legislações cinematográficas. Nós temos um acordo de co-produção com a Argentina, só que para o produtor argentino não é vantagem fazer uma co-produção com o Brasil, porque lá ele tem certas vantagens no mercado argentino que o mercado brasileiro não tem, e tem uma coisa por exemplo, até hoje no cinema argentino, a cada ingresso vendido, o Instituto de Cinema dá um "x" por bilhete vendido até um teto de não sei quantos mil espectadores, esse filme tem direito de receber um adicional de bilheteria. O que acontece, esse adicional é importante para a sobrevida ou para vida do filme. Isso acontece aqui em São Paulo até os anos 60 e nunca mais houve, então quando vem para cá, o cara não tem adicional de bilheteria.
Essas co-produções que os brasileiros tem feito com o exterior, filme quando vai para França, o que é exibido na França é do francês e acabou, ele não vai ter contato com o mercado brasileiro e assim por diante, essa coisa da integração é muito complicada.
O problema do idioma, tem que dublar ou pôr subtítulo, a dificuldade de você entender as diversidades, que é permanente e até hoje não se conseguiu resolver esse impasse.

Só quando vem para alguma mostra, alguma coisa esporádica... Eu recebi notícia por exemplo que tem uma nova Escola de Cinema na Bolívia, que é dirigida pelo Sanjinés justamente, porque o atual Ministro da Cultura foi um cara que trabalhou com o Sanjinés nos anos 50 para 60, estão fazendo essa Escola, e um boliviano foi aluno da primeira geração da Escola lá de Cuba, voltou e tá fazendo coisas... já passou uma vez numa dessas mostras que teve no MIS, curta-metragem mas é uma coisa assim pontual: passou, pouca gente viu e desapareceu, não é um negócio que deixe para dizer: bom a semana que vem vai ter um equatoriano, não sei o quê, é um negócio ocasional, pontual.

Passou por exemplo aqui, há uns 3 anos atrás um documentário de um cubano sobre a música, antes do Buena Vista (Social Club), músicos cubanos nos Estados Unidos, que ele fez com uma produção de um americano... Passou uma vez aqui no Unibanco e tchau, acabou. Filme cubano que passou aqui e que teve repercussão internacional, foi o Morango e Chocolate que ganhou grandes prêmios e foi comprado por um grupo internacional, e venderam a preço fixo, o cara ganhou dinheiro, e o Guantanamera porque diziam que era um filme anti-comunista e passou no mundo inteiro, apesar de não ter nada de anti-comunismo, enfim teve a repercussão e acabou.

Os grandes filmes do Solanas, passou La Núbia aqui passou em brancas nuvens, passou poucas semanas ali no Unibanco e acabou. Recentemente, Nove Rainhas, porque foi um grande sucesso de bilheteria na Argentina e aí o produtor falou: opa, aqui pode ter um grande sucesso... E mesmo assim ainda tem uma certa carreira mas que não é uma coisa tão grande... Mas que também é um tipo de filme que se encaixa numa programação tipo shopping center, que é um filme para todo o público. Agora você imagina "Os matadores", ou esses filmes um pouco mais complicados, o público não se interessa, esse público que está habituado ao Oscar, espera a festa do Oscar em março de cada ano para ver os filmes que ele vai ver no ano... Então o problema da hegemonia está um pouco por aí.

Hoje em dia, isso foi um dado que o Jacques Deheizelin levantou, um francês que veio como diretor de fotografia para trabalhar na Vera Cruz e que hoje e dia é um grande pesquisador do cinema brasileiro e continua até hoje fazendo isso: até uns 10, 15 anos atrás, o mercado interno americano conseguia cobrir mais de 75% dos custos de produção, ou seja, só dependiam 25% do faturamento internacional para cobrir as despesas da produção audiovisual, hoje em dia eles dependem 50%. Quer dizer, a estrutura montada exige 50% de retorno do mercado internacional, sem contar as políticas desenvolvidas por esses organismos americanos que tem duas vertentes: uma que é, e chegaram a dizer isso numa reunião na Europa aos representantes da indústria audiovisual européia, quando estavam discutindo aquela coisa da defesa do mercado europeu e não sei o quê, os americanos disseram pros franceses: vocês sabem produzir queijo e vinho, deixe que nós sabemos produzir filme. Foi a afirmação textual do cara.

E numa outra reunião feita dessa tal Motion Picture Associacion, do famoso Jack Valenti, foi um representante dele numa reunião, acho que foi na Espanha, e ele fez a seguinte declaração: o nosso projeto, daqui a 2005 ou 2010, não sei bem, enfim 2 mil e qualquer coisa, isso foi há 2, 3 anos atrás, foi em 97 por aí... ele disse: "o nosso objetivo é que nessa data 2005 ou seja, 2010, que 85% da imagem audiovisual que se vê no mundo, seja de produção americana, e deixaremos 15% para que se expressem as imagens locais".

E é o objetivo deles, e estava até aquele francês Bertrand Tavernier que é um importante realizador francês nessa discussão que falou: é interessante, porque teve um senhor, nos anos 30 na Alemanha, que dizia exatamente a mesma coisa com relação ao cinema alemão do 3o Reich. Você imagina, alguém que tem como meta, mesmo sem ser essa coisa nazista, sem dizer "Heil Hitler" nem nada, mas enfim, tem como meta produzir 85% da imagem mundial sobrar 15% pro resto do mundo, você não tem espaço?!
Acho que no momento está havendo uma retomada da produção de documentário, mas como todo cinema em geral, carece de onde exibir. Se já para filme comercial é um drama você ter onde exibir, você imagina...

Há uma retomada vamos dizer assim, do espírito de documentário, porque durante algum tempo não havia nem espaço para pensar nem produzir documentário e hoje em dia a própria vigência do festival do Labaki (Amir), o Tudo é Verdade já é uma mostra que existe um espaço, que se não está aumentando, está sendo preservado e rediscutido... Mas o problema é o que é que a gente faz com isso né?
Acho que primeiro houve um desinteresse por documentário, uma coisa de achar que documentário é uma coisa secundária, que as coisas que se passam na realidade também não são de muito interesse, o que interessa é a ficção, enfim, pode ser que a minha visão equivocada esteja por aí.

Mas de qualquer maneira havia outra relação nos anos 60, que mesmo que você fizesse um trabalho de ficção, estou lembrando por exemplo quando lançaram "Vidas Secas" em São Paulo, "Deus e o Diabo na Terra do Sol" em São Paulo, enfim esses filmes digamos emblemáticos; esses realizadores vinham para São Paulo, iam discutir o filme na Universidade ou na cinemateca, então, mesmo que esses filmes fossem ser vistos por uma elite intelectualizada, que era USP, os caras vinham para ter essa aproximação e com os realizadores de curta-metragem a mesma coisa.

Quando a Lei de Curta, que é de 1975, queria obrigar que todo filme estrangeiro tivesse um curta acompanhando, o que aconteceu é que em pouco tempo houve uma mudança no espírito dessa Lei e ao invés dos realizadores se motivarem a ir de encontro ao publico, quando o filme ia ser lançado e discutido na escola, enfim, formar algum auê para promover o filme, para que as pessoas discutissem o filme, que aconteceu? A legislação concedia aos produtores um "x" fixo que seria uma espécie de pré-pagamento do que seria a bilheteria dele, o cara falou: vou ganhar mesmo tantos mil cruzeiros, não vou sair correndo atrás.

Então houve um distanciamento, para começar, por aí; além da dificuldade de você encontrar espaços para exibição, na época da Lei do Curta havia várias maneiras de sabotar a Lei do Curta, um caso exemplar é o do Primo Carbonari. Ele comprava o espaço de um exibidor que tinha várias salas em São Paulo, o Paulo Sá Pinto, dizendo: "dou para você de graça o meu jornal em ampla visão", que era aquele que ele fazia, "mas em compensação você me dá o direito de colocar junto um documentário que produzo", que era de picaretagem... Então ele tinha o mercado cativo, ele dava o jornal da tela e cumpria a Lei pelo documentário picareta dele.

Essa era uma maneira. Outra maneira era sabotar o tipo de distribuição. Isso me lembro que vi. Quando foi lançado o primeiro Guerra nas Estrelas, que era filme para adolescente, o cara programou um curta do Sérgio Bianchi, que era sobre um conto do Cortázar, em que o personagem o tempo inteiro vomitava coelho... Bom, o público urrava né, porque isso não é filme para garoto de 10 anos não é!!! E, daí pela frente, as relações foram se modificando e desapareceu esse espaço.

Agora essa retomada que está dando, que se tem: Ah, vou exibir no Canal Brasil, tudo bem, mas o Canal Brasil é uma televisão a cabo que você tem que pagar para assistir, quando o Canal Brasil deveria ser um canal de sinal aberto não é? Como de uma certa maneira a própria TV Senado passa filme brasileiro mas também é canal a cabo, que se você não tiver canal a cabo você não assisti filme brasileiro. Tem um pouco essa dificuldade, no caso de longa-metragem mais ou menos está resolvido o problema da produção, mas continua engasgado o problema da distribuição, da exibição. Você tem um dado qualquer lá, por exemplo a RioFilme, em 1999 eles tinham 30 filmes em carteira para distribuir e conseguiram distribuir 15, e os outros 15 como é que faz? E mesmo esses 15, tem uns que vão lá em cima, aos 2 milhões de espectadores e tem outro que está aqui com 10 mil espectadores, né? Não está resolvida essa parada, e acho que essa parada só se resolve, e acho que não se resolve ou se resolve mal, no dia em que conseguir resolver a relação audiovisual e televisão.

Enquanto isso você não consegue resolver nada. Uma coisa é você ter 12 filmes brasileiros que podem ser, sei lá, tem o interessante filme do Guel Arraes, que é o "Auto da Compadecida", agora estão transferindo para película também, um negócio que fizeram agora pros 500 anos, tão transferindo agora para película e vai ser lançado em filme, o "Caramuru". Você pode dizer que tem o mercado brasileiro, que comporta, por ano 30 filmes, se tantos, nacionais, para serem exibidos, que a RioFilme conseguiu distribuir 15, alguma coisa que foi direto, alguma coisa do como Luis Carlos Barreto, nu total 25 filmes por ano, eles produzem 12, você fica com espaço para produzir 12. Tudo bem, acho que tem direito de produzir, mas tem que estabelecer normas, enfim, mas estão transformando em filme programas de televisão. Como é que você faz para poder entrar nesse mercado se um produto teu, barato custa "x" e você para lançar custa não sei quanto, enfim, há uma equação aí que não está batendo e isso não está resolvido. Sei lá, agora com essa nova medida provisória o que vai acontecer...

Também tem uma certa má vontade da imprensa, eu acho, eles estão falando que é a nova Embrafilme, e é bobagem, porque esse organismo vai ser uma agência, um órgão regulador, se quiserem fazer alguma comparação, é mais certo com o Concine, que vai estabelecer normas de funcionamento, tem que fornecer dados estatísticos, quantas projeções, a bilheteria foi tal, quantas películas estrangeiras, quantas brasileiras, como taxar o filme estrangeiro, quanto custou o ingresso... além de fornecer dados estatísticos, normatizar preços de ingressos, enfim, é mais um órgão gestor de encaminhamentos que podem ser dados, mas não vai decidir: vai 100 para cá, 200 para lá, 1 milhão ali... não, ele vai encaminhar a discussão do mercado audiovisual.

Então a matéria da Veja é de uma má vontade explícita. Não adianta, na hora em que o cara começa com esse discurso, já está ferrado: "Ah, a nova Embrafilme". Pronto já dançou, porque Embrafilme virou palavrão sem esquecer que a Embrafilme custou muito mais barato do que essa Lei do Audiovisual.

Não foram exatamente todos os cineastas que compraram cobertura na Vieira Souto, que era a implicância do Paulo Francis, que é outra injustiça. Teve filme brasileiro que rendeu dinheiro para cacete, muito mais do que filme estrangeiro, e hoje em dia, você pensar que destruíram a Embrafilme e o Concine e nunca mais se reestruturou nada que pelo menos pudesse dizer: Olha, o mercado brasileiro de filme é o seguinte, tem 1500 salas, distribuídas assim regionalmente, que tem sessões de arte em tantas cidades, enfim, você não sabe qual o universo que você pode jogar o seu filme, você não tem dado informativo nenhum, nem isso sobrou.

Essa agência vai ter um pouco esse trabalho também, agora, se vai resolver é outro problema, se depois as estações de televisão vão conseguir ser dobradas e dar um tanto do seu faturamento para produzir, essa é a discussão, por isso que atrasou a medida provisória...


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