Globo Repórter:
os cineastas na televisão

voltar apresentação e filmografia por Paula Muniz

1. INTRODUÇÃO
2. COMO TUDO COMEÇOU
3. UMA SEGUNDA CHANCE
4. OS CORONÉIS DA CENSURA
5. UM FORMATO, MUITOS TEMAS
6. O SUCESSO
7. A CRISE

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1. INTRODUÇÃO

O Globo Repórter desde sua criação, é um dos programas mais importantes do jornalismo brasileiro. Mas, curiosamente, foram os cineastas que criaram o Globo Repórter. Em seus primeiros anos, o programa funcionava separadamente da Central Globo de Jornalismo. A equipe do Globo Repórter trabalhava com certa independência da Central Globo de jornalismo, pensava suas pautas e produzia seus programas sozinha.

Este trabalho pretende mostrar como foram esses primeiros anos do Globo Repórter, quando cineastas premiados começam a trabalhar na televisão. Vamos falar das mudanças que estes profissionais levaram para a telinha, quais dificuldades eles enfrentaram, como se adaptaram ao novo meio, enfim, como era o dia-a-dia deles na TV Globo. Minhas fontes de pesquisa para este trabalho foram apenas depoimentos dos cineastas que trabalharam no Globo Repórter nos primeiros anos do programa. Por isso, devemos lembrar sempre que as informações contidas neste trabalho não são resultado de pesquisa bibliográfica e sim o que a memória e a ética permitiram que estes profissionais me contassem.

2.COMO TUDO COMEÇOU

O namoro da televisão com cinema sempre foi uma relação desconfiada. O cineasta intelectualizado achava a TV uma coisa menor. Mas havia um namoro. Tudo em verdade começou em 1967. Walter Clark era o diretor geral da Globo, ainda apenas uma emissora de televisão no Rio. Walter era o chamado executivo de sucesso, tinha vindo da TV Rio e tinha tudo para ser um vencedor. E tinha suas fantasias: sempre quis ser produtor de cinema. Por isso já vinha sendo cercado pelo Luiz Carlos Barreto e pelo Glauber Rocha para co-produções. Na TV, Walter queria documentários, embora uma vez, conversando com o cineasta baiano Paulo Gil Soares, tenha manifestado a vontade produzir um filme baseado no livro Judas - o Obscuro, de Thomaz Hardy, que estava em moda naquele período. "No momento não entendi e nem tive vontade de saber porque, achei apenas uma maluquice. Walter queria trazer gente de cinema para a televisão. Eu vinha de premiações internacionais por conta do Memória do Cangaço e ele me convidou para fazer um documentário sobre o Amazonas", conta Paulo Gil.

Mas o cineasta baiano tinha outra idéia. "Eu propus fazer uma coisa sobre mitos e realidades, uma coisa que era muito a minha cabeça na época. Ele topou. Eu convidei Fernando Duarte, como fotografo, e José Antônio Ventura, como técnico de som, e juntos fomos para Manaus. Foi uma dos maiores enganos da minha vida", confessa. Nos primeiros dias de filmagens - em negativo preto e branco - com equipamento alugado, o gravador queimou. Era impossível falar com o Rio de Janeiro por telefonia comum. A equipe decidiu filmar sem som. Na volta, após o filme ser revelado no próprio laboratório da Globo, Paulo Gil descobriu que teria de fazer a montagem da maneira mais primária possível: ver a imagem em negativo, através de um visor (olho de boi) e quando colocasse o voz do locutor ou música, o negativo corria pelos trilhos nos 24 fotogramas por segundo tradicionais mas o som era ouvido no leitor sonoro que corria a 26 fotogramas por segundo. "Editávamos a fita na mão e para vê-la usávamos um projetor Bell and Howell, 16mm, que projetava em positivo, na parede, quando se virava uma chave. Era uma montagem absolutamente manual. Terminada a montagem, com a musica de Villa Lobos, A Floresta Amazônica, iniciando com planos aéreos sobre a selva e depois em sobrevôos de rios, a câmera descia e deslizava pelas águas e, nos paranás e ia descobrindo pessoas, pássaros, bichos e os mitos. Ficou um filme seco, sério, bonito numa aproximação honesta com aquelas gentes e paragens."

Entregue o filme ele demorou de ser exibido. A equipe descobriu que as pessoas que vendiam comercial - não previsto no projeto inicial de Walter - tinham identificado uma oportunidade de alavancar o governo do Amazonas com alguns comerciais. "E lá se foi o trabalho para o brejo. Eles abriram o filme, aleatoriamente e sapecaram lá dentro, como recheio, tudo que puderam faturar. Bem, mas o pior vinha adiante. Levei três meses montando e seis meses para receber meu pagamento - eu precisava muito dele para viver. Desconfiei da Globo, reclamei do Walter que achou engraçado eu depender imediatamente do pagamento para continuar vivendo, riu muito e deu ordens para que me pagassem. Fui embora dizendo a ele que nunca mais voltaria."


3. UMA SEGUNDA CHANCE

Mas voltou. Quatro anos depois, Walter Clark encontrou Paulo Gil no Bar Veloso (hoje Garota de Ipanema) e apresentou o projeto da Shell, que pretendia produzir 24 documentários. Diferente da primeira empreitada, desta vez havia dinheiro para pronto pagamento, para comprar equipamento e ser feito um trabalho profissional. "Já que tinha sofrido antes com a pobreza, tinha o direito de agora trabalhar com conforto. Walter me convenceu." brinca Paulo Gil.

Paulo Gil Soares dirigiu os três primeiros documentários da série: Arte Popular, Testemunho do Natal e Como Come o Brasileiro - quando a Rede Globo, agora através de Armando Nogueira e Joe Wallach, pediu ao cineasta para coordenar a produção dos outros documentários e convidar novos cineastas para realizá-los. O contrato seria de dois anos, ganhando bem. Ele topou. Embora com alguns pequenos senões, como o gravador que não era síncrono com a câmera, a equipe começou a trabalhar em filme negativo colorido, sonorizado no laboratório de som da Cinemateca do MAM, no Rio. Carlos Della Riva e Goulart, conseguiam sincronizar o filme com seu som direto. E a montagem era feita em moviola - um fantástico progresso. No final de 1972, a Shell estava descontente com os últimos documentários da série. A proposta inicial de 24 documentários foi reduzida a 20 e por fim a Shell desistiu de continuar com o horário. O projeto saiu do ar. Paulo Gil tinha um contrato e ficou sem fazer nada por três meses, até que um dia leu nos jornais que Henry Kissinger - que negociava a paz na Guerra do Vietnã - declarou que "a paz está ao alcance da mão". A guerra do Vietnã estava nos noticiários todos os dias, mobilizava a rebeldia dos jovens americanos e chocava o mundo. "Mas como tinha começado aquela guerra? que país era aquele? Eu achei que se poderia fazer um belo "especial " com aquele tema." conta Paulo Gil.

O jornalista Humberto Vieira era o responsável pelo espaço internacional do Jornal da Globo, na época e era amigo de Paulo Gil desde a Bahia, onde trabalharam juntos em jornal. Humberto tinha acesso às agencias internacionais, tinha material de arquivo e dominava o tema. Paulo Gil pediu então que ele escrevesse um texto-pesquisa para que pudesse compor o material e editar um programa. A proposta era fazer uma matéria como se fosse para a revista Realidade, da Editora Abril, revista que tinha o melhor time de repórteres especiais do país na época, entre eles o Hamilton Ribeiro que tinha feito matérias no Vietnã e, por fatalidade, virou capa da revista ao pisar numa mina e perder a perna. Paulo Gil foi a São Paulo e entrevistou o Hamilton para o programa. "Fizemos um belo especial que se chamou Vietnã, O Preço da Paz".

Ele foi ao ar no mesmo horário em que era exibido o Globo Shell, onze da noite de uma sexta feira. Alguns anos depois, já no Globo Repórter eu trouxe o Zé Hamilton Ribeiro para nossa equipe", explica Paulo Gil.

Trabalhar com material de arquivo era a especialidade de Luiz Carlos Maciel, que entrou no programa em 1974. Luiz Carlos era redator e editor do Globo Repórter. Seu primeiro programa foi A Era do Rock. "Eu juntava o material, organizava, fazia um roteiro e escrevia o texto. E na época, eu era metido a estar atualizado nesse negócio de rock n'roll." Alguns dos programas de Luiz Carlos também tinham material de externa produzido pela equipe da época. Outro programa feito somente com arquivo foi um especial sobre Marylin Monroe, do qual Luiz Carlos se orgulha muito: "Eu gostei muito de fazer este programa e acho que talvez ele tenha ficado mais bonito que o da Índia. É difícil decidir."

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4. OS CORONÉIS DA CENSURA

Na segunda feira seguinte, quando Paulo Gil chegou à Rede Globo, a direção estava nervosa. Armando Nogueira não escondia suas preocupações. Otto Lara Resende mandou chamar Paulo Gil e disse que as chamadas "forças de segurança" tinham reclamado contra o programa afirmando "que ele tinha uma visão comunista da guerra". E era intencionalmente ideológico, pois apresentava cenas dos guerrilheiros risonhos e o general Giap fazendo brindes à vitória; os americanos estavam sempre sujos, feridos e, quando se mostrava o general Westmoreland, ele estava visitando feridos, demonstrava preocupações, era uma imagem de derrota. Otto disse para Paulo Gil que ele não deveria se preocupar, mas que se preparasse pois talvez tivesse de dar explicações àqueles coronéis responsáveis pela Censura que circulavam pelos corredores.

Os censores estavam sempre pela emissora de televisão, atentos a tudo que o jornalismo produzia. A informação era uma arma de guerra. Paulo Gil conta como era sua visão destes profissionais: "Os censores eram fantásticos. Os primeiros eram militares. Eles só viam fantasmas. Tudo era proibido deveria ser como a censura militar queria. Eu me mantive tranqüilo, se é que era possível alguém ficar tranqüilo diante da possibilidade de um interrogatório militar e o eventual desemprego. Minha tranqüilidade se baseava no fato do material que eu tinha usado pertencer à embaixada americana. Eu havia conhecido antes, numa daquelas festas de Ipanema dos anos 70, o Adido Cultural dos EUA, um americano bonachão chamado Hart - não me lembro do seu primeiro nome - e quando precisei de material para completar o programa, tinha recorrido a ele.

Ele colocou à nossa disposição vários documentários americanos, principalmente o "A Noite do Dragão ", de onde eu havia escolhido as cenas que irritaram os militares brasileiros. Eu teria, além do Otto, os americanos me defendendo! Após o almoço aconteceu o milagre - eles existem! Dr. Roberto Marinho telefonou para Walter Clark pedindo que o programa do Vietnã fosse repetido num horário diurno pois ele havia recebido um pedido do Marechal Odilio Denis, o super poderoso militar. A coisa era simples. O marechal sabia, acho melhor colocar entre aspas esse "sabia ", que a guerra do Vietnã seria tema de redação do Vestibular e, como tinha dois netos que iam fazer a prova e considerou o programa muito bem informado, e concluía que aquele programa poderia ajudar os jovens. Foi um alívio monumental. O programa foi repetido no sábado às 11 horas da manhã, fez um sucesso maior. Escapamos." A censura era uma pedra no sapato dos profissionais do Globo Repórter. Paulo Gil tem muitas histórias para contar.

Aniversário de morte de Getúlio Vargas. Estávamos preparando um especial. Já havíamos antes lidado com material sobre Getúlio, já tínhamos trabalhado sobre sua carta testamento, enfim pretendíamos um programa limpo e isento. Claro que a empresa tinha ficado preocupada. Embora não fosse habitual, Armando Nogueira apareceu na ilha de edição quando o material estava sendo editado. Olhou tudo em silêncio, sugeriu que fosse colocada uma íris destacando Tancredo Neves no enterro em São Borja e subiu para sua sala. De lá mandou que eu subisse. E me disse que Dr. Roberto havia pedido para que não se citasse a carta testamento. Isso acabava com uma das seqüências mais bonitas do programa : o enterro pelas ruas do Rio para o embarque do corpo, o povo chorando, aquelas coisas, e sobre as imagens o texto da carta que era também lida na banda sonora. Tentei argumentar que a carta já tinha sido usada no GR. Armando me disse que nós tínhamos que obedecer a ordem. Perguntei se eu podia falar com Dr. Roberto. Com sua concordância telefonei de lá mesmo para Dr. Roberto que me atendeu com a gentileza de sempre. Falei sobre o programa, a importância da carta e tentei dar um golpe de malandro. Disse que o Armando tinha me dito que ele estava preocupado com a carta, etc.

Em obediência a ele, eu gostaria de saber "quais os trechos da carta que o senhor desaconselha serem usados?" Dr. Roberto ouviu paciente e à minha pergunta respondeu : 'Toda a carta'. Ele era gentil mas era também definitivo. Aproveitei a paciência e disse: Dr. Roberto, esta carta hoje é apenas histórica. Se nem na época ela causou maiores rebuliços porque causaria agora? E ele me disse: 'Meu filho, ela não vai causar nenhum rebuliço. Getúlio está morto, mas há ainda muita gente viva a quem ela incomoda. Muito obrigado por pedir conselhos.' O programa foi ar sem a carta testamento. Só usamos música fúnebre. Ficou muito mais dramático." conta Paulo Gil. Algumas histórias parecem até, um roteiro de filme de espionagem. "Havia um coronel na assessoria da direção geral (ele assessorava outro coronel que havia dado baixa do Exército e era gente finíssima, o Paiva Chaves) que um dia, discreta e solidário, me disse que eu estava sendo observado pelos militares.

Havia até um carro que ficava estacionado nas imediações da casa 204 da rua Pacheco Leão observando quem por lá circulava. Ele tinha essa informação, mas ainda não sabia por que. Se eu podia deduzir qual seria o motivo. Eu, irreverentemente, Braumary eles é que devem saber, como vou poder adivinhar? E ficou nisso. Quando voltei para o GR, vi o carro e os policiais (ou militares), olhei para eles, eles me olharam e depois disfarçaram mas não foram embora. No dia seguinte lá estavam eles. Ou eu me acostumava a isso ou deixava a paranóia tomar conta de mim. Naquela semana se comemorava cem anos das primeiras manifestações da pintura impressionista. Eu tinha um excelente documentário sobre os pintores impressionista, de uma serie americana de arte chamada Museum Without Wall. O programa foi ao ar e como se uma coisa tivesse a ver com a outra, o carro não voltou no dia seguinte, nem nos outros. Aí só ficou a loucura de todo dia procurar ver se eu estava, ou não, sendo observado. Braumary voltou com a informação que fazia os militares vigiarem a redação do GR: eu estava em permanente contato com um espião soviético, agente da KGB, chamado Dimitri. E que eu também tinha estado com ele no aeroporto Santos Dumont e, embora separados, embarcamos no mesmo avião para São Paulo.

Em São Paulo eu tinha sido seguido até o Hotel Higienópolis, mas o espião - talvez por mais competência - eles tinham perdido no trânsito. Corri para a sala do Otto, ele chamou o Paiva Chaves, eu expliquei então a origem das suspeitas dos militares e acabou a vigilância. Por que? Eu estava produzindo a serie O Mundo em Guerra, escrita e editada por um sobrevivente do Gueto de Varsóvia e do campo de Mautthausen, Marcos Margulies.

O narrador era o ator Walmor Chagas. Como Walmor viajava para os países que foram cenário da guerra, eu sempre pedia a ele para visitar as cinematecas e buscar material que nos ajudasse a fazer bons programas, Numa dessas viagens, a Stalingrado, Walmor voltou com a informação de que havia um documentário - que o Cosme Alves Neto, meu saudoso amigo, então diretor da Cinemateca do MAM, me disse que era maravilhoso - A Marcha Para O Oeste que mostrava a defesa de Stalingrado, Leningrado e Moscou. Era a guerra vista pelos olhos dos soviéticos, material que nem mesmo a Cinemateca de Berlim possuía. Pedi a José Cordeiro, nosso produtor de jornalismo, que fizesse contato com a embaixada e tentasse obter o material. A embaixada mandou seu Adido Cultural, Dimitri, para conversas iniciais, ver algum programa da nossa série e negociar a venda do material.

Dimitri, depois de duas semanas, voltou com o documentário, negociamos o preço, na época 15 mil dólares - valia muito mais pelo que renderia a vários programas - e realmente começou a voltar à Redação do GR. Como era formal, sempre telefonava avisando antes que viria. Certamente - não sei ao certo, presumo - ou o telefone da embaixada ou o do GR, estava grampeado e os "vigilantes" acompanhavam ele. Não tenho a menor idéia se era ou não espião da KGB. Ele vinha porque a gente tinha se metido numa brutal confusão de moedas, diplomacia, espionagens. Fato simples: a embaixada não queria (ou podia ) receber em dólares, e até eu entender melhor, não queria receber nem em dólares, nem no Brasil. Queria pagamento em rublos e em qualquer lugar da União Soviética.

Como era uma coisa muito confusa, a Globo não conseguia pagar. E o Adido voltava para reclamar. Nosso encontro no Santos Dumont tinha sido apenas coincidente. Íamos os dois para São Paulo no mesmo dia, no mesmo vôo. Nossos coronéis falaram com vários colegas e a coisa esmaeceu. Quando o Dimitri apareceu mais uma vez para cobrar, eu disse que nós ou pagaríamos em dólares através de nosso escritório em Nova Iorque ou em cruzeiros, imediatamente, através de um cheque administrativo contra recibo da embaixada. Um administrativo brasileiro da embaixada recebeu em cruzeiros mesmo o pagamento devido e ficou mais esta história da nossa admirável Inteligência da ditadura militar. Dela temos mais duas histórias: Primeiro compramos um material da Produtora Wolper, americana um documentário muito interessante que era a chegada de Jesus em Jerusalém e todos os outros episódios disso decorrentes; a traição de Judas, sua prisão julgamento e morte, como se tivesse visto e reportado por um repórter de época, buscando a verdade dos fatos. A censura não deixou passar as palavras exércitos (romanos...) generais (romanos...) traição (de Judas...) denuncia (contra Jesus...) processo... Segundo, compramos do grupo americano Time/Life um documentário, As Memórias de Kruschev, onde o ex-secretário do Partido Comunista da União Soviética denunciava os crimes de Stalin. Eles, os militares, proibiram que se exibissem os trechos da Revolução Bolchevique, as imagens de Lenin mobilizando as massas, a visita de Kruschev à ONU e mais vinte e seis cortes de seqüências inteiras. O resultado ficaria desastroso. Desistimos do documentário," conta Paulo Gil.


5. UM FORMATO, MUITOS TEMAS

Ficou a certeza de que eles haviam descoberto um formato de programa com aproveitamento de arquivos e entrevistas, descoberto um horário novo, só faltava a Rede Globo decidir o que fazer. Em 1973 foi planejado um novo programa jornalístico e numa reunião José Bonifácio de Oliveira, o Boni pediu à Paulo Gil que ele visse uma fita cassete, em U-matic, do programa americano Sixty Minutes, que poderia ser o formato que se queria para o novo programa. A partir da experiência do Globo Shell, Paulo Gil insistiu que se poderia fazer um programa de jornalismo aprofundado, com o formato de documentário. Boni aceitou a idéia e pediu que se fizesse um piloto. O piloto foi feito mas ele não se convenceu de que aquele formato deveria ser usado de imediato e ordenou que nas primeiras experiências, num programa de 43 minutos úteis e 4 brakes comerciais, fossem desenvolvidos quatro temas diversos. Nascia o Globo Repórter com exibição às 23 horas de sexta-feira. A equipe tinha que ter jogo de cintura. Afinal, o programa era feito sob a ditadura militar, com sua censura e o medo dos militares criando uma outra censura, a interna, embora ela se limitasse apenas à temática - o que já era muito. Boni tinha ainda, uma outra preocupação que terminava por ser também um formato censorial, os temas teriam que buscar audiência cada vez maior. Embora cercado de barreiras o programa crescia em sucesso, e com isso a Censura passou a ser mais rígida.

Uma vez Paulo Gil subiu para uma reunião com uma pauta com 30 temas e voltou com apenas seis aprovados. Havia uma outra "leitura " para o programa. Como a Censura era grave, a equipe começou a trabalhar com temas de ecologia e também temas policiais, fazendo investigações paralelas, como no caso dos assassinatos de Cláudia Lessin e Angela Diniz, crimes que abalaram o Rio e tinham ganho dimensão nacional. Aqui uma outra preocupação do programa: o programa era nacional; na audiência o numero de analfabetos e semi-alfabetizados aumentava na medida da geografia humana nacional, logo tudo tinha que ser nacional e interessar a todos. A ecologia era também uma bela saída, um mérito que o Globo Repórter merece: foi o iniciador de programas ecológicos, o popularizador da palavra Ecologia e das expressões Meio-Ambiente e Eco-Sistema. A descoberta da ecologia foi uma espécie de libertação, pois, como se fosse uma guerrilha cultural, podíamos falar de tudo que era proibido apenas falando de ecologia. O Globo Repórter era como um documentário de cinema, com linguagem e fotografia de cinema. Era um programa autoral, onde os diretores tinhamvliberdade de criação e autonomia de edição.

Um dos programas que Luiz Carlos lembra com mais carinho era sobre a presença da cultura japonesa no Brasil. "A Suave Invasão foi feito com arquivo e com entrevistas e é um programa que eu gosto muito. Mas um dos programas que eu mais gosto é sobre a Índia e o rio Ganjes, que acabei transformando num Globo Repórter sobre o hinduísmo; sobre a filosofia e a religião hinduísta. Usei as imagens de arquivo e a arte do texto. Importante dizer que as imagens foram selecionadas em função do meu texto e não o texto em função das imagens."

O setor de análise e pesquisa identificou que se o programa fosse também exibido num segundo horário, diurno, ele teria outro tipo de publico e a soma dessas audiências poderia preparar o programa para um horário mais próximo da proposta de ampliar o espaço do jornalismo na grade de programação do horário nobre da rede.

Em julho de 73 a Rede Globo preparava o lançamento do Fantástico - o Show da Vida para a faixa das 21 horas do domingo. Como a soma dos dois horários do Globo Repórter era boa, o programa ganhou o espaço das 21 horas, às terças feiras. Aos poucos, por artimanhas da equipe, o número de temas por programa foi diminuindo e, antes que alguém se desse conta, a equipe já trabalhava com um único tema, dando a ele tratamento de documentário cinematográfico.

"Bons tempos em que o programa ainda era feito em película. Porque o programa foi desenvolvido a partir do Globo Shell, que era uma coisa que o Paulo Gil tinha inicialmente bolado para os documentaristas de cinema, para que o trabalho de documentaristas como ele aparecesse na televisão. Então, os cineastas filmavam em 16mm e a edição era feita nas salas de montagem, na moviola. Só o acabamento depois que era feito em VT, onde eram acrescentadas as cabeças do Sérgio Chapellin gravadas em VT," lembra Luiz Carlos.

A equipe do Globo Repórter era composta de jornalistas que também tinham feito cinema e, por falta de produções com as constantes crises do setor, migravam para a televisão com uma perspectiva de fazer jornalismo com linguagem de cinema. Desde o projeto Globo Shell, Paulo Gil vinha convidando cineastas para trabalhar com ele. "Fracassamos com muitos deles. Eu pude (e soube) escolher melhor no Globo Repórter e pude ter como companheiros Eduardo Coutinho, Walter Lima Júnior, Luiz Carlos Maciel, Maurice Capovilla e João Batista de Andrade na equipe fixa, e vez por outra experimentava outros diretores," explica Paulo Gil.

"Eu me ofereci", confessa Luiz Carlos. "Eu queria trabalhar em televisão. Já tinha trabalhado em jornalismo, teatro, cinema, mas ainda não tinha trabalhado em televisão. E como eu conhecia o Paulo Gil, era meu amigo de longa data, eu procurei ele e fui contratado." "Tenho certeza que trouxemos para a Globo, da época, algumas informações modificadoras: trouxemos a necessidade de novos equipamentos, sobretudo os portáteis, cinematográficos, formamos novos técnicos, trouxemos a preocupação com o enquadramento, a utilização de planos de narrativa do cinema, tínhamos uma preocupação permanente com a iluminação, a edição era de cinema e as filmagens externas, sempre. Mas como era TV, evitamos planos gerais, o enquadramento era sempre feito com planos mais próximo," explica Paulo Gil. "A maneira como o documentário é pensado para cinema é mais profunda do que da reportagem jornalística. Então esta foi a principal contribuição do Globo Repórter para a televisão. Foi a possibilidade de aprofundar os assuntos, que tratados jornalisticamente são superficiais, não tem uma vivência de assunto." comenta Luiz Carlos.

O Globo Repórter era um programa de autores, onde seus diretores primeiro conversavam com as pessoas, depois montavam seu equipamento para colher depoimentos e filmar imagens que seriam posteriormente usadas no programa. O tempo do programa era outro. A linguagem do programa era outra. A proposta do programa era outra. "As vezes éramos criticados: Este programa se chama Globo Repórter, mas nem aparece o repórter! Mas tinha o diretor do programa, que não aparecia mas era um autor deste programa; no sentido de que o cineasta é o autor de um filme. Então eles tinham vivenciado o assunto de uma forma que o repórter não vivência." explica Luiz Carlos.

Na verdade, o Globo Repórter mostrou para a televisão que existia a possibilidade de se fazer uma abordagem mais profunda dos assuntos. "O Globo Repórter daquela época era diferente da televisão. Trabalhávamos em um lugar sossegado, longe do alvoroço da emissora, do jornalismo. O telejornalismo diário é uma coisa da maior adrenalina, porque tem que ir ao ar todos os dias. Um programa semanal como o Globo Repórter era mais calmo.

Além disso, a gente não trabalhava para o programa semanal, cada diretor tomava conta de seu programa. Eu do meu, o Walter Lima Jr. do dele. Na outra semana era o do Eduardo Coutinho, na outra era do Washington Novais. Então, na verdade, eu não fazia mais do que um programa por mês. O ritmo de produção do programa era de cinema" ressalta Luiz Carlos. O trabalho era cooperativo e solidário. Não havia reuniões formais entre os profissionais.

O organograma era muito simples; um diretor, um diretor de criação, assim chamado como responsável pelas pesquisas e texto final, logo substituído pelo que seria o Chefe da Redação, editores que ficavam responsáveis pela orientação do programa, repórteres, cinegrafistas, operadores de áudio, produtores de jornalismo e seus produtores de campo e montadores de moviola. Nas viagens as equipes eram compostas de um produtor, um repórter, um cinegrafista e um técnico de som.. O editor informava ao repórter o que queria e orientava a captação das imagens, entrevistas, analisava o material recolhido, organizava a edição, colocava o texto e fazia o corte final. Essa a regra. Mas algumas vezes, nas premências, um texto era escrito e gravado no tempo do programa e a equipe corria atrás de imagens produzidas ou de arquivo e o programa ia sendo recheado.

A grande preocupação da equipe era outra. "O grande problema era mesmo a pauta. A Censura era braba, ao vivo e em cores, presente. Eu era obrigado a enviar os textos para Brasília com oito dias de antecedência e o programa só era exibido se tivesse o certificado de censura obtido após a exibição em circuito interno para os censores. Essa dependência gerava insegurança na produção, era um programa semanal, se eles proibissem ou demorassem na aprovação, ameaçava a programação. Nós não tínhamos equipamento suficiente para produzir com folga - tínhamos agora 3 câmeras CP, com pilot-tone e gravadores Nagra, depois substituídos por película colorida, reversível - foi necessário então compor a programação mensal com documentários internacionais que adaptávamos, reeditávamos e, quando possível, completávamos com um segmento nacional produzido por nós." conta Paulo Gil.

Eduardo Coutinho fez vários programas sobre o nordeste brasileiro. Documentários feitos em locação. Aqui cabe um mérito ao Globo Repórter. Cabra Marcado para Morrer, o documentário mais famoso de Coutinho, havia sido iniciado em 64, mas com a revolução o cineasta se viu obrigado a abandonar o projeto. Somente depois de seu retorno ao nordeste, propiciado pelos programas que fez para o Globo Repórter, Coutinho conseguiu retomar e finalizar seu filme sobre a revolta de camponeses.

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6. O SUCESSO

O importante, como tudo na época, era agradar o Boni. Se o Boni gostava já era sucesso começado. E se Boni gostava - e exigia cada vez maior competência - ele também facilitava acesso a informações internacionais, mandava que Paulo Gil viajasse para ver e comprar coisas, enfim, prestigiava e muito o Globo Repórter. Foi nesse momento que Paulo Gil teve a idéia de criar "selos" indicativos para as categorias que o Globo Repórter iria apresentar: GR Atualidades - baseado nos grandes temas jornalísticos quem marcavam o mês, GR Ciência, GR Pesquisa, GR Arte e os GR especiais, que eram mais complicados para se colocar no ar, pois era um programa absolutamente up-to-date como o assassinato de Sadat, o atentado ao Papa ou a guerra das Ilhas Malvinas/Falklands.

O sucesso do programa crescia. Crescia porque não havia nada igual nas televisões daquela época. Havia uma carência que era suprida pelo Globo Repórter. Era um programa nobre, de qualidade, responsável, inquieto, instigador. De repente, professores e estudantes começaram a solicitar os textos do programa e, logo, a tiragem para atendimento externo foi ampliada. Até a Editora O Globo pensou em fazer uma revista Globo Repórter, idéia que não foi adiante. Anos mais tarde, quando dirigia a revista Amiga, da Bloch, o crítico de televisão - hoje senador, Artur da Távola, passou a publicar os textos num encarte especial. "Tudo isso ajudava o sucesso. Nós éramos cuidadosos. Não usávamos nos textos palavras difíceis ou rebuscadas, escrevíamos em frases diretas, concisas, sem adjetivações, se a imagem "contava" não usávamos textos." orgulha-se Paulo Gil. Fora alguns problemas de vaidade, o programa ia muito bem. "Aqui havia um outro pequeno problema que tínhamos de resolver sempre: como havia na equipe alguns jornalistas só textistas - quando as matérias eram solucionadas apenas com a narrativa das imagens e das estórias que as pessoas contavam - isso prescindia os textos - essas pessoas ficavam ressentidas pois se sentiam desimportantes." explica.

Os programas tinham roteiro, tinham princípio, meio e fim - que pode parecer uma bobagem dito assim num texto, mas que sempre permanece como informação fundamental para qualquer trabalho. A equipe sabia tirar partido das interrupções dos comerciais fazendo com que cada segmento do programa pudesse ser usado "dramaticamente ", criando-se climas. Sbia ainda, aproveitar todas as informações que o Departamento de Pesquisa passava. E mais importante, sabia que o Globo Repórter complementava a educação ou as informações que a audiência não havia tido. Uma audiência sem economia para comprar jornais ou revistas . A equipe estava tão bem informada sobre a qualificação da audiência que, uma vez, chegou a fazer dois programas (Mulheres I e II) trabalhando com cada tipo das classes que a audiência classificava. "O IBOPE é a vida da televisão. Então, ficava todo mundo de olho no IBOPE. Mas o mais importante era a filosofia do programa, do tipo de documentário que não tinha nos outros canais. Era um produto totalmente original.", comenta Luiz Carlos.

Claro que o programa começou a ganhar prêmios. Alguns seguidamente como da Associação Paulista de Críticos de Arte, ou o "Oscar" que o Silvio Santos distribuía. "Ganhamos vários, como eram muito feios, e na nossa redação havia duas portas que se fechavam com o vento, eles ajudaram muito segurando essas portas." brinca Paulo Gil. Importante mesmo foi prêmio o "Estrela de Prata " do Festival de Nova Iorque, em 1982, que consolidou o sucesso do programa. O programa agradava à direção da Rede Globo. Gerava audiência jovem e intelectualizada ao lado de audiência popular, os profissionais já sabiam driblar a censura, dava prestígio à empresa e seu custo era muito baixo, durante muitos anos nem tivemos orçamento próprio, pois seus custos podiam ser absorvidos com tranqüilidade nos custos gerais da Central Globo de Jornalismo.

A importância desse núcleo de trabalho é demonstrado pelo investimento que fez: transformou o grupo em Divisão de Reportagens Especiais com novas responsabilidades e novos horários; assim a equipe ficou responsável pelas reportagens especiais e pesquisas do Fantástico, produzindo uma série chamada Mundo Em Guerra e uma outra Televisão, Ano 25. "Com os olhos da distância e, apaziguado ao olhar o tempo, havia uma área da empresa que não gostava desse sucesso. Era a área do jornalismo da própria Globo.

Eles não gostavam do anonimato do jornalismo diário, olhavam o GR, sei lá, com ressentimentos, não ajudavam e casos extremos, em alguns momentos, até sabotavam. Sabotavam não emprestando equipamentos, não abrindo espaços para a gravação em VT (o programa embora feito em filme ia ao ar em vídeo tape), não abriam espaços na sonorização, davam os horários mais complicados de finalização como editar em VT de meia noite às 8 horas da manhã e sonorizar de oito da manhã ao meio dia ... ou sonorização a partir das oito da noite no dia do programa ir ao ar 21 hs ! Várias vezes chegamos a entrar no ar com o primeiro bloco enquanto sonorizávamos o segundo. Mas conseguíamos, com raiva, mas conseguíamos." desabafa Paulo Gil. O grande período começou com a chamada nacionalização dos programas. E isso não estava previsto para logo o Globo Repórter, embora naquele ano de 1978 o Boni tenha projetado uma programação, que deu a Rede Globo um índice de programas nacionais que chegou a mais de 80 % . Havia duas novas moviolas, mais uma câmera e mais uma equipe - o que deu o pique de produtividade que, vez por outra, era reduzido pela censura.

O Globo Repórter tinha em sua equipe pessoas que haviam feito jornalismo, haviam feito cinema, alguns tinham livros publicados, todos foram ratos de cinemateca, todos tinham uma formação humanista acentuada, alguns haviam passado pelos centro de cultura popular da União Nacional de Estudantes, alguns tinham sido vítima da perseguição política da ditadura militar, tinham passado pela experiência da prisão política, todos acreditavam fortemente na cultura brasileira, portanto claro que se tinha uma ideologia e todos trabalham com isso também. "Em termos da ditadura militar nós tínhamos um programa forte e conceituado, era necessário experimentar todas as maneiras de burlar a censura. E aí a favor da Globo: quando a gente conseguia a Globo ficava feliz. Alguns chiavam. Mas havia uma alegria - preocupada mas alegria," festeja Paulo Gil.


7. A CRISE

Com sucesso, o Globo Repórter funcionou até 1983. Mas enquanto a equipe ficava cada vez mais adestrada e mais própria para o programa, cada vez mais ele desagradava. Não a audiência, pois os números sempre cresciam e cresciam mais em São Paulo - o que era um padrão das exigências do Boni, afinal São Paulo tinha mais telespectadores que o Rio e o resto do Brasil e de lá vinha - como vem ainda - 65% do faturamento da Rede Globo. Ele desagradava porque podia ser sempre uma surpresa. Enquanto a direção jornalismo exigia comedimento, o Boni pedia impactos, "soco no estômago", ampliação da audiência. Era difícil agradar aos dois senhores. Mas eles iam levando. "Em 1983 começou uma crise qualquer, de alguma forma, de alguma maneira que eu não tenho a menor idéia de como começou e nem percebi que começava, o Boni mandou demitir uma equipe que o GR tinha em São Paulo, comandada pelo Fernando Pacheco Jordão.

Infelizmente, Fernando era editor chefe em Sampa e era também diretor do Sindicato dos Jornalistas de São Paulo. Tanto a direção do jornalismo como o Departamento do Pessoal achava isso um absurdo, porque o Fernando foi eleito depois de estar na Globo. Bem, Fernando participou da greve da categoria em São Paulo e, apesar de suas imunidades sindicais, foi demitido. E Boni, a título de economia, mandou demitir a equipe paulista." explica Paulo Gil. A partir daí o Boni ameaçava tirar o programa do ar. Começou a ser mais exigente nos títulos, no tema, na aproximação, na qualidade, em tudo. Algumas vezes programava outra coisa no lugar e ameaçava tirá-lo de vez. Paulo Gil não conseguia entender o que estava acontecendo e tentou conversar com o Boni, mas havia algo que ele não sabia. Boni começou a alegar que ele só sabia fazer documentários e que queria um novo formato, que não explicava e simplesmente dizia "mais jornalístico."

O que mais não poderia ser ... "Minha saída eu não consigo até hoje explicar. Uma manhã eu li em O Globo uma entrevista do Armando Nogueira onde ele dizia que o Globo Repórter sairia do ar, mudaria de formato e teria outro diretor. Apenas li no jornal, sem preparação, sem noticias anteriores, sem uma palavra do Armando embora no dia em que ele concedeu a entrevista eu estivesse com ele e até tenha ido com ele a Jacarepaguá, onde ele me levou para conhecer o ultraleve que ele tinha comprado. Frieza? Não tenho a menor idéia. Dois dias depois o Boni me chamou e pediu que eu juntasse a equipe e tentasse a recuperação de uma novela que o Walter Avancini havia dirigido e tinha sido considerado um fracasso. Assim nasceu, pelas nossas mãos, a série Anarquistas, Graças a Deus. E Boni me disse que eu ficaria à sua disposição para novos trabalhos. Eu manifestei vontade de ir embora ele insistiu e rindo me disse: "Você fica, você aprendeu a fazer programas bons e baratos. Você fica." conta Paulo Gil.

O Globo Repórter ficou fora do ar por uns três meses. Robert Feith veio de Londres para dirigi-lo. Ele procurou Paulo Gil pedindo colaboração, mas o velho baiano se recusou. O Globo Repórter mudou seu formato, passou a fazer reportagens, deixou de ter equipes exclusivas, seus equipamentos passaram a compor o pool de equipamentos gerais, começou a usar repórteres dos telejornais e claro, começou a usar a linguagem dos telejornais e cada repórter começou a usar o formato do Stand-up e cada um fazia a sua versão pessoal da matéria e não mais a reportagem, ela mesma, ela própria.

Para Luiz Carlos, quando o Globo Repórter passou para a área de Armando Nogueira, o estilo do programa mudou completamente. "O programa deixou de ter o estilo de documentário cinematográfico e passou a ser telejornalismo igual aos jornais, descaracterizou aquela originalidade que o Globo Repórter tinha. O Globo Repórter perdeu a personalidade" Na visão de Paulo Gil, se tornou um programa como todos os outros. Hoje, a Central Globo de Jornalismo tem nova direção - a segunda desde a saída do Armando Nogueira - e o Boni também não trabalha mais com o jornalismo. E o Globo Repórter volta ao tema único, ao documentário clássico - exatamente aquele que foi recusado há 15 anos passados. Luiz Carlos acredita que os documentários feitos hoje para televisão por produtoras como a Conspiração resgatam um pouco o antigo formato do Globo Repórter.

A narrativa de documentários como Pierre Fatumbi Verger e Futebol é bem parecida com a do Globo Repórter. "Esses programas têm uma influência mais definida do Globo Repórter do que o próprio Globo Repórter de hoje. O Globo Repórter influenciou muitas atividades fora da Globo. Porque na Globo existe uma máquina de telejornalismo e essas produções independentes são mais pensadas, assim como no cinema." compara Luiz Carlos. Em tempos modernos os meios sempre irão se confundir. Hoje, o cinema influencia a TV, que abusa de programas gravados em película. Ao mesmo tempo, a linguagem rápida, simples e superficial da televisão aparece em produções cinematográficas.

Mas o que será que um velho cineasta que trabalha em TV há 30 anos acha disso? "Você me pergunta quais as semelhanças ou diferenças entre as duas linguagens. Eu não sei. Sempre vi o cinema (como vejo a TV) como meio. Não acredito (ainda) que a TV tenha uma linguagem própria. TV é meio. Linguagem é o formato narrativo a que você se obriga a partir dos equipamentos de registro que você utiliza. O resto é apenas exibição. No cinema você escolhe, paga, fica na sala escura e vê na tela grande. a TV já está paga, está em casa e você pode ver sem apagar as luzes. A TV permite a você falar com um universo maluco de pessoas ao mesmo tempo. Para quem veio do Cinema Novo, uma fenômeno cultural da maior importância, mas sem audiência; para quem vem do sucesso de crítica, premiações e fracassos de bilheteria, a TV é orgasmo absoluto, milhões vendo e comentando o seu trabalho.

Só há um lado absolutamente frustrante: a TV não tem memória (embora tenha programas sobre a 'Memória"), a TV é autofágica, rápida, frugal, sempre vem mais no próximo horário, amanhã tem isso, tem aquilo, veja depois de amanhã, a TV é fugaz." acredita Paulo Gil. "E por enquanto o filme permanece. Descansa em paz numa cinemateca até que alguém volte a descobri-lo. O cineasta permanece como autor de cinema. Na TV quem está fora do ar está morto".


Depoimentos de:
Paulo Gil Soares, ex-diretor do Globo Repórter
Luiz Carlos Maciel, ex-editor do Globo Repórter
publicado em 13/08/2001
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