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Instituto Nacional de Cinema Educativo: da história escrita à história contada - um novo olhar

Este artigo correlaciona o histórico do Instituto Nacional de Cinema Educativo (INCE), formalizado por meio de pesquisas bibliográficas e iconográficas, e relatos obtidos através de entrevistas de História Oral com depoentes que vivenciaram as exibições dos filmes do Instituto durante seu funcionamento oficial.

As entrevistas realizadas fazem parte da dissertação de Mestrado Luz, Câmera, Educação! O Instituto Nacional de Cinema Educativo e a formação da cultura áudio-imagética escolar; foram conjugadas à perspectiva da análise argumentativa e trianguladas com a documentação histórica existente. Os resultados convergem em parte à literatura devidamente conhecida e trazem novas discussões a respeito da repercussão dos filmes entre produtores, professores e alunos.

1. Introdução: cinema na escola não é novidade das gerações recentes

Com os estudos avançados sobre cibercultura e a importância de incorporar as tecnologias informáticas em sala de aula, falar em TV e cinema na escola parece até ultrapassado. Pesquisadores, professores e comunicadores vêm tentando compreender como a relação entre a mídia audiovisual e a sociedade interfere no imaginário social, na produção de identidades e na transmissão de valores éticos. Duarte (2002) aponta que somente a partir dos anos 1980 os estudos começaram a questionar a concepção de recepção, tida, até então, como passiva; percebendo-se a possibilidade de uma visão ativa, que valoriza o sujeito social com seus valores, crenças e saberes, ou seja, sua cultura a qual participa dos processos de produção de significados. No entanto, apesar de os meios audiovisuais já estarem totalmente integrados na sociedade, o cinema nunca foi visto pelo setor educacional como fonte de conhecimento, porque os professores ainda vêem a produção cinematográfica meramente como diversão e entretenimento, subutilizando seus recursos (PRETO, 2007). 

A imagem em movimento em sala de aula não é novidade das gerações recentes. Desde o início da década de 1920, educadores brasileiros já discutiam suas potencialidades na educação – tensões e articulações que iriam culminar, em 1936, na criação do Instituto Nacional de Cinema Educativo (INCE) – primeiro órgão oficial do governo planejado para o cinema [1]. 

A chegada do filme no ambiente escolar foi uma encantadora novidade: momento de transição da linguagem estática para a linguagem em movimento, mudança de sinais que propiciou reflexões profundas no modelo pedagógico do falar-ditar do mestre, que vinha sendo implementado desde os primórdios da educação. O uso do filme na prática educacional provocou transformações no ensino baseado, até então, em imagens estáticas. A linguagem imagética disponível antes era somente através de livros, fotografias, gravuras e pinturas, que permitiam, dessa maneira, que o aluno conhecesse as diferentes culturas do país e do mundo. Mas para ter acesso aos novos conhecimentos, era necessário estar alfabetizado. A arte cinematográfica veio ao encontro da possibilidade de veicular a cultura às gerações analfabetas, uma vez que os códigos imagéticos visuais independem do sistema da escrita, que segue uma estrutura gramatical e ortográfica complexa. Sem contar, ainda, que o ensino era centrado na figura do professor, que, através de exposições, quase sempre orais, narrava o saber histórico aos educandos. O filme trouxe essa perspectiva de mudança. 

Conforme Duarte (2002, p.17), cinema e escola vêm se relacionando há muitas décadas, sem, contudo, se reconhecerem como parceiros na formação geral: “ver filmes é uma prática social tão importante do ponto de vista da formação cultural e educacional das pessoas quanto a leitura das obras literárias, filosóficas, sociológicas e tantas mais”. 

As relações de aprendizagem que envolvem cinema e escola, portanto, indicam a aproximação entre os campos da educação e da arte cinematográfica, que encontram interseção no escopo da natureza de suas atividades, uma vez que a história cultural ocupa lugar central em ambas as constituições. A educação veicula e produz a cultura, ou seja, as práticas culturais só são possíveis devido à possibilidade humana de se educar (FORQUIN, 1993). O cinema, como produto e produtor de cultura, tem participação e importância na construção das relações sociais, econômicas e experiências culturais do indivíduo. A aproximação entre educação e cinema quanto ao seu escopo cultural, apresenta-se, dessa forma, como uma possibilidade para compreender o cinema enquanto veículo pedagógico, principalmente considerando-o um recurso propiciador da educação formal. 

O enfoque dado ao filme como recurso didático tem suscitado diferentes estudos nas áreas das ciências humanas e sociais. No entanto, a maioria das pesquisas não entremeia a ligação entre passado e presente. Voltam-se mais aos seus reflexos no futuro. Estudos como o de Alves (2001) e de Preto (2007), direcionados ao uso de filmes em disciplinas de Sociologia e História, destacam que o cinema na escola, atualmente, é inadequadamente utilizado, potencializado, muitas vezes, de forma ilustrativa para preencher “espaços vazios”, sem realizar reflexão sobre a herança cultural proveniente do passado. 

Alguns registros do século XX demonstram que existiam muitas dúvidas a respeito da eficácia do filme como recurso educacional. Todos esses receios podem ter dificultado a criação ou a formação de uma cultura positiva sobre o uso de filmes na educação ao longo dos anos. Em 1930, dois professores do Colégio Pedro II, Jonathas Serrano e Francisco Venâncio Filho, escreveram o livro Cinema e Educação. Entre outras concepções, afirmaram que o professor via com desinteresse e desconfiança o uso do cinema escolar. Em outro livro, de 1931, Cinema contra Cinema, escrito pelo cineasta Joaquim Canuto Mendes de Almeida, não há informações quanto à receptividade por parte dos educadores, apesar de o autor indicar que o professor deveria ser o responsável pela condução dos filmes. 

Em 1939, três anos após a criação do INCE, Roberto Assumpção de Araújo, em sua tese para técnico do Instituto, escreveu que o cinema falado jamais poderia substituir o professor, demonstrando o receio que os docentes tinham em relação ao recurso tecnológico. Essas discussões deveriam estar muito acaloradas, e, infelizmente, são as únicas fontes de que dispomos sobre a receptividade dos professores, haja vista que a documentação do INCE não foi encontrada e nos poucos registros existentes, entre artigos da época e documentação dos arquivos pessoais de Gustavo Capanema, Roquette-Pinto e Jonathas Serrano não consta a repercussão dos filmes no espaço escolar. 

Neste percurso, quanto de nosso passado está contido em nosso presente? Será que nossa realidade, hoje, poderia ser diferente se a história do passado – do INCE – tivesse lançado um olhar diferenciado sobre o professor e sua formação permanente em relação ao uso de filmes em sala de aula? Como não podemos modificar o que já aconteceu, passamos, então, a refletir sobre as conseqüências do que fora realizado. E aí surgem inquietações: por que o cinema educativo não consolidou seu papel funcional para que fora criado? Até que ponto a herança cultural proveniente do passado contribuiu para a formação de uma cultura áudio-imagética escolar? Por que professores e alunos não estão preparados para fazer leituras críticas das imagens e produzir conhecimentos desses meios sem considerá-los, apenas, como fontes de entretenimento?

Dado o tempo passado da criação e encerramento das atividades do Instituto, e em face da pouca documentação existente sobre o INCE, foram analisadas as reminiscências de pessoas que participaram e vivenciaram este processo direta ou indiretamente. Entre os depoentes encontram-se ex-professores e alunos do contexto, ex-funcionários do INCE, amigos de Humberto Mauro, profissionais e cineastas que, após o encerramento das atividades do órgão, ainda utilizaram os documentários em sala de aula dadas as suas especificidades didáticas e seu conteúdo informativo considerado valioso. 

As entrevistas foram realizadas sob a ótica da metodologia de História Oral. Um dos grandes méritos da História Oral é permitir alcançar novas versões além das oficiais e públicas dos fatos, indo ao encontro de outras faces sobre o fato narrado ou escrito, por meio da memória, tornando possível registrar impressões de diferentes personagens do contexto.

A História Oral consiste em um método qualitativo de realização de entrevistas com pessoas que podem testemunhar acontecimentos, conjunturas, instituições, modos de vida e outros aspectos do período analisado pouco estudados ou em que predominam zonas de obscuridade, divergências de opiniões ou ausência de documentos (ALBERTI, 2004). 

2. O INCE documentado


A criação do INCE foi o resultado de grandes tensões e articulações políticas, educacionais, religiosas e culturais ao longo das décadas de 1920 e 19302. O órgão foi criado em 1936, no Governo Getúlio Vargas, e estava subordinado ao Ministério da Educação e Saúde Pública, cujo ministro era Gustavo Capanema. Seu primeiro diretor foi o antropólogo Roquette-Pinto, que dirigiu o Instituto até 1947. Roquette também foi o responsável pelo Projeto de Lei que deu organização ao INCE[3]. 

O Instituto funcionou por 30 anos e passou por sete governos diferentes: Getúlio Vargas (1937-45); General Gaspar Dutra (1946-51); Vargas novamente (1951-54); Juscelino Kubitschek (1955-61); Jânio Quadros (1961), João Goulart (1961-64) e Castelo Branco (1964-67). É natural que o órgão, pertencente ao Governo, fosse se adequando às modificações oriundas das transformações governamentais e políticas educacionais, que acabaram por fortalecer suas diferenças e contradições. Após a gestão de Capanema entre 1937-45, durante o Estado Novo, o INCE esteve subordinado a um constante troca-troca de ministros: Raul Leitão da Cunha, Ernesto de Souza, Clemente Mariani, Eduardo Rios Filho, Pedro Calmon Moniz, Simões da Silva Freitas Filho, Péricles Madureira de Pinho (interino), Antônio Balbino de Carvalho Filho, Edgar Rego dos Santos, Cândido Mota Filho, Clóvis Salgado da Gama, Celso Brant, Nereu Ramos (interino), Pedro Ferreira da Costa. 

A autorização para que o Instituto funcionasse foi concedida em 12 de março de 1936, de acordo com despacho presidencial. Humberto Mauro foi convidado a trabalhar no INCE pelo próprio Roquette, sendo responsável pela maior parte da produção fílmica. Segundo dados do arquivo Capanema, em 1936, o INCE já tinha uma filmoteca com 115 títulos, entre americanos, ingleses, italianos e alemães, 440 volumes de livros e assinatura de 30 revistas especializadas. A maioria dos livros da biblioteca foi doação do próprio Roquette, segundo seus arquivos pessoais. Entre esses, destacam-se autores como Jorge de Lima, Visconde de Taunay, Graça Aranha, Pedro Calmon, Cecília Meirelles, Almeida Prado e Monteiro Lobato. O antropólogo doou 620 obras em 707 volumes ao Instituto, incluindo diversos títulos sobre cinema. Em 1944, o acervo somava 1950 obras em 2460 volumes e 226 revistas (RIBEIRO, 1944). 

Embora já estivesse funcionando desde 1936, somente em 13 de janeiro de 1937, o INCE começou a existir oficialmente, com a publicação da Lei 378, que dava nova organização ao MES. No seu Artigo 40, dizia: “Fica criado o Instituto Nacional de Cinema Educativo, destinado a promover e orientar a utilização da cinematografia, especialmente como processo auxiliar do ensino, e ainda como meio de educação popular em geral”. No ano anterior, vale ressaltar que já tinham sido produzidos 30 documentários, dentre eles: Lição Prática de Taxidermia, Preparação da Vacina contra a Raiva, Barômetros, Os Lusíadas, Um apólogo – Machado de Assis.

A estrutura do INCE foi organizada inicialmente em quatro seções: 1) Expediente (secretaria, contabilidade, biblioteca e arquivo); 2) Plano (edição de filmes 16 e 35 mm, sonorização, adaptação, instrução e demonstração a professores, auditório, redação de roteiros e publicações, inserindo-se o jornal do INCE); 3) Execução (filmagem silenciosa e sonora em ambos os formatos, sonorização, redução, adaptação de aparelhos, cópias, fonografia, laboratório de pesquisa e ensaios, microcinematografia e diafilmes); 4) Distribuição (circulação e distribuição de filmes, cadastro de estabelecimentos, filmoteca, diafilmes, discoteca, revisão e reparo de filmes)[4]. 

Em 1946, com a publicação da Lei 8.536, regulamentada pelo Decreto-Lei 20.301, as atividades foram definidas oficialmente. Além daquelas pré-estabelecidas por Roquette-Pinto no projeto original, o Instituto possuía um serviço de orientação educacional, que compreenderia seção de estudos e pesquisas, e outra de publicidade; serviço de técnica cinematográfica, com seções de adaptação, tratamento, filmagem, laboratório e oficina; serviço auxiliar, composto pela filmoteca e distribuição, biblioteca e portaria. 

Competia a essas seções realizar estudos preliminares dos filmes produzidos pelo INCE, procurando seu valor educacional e bibliográfico; promover pesquisas em escolas e centros que utilizassem filmes educativos a fim de que as produções fossem feitas conforme as necessidades dos orientadores educacionais; censurar os filmes que pudessem corromper; traduzir artigos sobre cinema e educação necessários aos trabalhos do Instituto publicados em língua estrangeira; organizar a publicidade das produções nas escolas do Brasil e no exterior; estudar montagens, figurinos e músicas a serem encenados; conservar em bom estado o estúdio e todo o material técnico de exibição e sonorização; fazer a tiragem das cópias, aumentos, reduções e fotografias; conservar os originais das produções cinematográficas e fonográficas; listar estabelecimentos de ensino oficiais e privados; fazer a distribuição das produções, registrando suas saídas e entradas; conservar os catálogos atualizados; manter catalogada a quantidade de material distribuído. 
A filmoteca, organizada por Beatriz Roquette Bojunga, filha de Roquette-Pinto, continha todas as informações peculiares sobre as instituições escolares e culturais. Mas a sua documentação burocrática não foi encontrada. Não há como confirmar se foi perdida acidentalmente ou destruída. Por sorte, ainda está para ser encontrada [5]. 
A seção de distribuição possuía livro de registro de assistência técnica com informações sobre projetores e telas emprestadas, fornecimentos de filmes, etc. Também continha fichários de classificação das escolas divididos por estado, subdivididos em cores. O INEP e as Secretarias de Educação auxiliaram na sua organização. Com essas informações, seria possível mensurar a recepção dos filmes e as instituições que utilizaram os serviços do INCE. Conforme Ribeiro (1944), a única informação que existe a respeito das escolas data de 1943. Nesta época, havia 232 instituições cadastradas em todo o país, sendo 131 no Rio de Janeiro e 101 nos demais estados. 

Na filmoteca era realizada toda a produção necessária dos filmes como filmagem, revelação, montagem e sonorização. O INCE promovia exibições diárias para professores e estudantes em seu auditório, das 9 às 11h e das 14h às 18h. Os filmes eram produzidos em 16 mm para as escolas e transformados em 35 mm para as salas de cinema [6]. Duravam cerca de 5 a 40 minutos, dependendo do assunto. Difundidos pela Distribuidora de Filmes Brasileiros, eram, ainda, projetados no circuito comercial antes dos longas-metragens. 

Foram produzidos documentários científicos, preventivo-sanitários, de educação física, históricos, de geografia, artes aplicadas, meio rural, atividades econômicas, astronomia, agricultura, aviação, botânica, infantis, animação, dança, música folclórica, riquezas naturais, etnografia, indústria, medicina, saúde pública, zoologia, nutrição, entre outros [7]. Na diversidade de assuntos, nota-se a necessidade de tudo se fazer e mostrar. 

De acordo com arquivo Capanema, em 1941, o INCE já tinha cerca de 528 filmes entre editados, adaptados e adquiridos. O Instituto havia produzido 257 filmes, sendo 216 de 16 mm; 41 de 35 mm. Conforme Souza (1990), até esta data, tinham sido produzidos cerca de 207 títulos. A divergência nesta quantificação já aponta que muitos filmes se perderam ou não foram registrados no Livro de Tombo8. 
Além da produção interna, o INCE adquiria filmes de produtoras e realizadores independentes nacionais e estrangeiros sob forma de compra, oferta ou permuta. A análise dos filmes a serem comprados era feita pela Comissão Consultiva, criada conforme Art. 5º do Decreto 20.301. Este grupo era formado por cientistas e artistas. Interessante notar que o texto não ressalta a participação de educadores. Na listagem de filmes adquiridos nota-se que os assuntos eram convergentes àqueles produzidos internamente pelo Instituto. Muitos títulos atribuídos a Humberto Mauro, na verdade, só foram reaproveitados ou refilmados pelo cineasta, conforme documentado no Livro de Tombo.

Humberto Mauro, na coluna Figuras e Gestos, publicada em 23 de março de 1944, na Revista Scena Muda, escreveu que os filmes comprados eram “cozinhados” para que se adequassem às regras adotadas pelo INCE. Caso não pudessem ser aproveitados, por conta da inexistência de movimento ou criatividade, seriam feitos diafilmes9 das películas – também destinados aos professores como apoio às suas aulas. Roquette-Pinto referia-se aos diafilmes como “verdadeiras lições em conserva”. Eram fornecidos às escolas metros de rolos sobre os mais diversos assuntos. O material de projeção fixa era bastante usado porque o projetor de 16 mm era muito caro. O problema mais sério era a necessidade de introduzir na escola o cinema sonoro de 16 mm. 

Também era permitido que professores e pesquisadores filmassem suas atividades nos estúdios do Instituto, no intuito de documentar as descobertas e divulgá-las pelo país. Dessa maneira, muitos filmes científicos filmados por Mauro e assessorados por médicos e cientistas foram produzidos, mostrando a importância do INCE na divulgação científica brasileira. O criador do Laboratório de Biofísica da Universidade do Brasil, Carlos Chagas Filho, documentou vários trabalhos, bem como o professor Maurício Gudin, da Beneficência Portuguesa, e o Professor Cardoso Fontes, do Instituto Oswaldo Cruz. 

Outras grandes personalidades de renome fizeram parte do que seria a Comissão Consultiva do INCE, entre elas: Paulo Roquette-Pinto, Melo Barreto e Alfredo Peres Lopes (Zoologia); Américo Braga, Agnaldo Alves Filho, Bastos D´Ávila, Décio Parreiras, Vital Brasil, Evandro Chagas, Miguel Osório Pereira, Carlos Chagas, Ermírio Lima, Gil Comenaro, Otávio de Magalhães, Eduardo Oswaldo Cruz e Rocha (Medicina); Alírio de Matos, Francisco Gomes Maciel Pinheiro, Oscar D´Ultra e Silva (Física); Pereira Reis (Astronomia); Alcides Silva Jardim (Química); Theodomiro R. Pereira, Tasso da Oliveira, Armando Barros (Indústria); Maurício Gudin, Chicralla Haidar, Maria Chatalár Chaves e Oswaldo Magella Bijos (Ciências Humanas e Artes); Afonso de Taunay, Pedro Calmon e Paschoal Leme (História); Cândido Portinari, Oscar Niemayer, Santa Rosa, Henrique Oswald e Carlos Cavalcanti (Artes Plásticas); Vera Brabinoka e Pierre Michailowsky (Dança); Heitor Villa-Lobos (Música); Lúcia Miguel Pereira e Pedro Calmon (Literatura)10. 

O Instituto era ponto de visitação de professores e estudantes, principalmente de escolas públicas, através do curso de férias do Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos (INEP), dirigido por Lourenço Filho. Visitantes estrangeiros ilustres como Orson Welles, Walt Disney, John Ford e Nelson Rockfeller, que vieram ao Brasil em 1942, também foram ao INCE conhecer o único órgão oficial do governo brasileiro voltado ao cinema [11].

Em 23 de dezembro de 1936, por ocasião da Conferência Interamericana de Consolidação da Paz, foi assinado um intercâmbio entre países estrangeiros, no intuito de facilitar a exportação dos filmes pelos países produtores, com isenção de taxas alfandegárias e impostos, desde que os assuntos dos filmes fossem considerados educativos ou de propaganda. Os países que assinaram foram: Argentina, Brasil, Paraguai, Honduras, Costa Rica, México, Peru, Estados Unidos da América, Chile, Equador, Haiti, Cuba, Venezuela, São Salvador, Uruguai, Guatemala, Colômbia, Bolívia, República Dominicana e Nicarágua [12].

A exibição dos filmes do INCE pelo mundo afora era muito representativa. Poucos países tinham produção tão densa. Foram enviados filmes para Veneza, Chile, Uruguai, França, Japão, Estados Unidos, Dinamarca, Colômbia, Portugal, Suíça, Paraguai, Argentina e países da Europa e Ásia [13]. 

A maioria dos filmes enviados aos países estrangeiros era científica, mostrando a importância do assunto na ocasião. Os assuntos provocaram grande repercussão na academia científica internacional e permitiram que, mesmo após a saída de Roquette do INCE, em 1948, pudesse assumir a vice-presidência do Instituto de Cinematografia Científica de Paris. É válido notar, ainda, que dos filmes apresentados, também foram enviados títulos adquiridos e adaptados pelo INCE como: Rumo ao campo, A Balata, Fauna Amazônica, A Borracha. Em 1938, o Brasil participou do Festival de Veneza, estreando nos festivais cinematográficos internacionais (Schvarzman, 2004). 

Schvarzman (2004, p. 303) dividiu a história do INCE em duas fases. A primeira é referente aos 10 primeiros anos, quando Roquette-Pinto foi seu diretor. De acordo com a autora, os filmes produzidos nessa época correspondiam ao objetivo de reinventar o Brasil, “mostrando a natureza exuberante e o homem primitivo como marcas de nossa nacionalidade, descobertas científicas, biografias de heróis da nação, riquezas da natureza, da cultura e ensinamentos técnicos”. Essa época é creditada ao que chamou de Brasil “extraordinário”, caracterizada pela “harmonização dos conflitos e unificação da identidade nacional, numa história povoada de heróis sábios, onde a nação emerge como expressão viva e extensão da natureza”. Nesses 10 primeiros anos, Humberto Mauro produziu cerca de 240 filmes [14]. 

A segunda fase, a partir de 1947, inicia-se logo após a aposentadoria de Roquette-Pinto, tendo Pedro Gouvêa como diretor até 1961 e Flávio Tambellini, de 1961 a 1966 – ano em que o órgão é transformado em Instituto Nacional de Cinema (INC). Segundo Schvarzman (2004), Paschoal Leme ficou responsável pela elaboração dos roteiros dos filmes [15]. Nos filmes dessa segunda etapa, os assuntos científicos foram menos abordados e a ênfase girou em torno da educação rural, da música e da regionalidade. A pesquisadora refere-se a esse tempo como Brasil “ordinário”, em que Mauro leva seu olhar não só a um Brasil, mas aos muitos “Brasis” existentes. No entanto, o número de filmes produzidos começou a diminuir. Em 20 anos, o cineasta realizou mais 114 documentários, ou seja, muito menos que na primeira etapa. Franco (1987) justifica que o INCE foi esvaziando suas características iniciais, perdendo sua razão de ser, e comportando-se como verdadeira repartição pública.

A partir dos depoimentos orais colhidos para a pesquisa ora apresentada, foi constatada uma terceira fase, a partir de 1961, quando Flávio Tambellini assumiu a direção do Instituto, abrindo as portas do setor para que uma nova geração de cineastas pudesse realizar filmes. Com a chegada de Tambellini, iniciou-se a transformação do órgão, que, em 1966, tornou-se Instituto Nacional de Cinema (INC), voltado à produção industrial. Schvarzman (2004) atribui ao terceiro diretor a responsabilidade de remover o caráter educativo do INCE. Mas, conforme depoimentos orais, no INC foi criado o Departamento de Filme Educativo (DFE), que continuou as atividades do INCE e, depois, com a junção à Embrafilme, foi criado o Departamento de Filme Cultural (DFC), com as mesmas finalidades. A pesquisadora não destaca a atuação desses departamentos como continuidades do Instituto [16]. Cineastas e profissionais que trabalharam no DFE e DFC enxergam-nos como continuação. 

O cineasta Jurandyr Noronha, ao rememorar a história do INCE, diz que o órgão produziu muito mais filmes quando Flávio Tambellini assumiu como diretor. Na verdade, a abertura em possibilitar que outros cineastas participassem das produções, passou esta impressão, já que antes o órgão era muito fechado. Se for comparado temporalmente o ano de 1961, com a chegada do novo diretor, até 1966, quando o órgão foi transformando em INC, verifica-se uma produção de 53 filmes. Nos seis anos anteriores, entre 1955 e 1961, foram produzidos 39. O que se pode notar com clareza é uma forte queda na produção de Humberto Mauro. O cineasta entre 1962 e 1964 produziu apenas um documentário – A Velha a Fiar (1964). 

Não existem informações sobre o porquê de Humberto não ter produzido neste período. Mas se levarmos em consideração o apreço que tinha pelo órgão, talvez estivesse insatisfeito com os rumos que o INCE vinha tomando e com a efetiva participação de outras pessoas na produção dos documentários. Essas idéias convergem com os depoimentos orais analisados. Os depoentes declararam que as possibilidades de filmar aumentaram com a entrada de Tambellini, porque antes tudo ficava centralizado nas mãos do cineasta. 

Os filmes realizados pelo INCE durante a gestão de Roquette-Pinto foram fortemente marcados pelos seus pensamentos progressistas, já que era conhecedor profundo das teorias científicas (medicina, fisiologia, antropologia e etnografia). As descobertas científicas foram exploradas como forma de emergir um novo homem (SCHVARZMAN, 2004). Se os brasileiros desconheciam a cultura em geral, em especial, sua própria cultura, os filmes traduziam esse ideário através de uma mentalidade saneadora, de descobertas científicas e outros conhecimentos práticos que se julgavam necessários à formação intelectual. Roquette acreditava que a educação é o único motor para a transformação dos homens. 

Na listagem de filmes disponíveis, os assuntos dessa primeira fase são múltiplos e amplos. Títulos como: Músculos Superficiais do Corpo Humano, O Telégrafo no Brasil, Dia da Bandeira, Barômetros, Academia Brasileira de Letras, Jogos e Danças Regionais, Céu do Brasil no Rio de Janeiro, Magnetismo, Peixes do Rio de Janeiro, Orquídeas, Victória Régia, Outono, A Moeda, Veneza, Milão, Aranhas, Cidades Históricas de São Paulo, Cerâmica de Marajó, O Puraquê, Lagoa Santa, Bandeirantes, O Cristal, Criação de Rãs, entre outros, fazia-se por entender o papel do INCE como instrumento de divulgação da cultura nacional e motor dessa transformação da sociedade, profetizada por Roquette. 

A recorrência desses temas procurava ressaltar a contribuição dos cientistas, a variedade das espécies de fauna e flora, os grandes heróis da nação, as soluções técnicas. Através do INCE, o Ministério da Educação e Saúde afirmava o quanto era moderno. As atividades do órgão eram divulgadas na Hora do Brasil e em publicações destinadas a professores. A estrutura fílmica era quase sempre a mesma: introdução, desenvolvimento e conclusão, com uma narração didática, de cunho histórico, ilustrada com mapas, bustos, retratos e monumentos, editados com música clássica e folclórica. A locução dos primeiros filmes foi realizada pelo próprio Roquette. Os roteiros apresentam um país harmonioso. A história era inquestionável e a ciência estava aliada ao civismo (op.cit).
Analisando os filmes realizados nesses 11 anos iniciais, observa-se que os assuntos não são convergentes ao currículo escolar da época. Servem ao aprendizado, à pesquisa e a um público mais abrangente, já que não eram somente destinados às escolas, mas, também, às salas de cinema, agremiações e instituições culturais. 

O número de filmes produzidos nesse período foi alto: 252. Franco (1987) compara o INCE ao que se pode chamar de “Ilha da Fantasia”. Enquanto a produção cinematográfica no Brasil dos anos 1930 e 40 era insipiente, o órgão produzia cerca de 30 filmes por ano, com recursos próprios, o que o fez, naturalmente, alcançar certo prestígio no Ministério e no Governo. Pode-se afirmar que o período roquetteano foi o auge do Instituto, que, de certa maneira, por meio de sua influência e círculo de amizades, procurou contornar as dificuldades existentes. 

Até 1947, de acordo com Catálogo do Livro de Tombo, já haviam sido adquiridos 354 filmes. Os assuntos têm correlação direta com o que foi produzido pelo INCE. Alguns títulos chegam a ser idênticos, como: Abastecimento D´água no Rio de Janeiro, Jardim Zoológico do Rio de Janeiro, Peixes etc. O que se pode observar é que muitos temas foram, inclusive, reaproveitados por Humberto Mauro, sendo refilmados ou aperfeiçoados [17].

Com a saída de Roquette, a partir de 1947, Humberto Mauro teve mais autonomia para dirigir os filmes e escolher temas. O INCE passou a ser dirigido pelo médico Pedro Gouvêa e parte dos roteiros passou, então, a ser elaborada pelo educador Paschoal Leme. Essa autonomia atribuída a Mauro não significa que Roquette o impedisse de explorar sua criatividade, mas porque o antropólogo elaborava os roteiros e influenciava na escolha de temas a serem filmados, principalmente àqueles ligados à ciência, devido ao seu profundo conhecimento na área.

Humberto Mauro executou várias funções no INCE, além de dirigir os filmes. Foi montador, fotógrafo, diretor de arte, transformador e, também, roteirista e, de certa forma, educador, já que decidiu vários assuntos a serem produzidos. Nesta etapa, foi dada ênfase à musicalidade, resgatando a música folclórica brasileira. São deste período filmes como Aboios e Cantigas, Canções Populares, Cantos de Trabalho, João de Barro, da Série Brasilianas. Os filmes científicos praticamente desaparecem da filmografia. É esse olhar interior de Mauro que mobilizou os jovens do Cinema Novo. 

A partir de 1950, o Instituto começou a perder força no cenário educativo e no próprio governo. Vários foram os motivos. Os próprios substitutos de Roquette não tinham o seu prestígio. Sem contar, ainda, que o educador Paschoal Leme, responsável pelos roteiros dos filmes, não acreditava no cinema como recurso didático. Isso pode ter influenciado a queda na produção de filmes sobre determinados assuntos.

Após a Segunda Guerra, o enfoque econômico tornou-se primordial e a ênfase sobre a importância do uso do cinema na educação foi perdendo espaço para outros meios de comunicação de massa, em especial a televisão. Em 1953, o Ministério da Educação e Saúde foi desmembrado. Surgiu o Ministério da Saúde (MS) e o Ministério da Educação e Cultura (MEC). Com o fim do Estado Novo e a saída de Capanema do Ministério da Educação, uma nova constituição de cunho liberal-democrático consubstanciou-se. Assumiu o Ministério Clemente Mariani, que criou uma comissão para elaborar um projeto de reforma educacional. Após muitas discussões, em 1961, foi possível aprovar a primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira. 

Getúlio Vargas, em seu segundo mandato, não tinha mais o mesmo interesse pelo cinema educativo. As tentativas de instaurar grandes estúdios cinematográficos para produção de filmes ficcionais, como a Cia Vera Cruz (1949-1954), por exemplo, haviam fracassado devido à competição com a indústria norte-americana, dificultando o avanço do cinema brasileiro (ANTONACCI, 1993. GOMES, 1974). Vargas convidou, então, o cineasta Alberto Cavalcanti, ex-produtor geral da Cia Vera Cruz, para montar o projeto do Instituto Nacional de Cinema, voltado ao cinema comercial. Nos anos 1950, a produção de filmes nacionais era, ainda, muito pequena. O projeto do INC deu entrada no Ministério em 1952 e somente em 1966 foi aprovado (SIMIS, 1996). 

Em seis de dezembro de 1947, após a saída de Roquette-Pinto, Pedro Gouvêa apresentou relatório destacando as principais atividades realizadas pelo INCE nos 10 anos anteriores à sua gestão. Conforme documentação apresentada, a filmoteca do INCE nessa data possuía cerca de 700 títulos [18], eram atendidas cerca de 800 escolas anualmente, 200 instituições de cultura e realizadas 2.500 projeções ao ano. A biblioteca contava com mais de duas mil consultas anuais e 20 mil metros de filmes haviam sido distribuídos no estrangeiro, através do intercâmbio cultural [19]. 

Na documentação, Gouvêa fez questão de enfatizar a participação e importância do INCE para diversas instituições nacionais e ministérios governamentais, como o Ministério da Guerra, da Agricultura, do Trabalho, das Relações Exteriores, etc. Em 1946, o Instituto havia enviado ao Festival de Cannes seis filmes: Cristal Oscilador, Coração Físico de Ostwald, O Puraquê, Convulsoterapia Elétrica, Movimentos Protoplasmáticos da Célula Vegetal e Epilepsia Experimental na Rã (estudo do Professor Miguel Osório de Almeida)[20]. 

No documento, foi sugerida a ampliação de estudos e pesquisas para filmes didáticos propriamente ditos, assistência gratuita às pesquisas de cientistas e técnicos brasileiros pela documentação cinematográfica, colaboração ao Departamento Nacional de Educação e da Criança, campanhas de educação de adultos e assistência à maternidade e à infância, intensificação do intercâmbio com nações estrangeiras, além de planos para aprovação de dois projetos em curso sobre revenda de projetores a instituições de ensino e cultura. Ao destacar a expressão “filmes didáticos propriamente ditos”, o diretor já apontava a escassez de assuntos diretamente ligados ao currículo escolar, assumindo o viés cultural do órgão. 

Como Humberto Mauro concebia a educação tal qual Roquette-Pinto, os filmes do segundo INCE também não tinham, claramente, correlação direta com o currículo educacional da época, mas sim, com a cultura letrada, e à sua própria cultura, que via na música e nas artes a evolução da sociedade. Daí provinha a sua predileção por temas folclóricos, rurais, e paisagens campestres [21]. 

O cinema, assim, era visto como atividade extraescolar que influía antes, durante e depois da escola. Não deveria substituir a educação, já que no Brasil nem todos tinham o privilégio de estudar e os índices de analfabetismo eram muito significativos. Devia complementá-la, sendo visto como produto de cultura, de instrução e apreensão da realidade.   
Entre 1948 e 1960, na gestão de Pedro Gouvêa, o INCE produziu 101 filmes e comprou outros 156. Comparativamente, o tempo da fase anterior é semelhante: cerca de 11 anos. No entanto, a produção caiu em mais de 50%, não chegando a 10 filmes por ano. A compra de filmes também diminuiu. Essa questão aguça queda no planejamento orçamentário do órgão. 

Há que se destacar, contudo, que além das questões políticas e problemas orçamentários, na década de 1950, chegou ao Brasil a Televisão, que alterou profundamente o quadro da comunicação no país. Com a sua introdução nos lares em fins da década de 1950/60, a generalização dos meios de comunicação de massa (rádio, cinema, TV) na sociedade fez com que fossem percebidos como elementos integrantes da realidade. 

A partir de 1961, Flávio Tambellini assumiu o INCE. Schvarzman (2004) atribui ao diretor o fim do Instituto, removendo seu caráter educativo ao preparar a criação do Instituto Nacional de Cinema (INC), em 1966. De acordo com a pesquisadora, a nova Instituição abandonou a realização de filmes educativos, já que o equipamento existente, em preto e branco, foi considerado obsoleto, sendo abandonado em depósitos. Na pouca documentação existente e nos depoimentos orais obtidos, verifica-se que a produção de filmes educativos não foi abandonada, apenas modernizada, fato esperado, afinal, com a chegada da TV, que modificou profundamente o quadro da comunicação na sociedade. 

Nos seis anos em que Tambellini esteve no INCE, até ser transformado em INC, foram produzidos 53 filmes e adquiridos outros 68. Destes, Mauro só realizou dois. Os títulos apresentados no Catálogo de Souza (1990) apontam que o estilo fílmico permanecia com a mesma estrutura e concepção educacional. São dessa época: Lições de Química I, II, III; O Trabalho no Campo; H20; Brasília – Planejamento Urbano; A Medida do Tempo II; Uma Alegria Selvagem; Aspectos da Segunda Guerra Mundial; Alfabeto Animado; entre outros. 

Ao analisar os temas produzidos, percebe-se, inclusive, maior entrelaçamento entre o INCE e o currículo escolar nesta terceira fase, uma vez que, com a entrada da Tambellini, houve uma diferenciação entre o conceito de cultura e educação atribuído por Roquette-Pinto e fielmente seguido por Pedro Gouvêa [22]. De acordo com Mendes (1965), a entrada de Tambellini deu novo impulso ao órgão, profissionalizando-o e aumentando sua atividade interna, contribuindo para que os realizadores brasileiros também produzissem filmes. A filmoteca foi renovada, houve melhor distribuição de assuntos, estímulo à produção do filme em cores e do desenho animado, bem como compra de equipamentos modernos. Os assuntos, segundo a autora, começaram a ser bem mais assimilados pelas crianças. 

 

Mendes (1965) revela, ainda, que a filmoteca constava com cerca de 1000 títulos, entre produzidos e comprados. Esses números coincidem com os números apresentados no Livro de Tombo [23]. Foram listados 407 filmes por Souza (1990) e adquiridos outros 578. Aquisições estrangeiras como Office National du Film Canadien, Films Associates of Califórnia e ofertas de filmes feitas pela ONU e UNESCO faziam parte desse acervo. 

Aproximadamente 1200 escolas e instituições culturais utilizavam-nos. Não eram somente brasileiras, mas também da América Latina, como a Universidade de Córdoba (Argentina) e a Universidade Nacional do Uruguai. Os empréstimos dos filmes se limitavam a quatro películas por programa, durante cinco dias no Estado da Guanabara (Rio de Janeiro) e oito dias para outros Estados (op.cit.).

Ao abrir suas portas para a nova geração realizar filmes, o INCE foi de grande importância ao primeiro Curso de Cinema da Universidade de Brasília, emprestando parte do material para realização dos trabalhos práticos dos alunos. As produções privadas começaram a solicitar ajuda financeira, e desde que seus filmes tivessem um viés educativo, seriam autorizados. O Circo, de Arnaldo Jabor, foi uma das primeiras experiências feitas no Brasil com o equipamento do INCE. Nelson Pereira dos Santos filmou Rio 40 Graus também com a aparelhagem emprestada do Instituto.

Em 22 de dezembro de 1960, foi criada, no INCE, a Escola Nacional de Cinema, pelo Decreto 49.575. Também ficou a cargo do Instituto, a Campanha Nacional de Cinema (Decreto 51.239, de 23 de agosto de 1961), que tinha por objetivo promover o desenvolvimento do cinema educativo por meio da organização e execução de planos de produção, ajuda técnica e financeira, além da realização de empreendimentos assistenciais. 

O emprego simultâneo de várias equipes no trabalho renovou o INCE, dotado de um novo espírito, influenciando, principalmente, o movimento do cinema documentário no Brasil. Humberto Mauro se aposentou em 1964. Entre 1961 e 1964, realizou apenas dois filmes no INCE. Nessa época, tornou-se referência para os jovens do Cinema Novo pela qualidade estética e poética do seu trabalho. 

2.1 Dificuldades e Contradições – Fim ou renovação?

Apesar de o ideário do INCE fosse levar uma imagem moderna do Brasil, na realidade, o país tinha muitos obstáculos a enfrentar, o que gerou uma série de dificuldades e contradições para a efetivação dos resultados que se esperava do órgão. Com todo prestígio que gozava no Ministério da Educação e Saúde Pública nos primeiros anos de funcionamento, e mesmo prolongando sua existência por 30 anos, muitos foram os problemas de comunicação, investimento, diferenciação cultural e regional, falta de recursos econômicos e humanos, além de dúvidas sobre a eficácia do cinema na educação. 

Segundo documentos do Arquivo Gustavo Capanema, as Secretarias de Ensino não respondiam aos questionários sobre as condições e quantidade de equipamento cinematográfico disponível, o que impossibilita analisar com precisão os resultados e impactos do INCE na época, principalmente no meio escolar. Além disso, as instituições de ensino, na sua maior parte, não possuíam recursos para investir na compra de um projetor. 
Muitas eram, também, as dificuldades marcadas pela escassez e alto custo do filme virgem importado, que cerceava a atividade dos realizadores e, principalmente, das escolas, uma vez que as instituições precisavam comprar o filme virgem para ser feita cópia do tema interessado. Mauro Domingues, em depoimento oral, conta que Zequinha Mauro dizia que, por conta disso, faltavam cópias às escolas. Essa informação demonstra que as instituições escolares podiam até não responder aos questionários, mas tinham interesse em utilizar os filmes. É difícil saber, portanto, a quantidade e a localização desse material. Schvarzman (2004) acredita que possam existir algumas películas perdidas ou esquecidas em algumas instituições de ensino. Das 32 escolas pesquisadas para o trabalho que originou este artigo, além do Centro Arquivístico das Escolas Públicas do Rio de Janeiro e do Centro de Referência das Escolas Públicas, nada foi encontrado.

Em 1938, de acordo com dados do arquivo Roquette-Pinto, existiam 1391 projetores nas escolas, sendo 384 no Distrito Federal (Rio de Janeiro), 354 em São Paulo e 259 em Minas Gerais. No Amazonas, apenas cinco, e no Sergipe, um. Isso comprova que a região sudeste era privilegiada enquanto os estados do norte e nordeste tinham pouco acesso ao que o INCE produzia.

Em 1941, em outro relatório enviado por Roquette a Gustavo Capanema, 90 escolas do Estado do Rio de Janeiro procuraram o INCE para solicitar cópias. Nesse mesmo ano, foram realizadas 343 projeções em seu auditório. Isso quer dizer que, em um dia, eram exibidos mais de um filme ou havia várias sessões – indício de que as escolas estavam desaparelhadas, comprometendo a eficácia do cinema escolar. A cidade do Rio de Janeiro, nessa época, possuía cerca de 125 escolas [24]. 

Um dos poucos registros, de 1944, oito anos após a criação do Instituto, elenca 232 escolas nacionais registradas, tendo sido realizadas 7195 projeções e emprestados 324 projetores (RIBEIRO, 1944, p. 17). No entanto, as atividades concentravam-se, sobretudo, na cidade do Rio de Janeiro, onde se localizava mais da metade das escolas contempladas (131), permitindo-se afirmar que a localização e a distribuição também eram problemáticas e deficitárias [25]. 

Em 1947, no relatório organizado por Pedro Gouvêa, os números são bem maiores. Não obstante, foram apresentados de forma dispersa: 800 escolas atendidas anualmente, 200 institutos de cultura, 2500 projeções por ano, duas mil consultas anuais na biblioteca. Se esses números eram uma estimativa ou apresentavam a realidade não há como comprovar. Caso essas escolas fossem permanentemente atendidas, significaria que o filme como recurso didático, era, pelo menos, bastante utilizado. De qualquer maneira, ter o projetor na escola não significa que o filme, ainda assim, fosse visto. Atualmente, mesmo com os modernos recursos de TV e DVD, muitas instituições de ensino não utilizam-nos. Isso mostra que o interesse do professorado sobre cinema, desde aquela época, não parecia ser dos mais entusiasmados. 

Em 1943/44, Humberto Mauro realizou diversas palestras radiofônicas semanais na Rádio Ministério da Educação – antiga PRA-2 – para divulgar as atividades do INCE, que foram editadas pela Revista Scena Muda. Cerca de 20 anos mais tarde, entretanto, o cineasta admitiu que muitas das cartas dos ouvintes sobre cinema foram escritas por ele mesmo, já que nunca chegava nada. Isso demonstra o desinteresse do público pelo órgão. 

A desmotivação do professorado na utilização do cinema como recurso didático ou a desconfiança quanto ao seu uso persistiram ao longo dos anos. O que se pode depreender, ainda, é que o interesse pelo filme provinha das classes de cineastas, políticos, artistas e intelectuais. A educação parecia ter outras prioridades. 

Em nova palestra, concedida em 3 de janeiro de 1944, Mauro comenta que um prefeito amigo seu, da cidade de Volta Grande (MG), procurou saber como as escolas de seu município poderiam conseguir filmes educativos. O cineasta explica que tendo um projetor, seria muito fácil, afinal, o Brasil era um dos poucos países do mundo que fornecia gratuitamente às escolas programas de filmes educativos de assuntos nacionais variados. 

Segundo Mauro, a escola deveria providenciar o filme virgem e o INCE realizaria a cópia gratuitamente. Ele também defende a idéia lançada por Roquette-Pinto, quando da inauguração do novo prédio do MES, de que o Ministério deveria fornecer aos estabelecimentos de ensino, mediante pagamento parcelado, material como o projetor sonoro, que era muito caro. Apesar disso nunca ter sido concretizado, parece, ainda, que a cidade de Volta Grande não comprou projetor para a escola ou não utilizou os filmes educativos com freqüência, o que é de se espantar, já que o cineasta filmava muito na região mineira. O professor Victor José Ferreira [26], que estudou de 1950 a 1954, em Volta Grande, no Grupo Escolar Capitão Godoy – única escola da cidade na ocasião – não se recorda de ter visto filmes nesse período e nem mesmo no tempo ginasial, cursado em Além Paraíba (MG), outra cidade vizinha. Apenas na cidade de Cataguases, o Colégio Interno realizou diversas exibições aos alunos, conforme entrevista concedida para esta pesquisa. 

Nos 10 primeiros anos de funcionamento, houve divulgação razoável sobre o INCE na imprensa. Artigos das Revistas Cinearte (27), Scena Muda e do suplemento literário Ciência para Todos (CpT), do Correio da Manhã, versaram sobre a eficácia do cinema educativo. O caderno especializado CpT publicou de 1948 a 1953 a coluna Cinema e Educação com destaque aos filmes científicos, em especial aqueles produzidos pelo INCE. A seção apontava características semelhantes às das demais revistas, destacando as possibilidades do uso dos filmes, dicas sobre quais poderiam ser utilizados pelos professores, além de apresentar artigos sobre os que seriam exibidos no auditório da Associação Brasileira de Imprensa (ABI). 

Após esse período, não existem registros sobre o órgão na imprensa ou, se existem, ainda estão para serem descobertos. O estudioso e produtor de cinema, Dejean Pellegrin, em depoimento oral, afirma que quase ninguém sabia da existência do INCE. Segundo ele, pouquíssimas vezes eram publicadas pequenas notas nos jornais destacando a data de exibição de filmes no auditório do órgão. 

Outro problema detectado é que a maioria das pessoas que viveram nessa época, inclusive intelectuais estudiosos do Governo Vargas e mídia-educadores, sequer ouviram falar da existência do INCE, que foi o precursor do cinema educativo no Brasil e inseriu a imagem em movimento em sala de aula de forma oficializada. Para fins desta pesquisa, mantivemos contato com diversas pessoas que estudaram em vários colégios do Rio de Janeiro das décadas de 1940 a 1966 e ninguém, à exceção dos depoentes selecionados, recorda-se de ter visto filmes em sala de aula. 

Há que se destacar, ainda, as dúvidas existentes sobre a eficácia do cinema como recurso didático. As obras Cinema e Educação, de 1930, de Jonathas Serrano e Venâncio Filho; Cinema contra Cinema, de 1931, de Canuto Mendes de Almeida; O Cinema Sonoro e a Educação, de 1931, de Roberto Assumpção, argumentam sobre o receio que o mestre tinha sobre a utilização do filme. Nos anos de 1950-1970 não foram publicadas novas obras sobre cinema educativo. Parece que a euforia dos primeiros anos assentou-se e deixou de ter espaço privilegiado no setor intelectual e educacional. 

O próprio educador Paschoal Leme, responsável por maior parte dos roteiros educativos a partir de 1947, não acreditava no potencial do cinema no ensino. Para Leme, “a boa educação se dá na sala de aula, com professores bem preparados e remunerados, e alunos bem alimentados” (SCHVARZMAN, 2004, p. 108). Esse depoimento foi concedido em 1997 à pesquisadora Sheila Schvarzman. Portanto, 60 anos após a criação do INCE, Leme ainda pensava da mesma maneira. 

Paiva (1991) esclarece que Paschoal Leme foi o precursor de uma corrente de análise da educação que não se confunde com os nomes do movimento renovador. Ele era considerado um educador de esquerda. Acreditava que o ponto de partida para o desenvolvimento da educação estaria nas soluções dos problemas encontrados na base material. Leme publicou várias obras sobre os problemas da educação brasileira e nos últimos anos de vida, escreveu suas Memórias, divididas em cinco partes. No terceiro volume dedicou, inclusive, um perfil a Humberto Mauro, com quem trabalhou no INCE. Apesar de ter ficado 14 anos no Instituto, não escreveu nada sobre cinema educativo ou realizou reflexões sobre seu uso como recurso didático. Para Leme, a educação democrática só aconteceria numa sociedade democrática. 

O cineasta Jurandyr Noronha, que trabalhou no INCE na gestão de Pedro Gouvêa e conviveu com Paschoal Leme, teceu elogios à sua pessoa e muito se espantou com tal declaração feita pelo educador, uma vez que, para ele, o educador aceitava inteiramente os processos novos de som e imagem: “A impressão que tenho é o contrário. Ele não era assim tradicionalista não, de nenhuma maneira". 28 

Analisando a proposta do Governo Vargas de inserir a arte cinematográfica na educação escolar, percebe-se, ainda, que o Instituto não realizou planejamento de médio e longo prazo, como: 

1) Definir o número de filmes que seriam produzidos por mês/ano. No primeiro INCE foram produzidos 252 filmes; no segundo período 101; na terceira fase 53. O órgão funcionou de 1936 a 1966, produziu 407 filmes e adquiriu outros 578. Entre os produzidos, 72 eram mudos e utilizaram o recurso sonoro do vitaphone. Alguns eram silenciosos e a exibição era acompanhada de um folheto explicativo que continha um resumo do conteúdo a ser utilizado pelos professores em sala de aula, tal qual os diafilmes. Pelas dificuldades de aquisição e distribuição de filmes, fica claro que não havia um projeto orçamentário de custos para produção de forma organizada ou suficiente, pois, a cada ano, o número de filmes produzidos diminuía consideravelmente. De acordo com Mauro Domingues, em depoimento oral, a produção concentrada dos filmes na região de Volta Grande (MG) devia-se ao fato de que como os produtores não tinham orçamento suficiente para sua realização e como a família de Humberto Mauro morava em Minas, era mais barato ir para lá.
2) Delimitar e dividir os temas a serem explorados equilibrando-se, assim, os assuntos por disciplinas. Como explicar, por exemplo, a produção de 53 filmes de Medicina, 21 de História, 47 de Geografia, 8 de Literatura, 6 de Química, 17 de Física? Quais eram os critérios de produção? Quais eram os interesses nessa quantificação? Como não há documentação sobre controle, avaliação da produção, número de cópias e exibição, não há como rastrear o porquê desses parâmetros, apenas supor que não havia um planejamento educacional adequado.

3) Preparar os professores para apresentarem fitas pedagógicas aos alunos sem, necessariamente, entregarem roteiros e regras prontas. Para os organizadores da época, isso bastava. Essas idéias coincidem com as teorias da comunicação vigentes na época, que, até o final da Segunda Guerra, tinham como pressuposto que o receptor das mensagens (neste caso, o aluno) não possuía capacidade de discernimento, captando toda a carga emocional e ideológica da mensagem do emissor (MATTELART, 1999). Segundo Franco (2004), os filmes do INCE eram passados aos alunos como “encarnação de verdades científicas”, sem abrir espaços para interrogações, pensamento comum às teorias da época. Isso sugere que não havia, portanto, um manual de orientação pedagógica sobre os assuntos exibidos, tampouco formação docente ao uso. 

Outro apontamento sobre os problemas enfrentados pelo INCE deve-se à chegada da televisão na década de 1950. Franco (2004) faz uma ligação entre o fim do cinema educativo com a propagação da TV, que “derrubou frágeis barreiras e invadiu, definitivamente, as sessões de ‘ginástica dos sentimentos’ dos organismos mentais mais vulneráveis pela sua imaturidade”. Para a pesquisadora, a inserção do cinema nas décadas de 1930 e 40 foi “um recurso sofisticado demais para fazer parte de uma reforma educacional que precisava, antes de tudo, construir escolas e colocar alunos dentro delas”. (FRANCO, 1987, p. 32). Outra característica é que o índice de escolarização da época era de 21,43%, em 1940; 26,15%, em 1950 – o que acabou beneficiando apenas a elite escolarizada urbana, da capital do país. Afirma, ainda, que os filmes foram utilizados durante certo tempo – num fenômeno de moda passageira ou devido a pressões oficiais – e foram, logo depois, esquecidos nas prateleiras, juntamente aos projetores, não realizando transformações substantivas no processo de ensino e nem deixando marcas profundas nas formas educacionais de então. 

O INCE pode não ter realizado modificações profundas na educação, porque as mudanças não viriam, somente, com o uso do cinema por si só, já que projetar um filme como ilustração e utilizá-lo apropriando-se de seu conteúdo e linguagem são coisas completamente distintas. Percebe-se que seu uso era meramente ilustrativo – mais ou menos como o que encontramos hoje em sala de aula (PRETO, 2007). Mas conforme depoimentos orais, os filmes do INCE continuaram sendo utilizados no DFE e no DFC por um bom tempo e não foram esquecidos nas prateleiras, como supunha Franco (op.cit.). 

Para a pesquisadora, como o cinema educativo surgiu a partir da visão oficial do Estado, foi decisivo para que diversas gerações de educadores deixassem de adotá-lo como um recurso pedagógico, uma vez que houve uma generalização de que era uma “coisa chata” (op. cit., p.46, p. 28). Por isso, o cinema só fora incorporado ao universo escolar devido a uma imposição vinda do alto. 

Sua análise vai ao encontro, de certa forma, do pensamento de Paschoal Leme, que acreditava, primeiramente, na reforma sócio-econômica da sociedade para depois se investir no cinema como recurso didático. Depoentes afirmam, no entanto, que não havia imposições do governo para que os filmes educativos fossem utilizados. As instituições utilizavam-nos voluntariamente.

Jurandyr Noronha, em depoimento oral, destacou que o interesse das pessoas sobre a imagem em movimento estava voltado à novidade da arte cinematográfica e não enquanto produto de educação e conhecimento. No entanto, o cineasta acredita que os filmes eram didaticamente enriquecedores. 
Devido às dificuldades encontradas pelo Instituto ao longo dos anos e à necessidade do Estado em investir na produção cinematográfica industrial, em 1966, o INCE foi transformado em Instituto Nacional de Cinema (INC), estabelecido através do Decreto-Lei 43, Artigo 31, época em que foi criado o Departamento de Filme Educativo (DFE), que absorveu as atividades do órgão. Mauro Domingues, em depoimento oral, expõe que o DFE e, posteriormente, o DFC, não tinham uma concepção plena e identidade educativa clara, como a do seu antecessor. Mas Fernando Ferreira, que assumiu a direção do DFC em 1976, vê o Departamento, claramente, como continuidade do que vinha sendo feito. Na verdade, o próprio INCE não tinha uma identidade educativa clara, por não ter ligação direta com o currículo escolar. 

Nos seus 10 anos de existência, entre 1966 e 1976, o DFE apresentou algumas modificações. Foi instituída a compra de direitos de contratipagem para produções independentes, com cerca de 20 filmes por ano, o que dava ao INC o direito à distribuição de várias cópias no circuito não comercial de escolas e demais entidades. Mas as escolas, ainda assim, eram prioridades, segundo Ana Pessoa, Fernando Ferreira e Marialva Monteiro. 

Em 1969, foi criada a Empresa Brasileira de Filmes S/A (Embrafilme), responsável pela distribuição e promoção de filmes brasileiros no exterior, além de realização de mostras e festivais. Em 8 de fevereiro de 1976, houve a fusão do INC com a Embrafilme. O DFE transformou-se em Departamento de Filme Cultural (DFC), subordinado à Diretoria de Operações Não Comerciais (DONAC).

De acordo com Marialva Monteiro, professora do Cineduc, que atuou no DFC a partir de 1976, mesmo após 20 anos do término de funcionamento do INCE, os filmes produzidos permaneciam sendo usados. A Embrafilme doou para vários estados um acervo de filmes 16 mm, formando filmotecas regionais em universidades, centros culturais, etc. A educadora, então, começou a viajar pelos estados brasileiros para formar animadores culturais nesses locais, levando-lhes técnicas e alguns elementos que os ajudassem a utilizar os filmes recebidos. 

No Rio de Janeiro, o DFC atendia escolas e ensinava a programar filmes ligados a temas curriculares, produzindo catálogo pedagógico com 110 títulos. Faziam parte dessa listagem, todos os filmes da série Brasilianas, bem como: A Velha a Fiar, O Descobrimento do Brasil, Uma Alegria Selvagem, Higiene Rural – Fossa Seca, O Café, Cidade do Rio de Janeiro. Segundo Marialva, os empréstimos também eram gratuitos, conforme no INCE. 

De acordo com a educadora, em 1978, o DFC possuía um total de 721 títulos, tendo, às vezes, até cinco cópias de cada um. De janeiro a maio de 1978, o número de atendimentos foi de 980, com 2.257 cópias emprestadas (29). 

Em 1990, A Embrafilme foi extinta pelo Governo Collor. Em 1988, seu acervo cultural, composto pelo INCE e INC, foi transferido para a Fundação do Cinema Brasileiro (FCB), órgão do Ministério da Cultura. A FCB foi absorvida pelo Instituto Brasileiro de Arte e Cultura (IBAC), criado em 1990, que mudou sua razão social para Fundação Nacional de Arte (FUNARTE), em 1994. A FUNARTE representa a cultura brasileira no Brasil e no exterior. Atualmente, abrange as áreas artísticas da dança, música, teatro e artes visuais. É provável que a documentação oficial e burocrática do INCE tenha se perdido em algum momento mediante a tantas mudanças ocorridas. 

3.O INCE “contado” – o viés dos entrevistados e a História Oral


O cruzamento feito entre a documentação oficial e os relatos orais possibilitou alcançar uma visão geral das concepções dos entrevistados sobre o uso do filme em sala de aula na época estudada e sua correlação com a formação de uma cultura áudio-imagética escolar, que perdura até os dias atuais30. 

Os resultados mostram que a concepção de professores e alunos sobre o uso do filme educativo era completamente diferente da dos demais entrevistados, que conheciam o INCE, Humberto Mauro e o próprio universo de produção cinematográfica. 

Entre as idéias convergentes, destaca-se a utilização do recurso fílmico no ginásio e ensino médio. No primário, somente um depoente tem memórias de filmes. A constatação vai ao encontro de um aspecto central disposto em quase todas as entrevistas, à exceção de uma depoente, que cursou formação de professores no Instituto de Educação: os filmes, em sua maioria, não tinham entrelaçamento direto com o currículo escolar. Serviam mais como ilustração da realidade brasileira, em detrimento dos conteúdos curriculares, planejados pela Secretaria de Educação. 

Foram utilizados em disciplinas de ciências sociais e humanas. Matérias como Matemática, Química e Física parecem ter ficado preteridas, pelo menos no grupo pesquisado para este trabalho. A literatura existente sobre o INCE e o depoimento de Geraldo Vieira, professor do Colégio Pedro II, que utilizou filmes e diafilmes do INCE e DFE, confirmam a produção de material educacional para diversas disciplinas. Mas o próprio Decreto 2940, que instituía o uso do cinema nas escolas do município do Rio de Janeiro, em seus artigos 633 a 635, registrava que o filme deveria ser utilizado, sobretudo, para o ensino científico, geográfico, histórico e artístico. Essas idéias também foram exploradas nos três livros sobre cinema educativo publicados na década de 1930.

Somente um dos entrevistados do meio educacional, que estudou e, posteriormente, trabalhou no Instituto de Educação, afirma que os assuntos trabalhados em aula estavam diretamente articulados com o conteúdo pedagógico. Mas os títulos utilizados na instituição e citados na sua entrevista não foram produzidos pelo INCE, mas faziam parte de sua filmoteca (adquiridos). Assuntos didáticos, em especial sobre Puericultura, muito trabalhados na instituição, foram comprados. Há de se levar em conta, ainda, que o Instituto de Educação naquela época, tinha uma prática diferenciada das demais escolas da rede e, por isso, é plausível pensar que, de uma maneira geral, a utilização de filmes não tinha relação com o conteúdo curricular.

Outra informação relevante diz respeito aos professores. A iniciativa para utilizar o recurso fílmico era isolada no universo escolar. Partia de mestres considerados modernos e inovadores, motivados a enriquecer a aula, tirando o educando da mesmice. 

Os assuntos trabalhados serviam como fixação ou exemplificação ao tema da aula e abordavam a realidade brasileira, sob os mais diferentes enfoques. A utilização do cinema como ilustração é para mostrar o que foi falado em aula na expectativa de que o aluno apreenda elementos e outros fatores para compor um cenário à abordagem pretendida, fazendo-o concretizar imagens para os fatos envolvidos no tema tratado (PRETO, 2007). Essa utilização não promove reflexões sobre o conteúdo explorado. Serve, apenas, como exemplo. Isso sugere uma dificuldade na realização de um trabalho crítico e impulsionador de debates temáticos e pesquisas em sala de aula. Os resultados condizem não só com as teorias da comunicação vigentes até a década de 1980 sobre receptores passivos, mas, principalmente, com a ideologia roquetteana e, de certa maneira, do INCE, em acreditar que seria possível moldar a mente dos educandos através da educação. 

Os intelectuais do movimento renovador depositaram nos meios de comunicação o papel de intervirem no campo educacional como transmissores da modernidade. A educação ficou superdimensionada, uma vez que se acreditava na reforma da sociedade através da reforma do ensino. No entanto, hoje, a tendência mais forte opta pela compreensão de que não é o recurso que vai promover essa transformação, mas seu uso apropriado. Para que o filme não fosse utilizado apenas como recurso ilustrativo, seria necessário direcionar o aluno a refletir sobre as informações prestadas e não enxergar a imagem como um recurso educador ou exemplificador por si só. 

Ao mesmo tempo, a ilustração permitiu ao aluno vivenciar realidades distantes, conhecer culturas diferentes e adquirir novas experiências, possibilitando compará-las, já que a imagem em movimento era novidade e a TV ainda não havia consolidado seu papel na sociedade como o meio de comunicação existente mais acessível. Por isso, os depoentes afirmam que os filmes e diafilmes enriqueciam a aula do professor com novos conhecimentos e promoviam uma atividade completamente diferente da dos demais mestres, que atuavam, unicamente, com o método tradicional de ensino. 

Mas o que se pôde verificar, sobretudo, é que o filme motivou o aluno muito mais pela novidade da imagem em movimento. O interesse pelo cinema educativo parece ter sido da classe intelectual. A educação tinha outras prioridades. Por isso, seu uso partia de docentes inovadores e não havia qualquer formação voltada ao professor para o uso audiovisual. 

O ponto comum central encontrado nos depoimentos de alunos e professores voltou-se à dificuldade para se ter o projetor na escola e seu difícil manuseio, quando existente, que exigia manutenção técnica adequada e aprimorada. As projeções tornavam-se trabalhosas para os mestres. Por conta disso, muitos deles optaram em trabalhar com os diafilmes e slides oferecidos pelo Instituto, a partir da década de 1950, cuja aparelhagem era de fácil aquisição e locomoção.

A documentação existente sobre o INCE já apontava as dificuldades financeiras enfrentadas pelo órgão. O projetor de 16 mm era muito caro e as escolas não podiam comprá-lo. A versão que atualiza esta questão é mostrar que, talvez, o alcance do INCE tenha sido ainda bem menor do que, na verdade, se propunha. Mesmo a região sudeste, que ficou privilegiada por conta da proximidade com a sede do órgão, parece ter priorizado, a partir da segunda metade do século XX, o uso de diafilmes e slides. E apesar dos depoentes afirmarem que os filmes eram muito procurados, a busca metodológica deste trabalho em encontrar instituições, professores e alunos que vivenciaram as exibições de filmes não converge para esta conclusão.  

A controvérsia principal extraída diz respeito à formação do professor. Apesar de ser destacado o pioneirismo na utilização do recurso audiovisual, todos compartilham da mesma opinião sobre a formação pedagógica docente. É necessário, para eles, que haja uma prática voltada ao uso das tecnologias em geral, não somente ao cinema. Essa atualização não deve partir, apenas, do professorado, mas de toda a sociedade, por meio de um planejamento político-educacional, que ofereça planos de cursos e currículos que estimulem um fazer pedagógico alinhado às tecnologias educacionais. Somente assim, será possível concretizar o audiovisual em sala de aula. 

Houve, ainda, uma discussão forte a respeito do material produzido pelo INCE, que estava mais voltado à formação do professorado que do próprio aluno, comprovando o despreparo da classe docente para com a linguagem áudio-imagética e para os conhecimentos exibidos. A própria literatura existente confirma, de forma indireta, essa formação deficitária na medida em que editava os folhetos que acompanhavam os filmes mudos e os diafilmes. 

Os depoentes que conheciam o INCE apresentam diversas convergências em seus depoimentos, sendo divergentes, somente, de um único entrevistado. Para os primeiros, os departamentos que surgiram no INC e na Embrafilme (DFE e DFC), voltados à produção de curta-metragem, mesmo com algumas características de cunho político, administrativo e gerencial diferentes, ainda assim, deram continuidade às atividades do INCE, como produzir filmes destinados ao circuito escolar. O depoente que diverge desta concepção informa que a prioridade dos demais departamentos não era a escola, mas o circuito comercial. Vale destacar que os filmes do INCE, conforme literatura disponível, também eram destinados ao circuito comercial antes da exibição de longas-metragens, no intuito de instruir a massa da população inculta e iletrada. 

Outra divergência enfoca a utilização dos filmes do INCE após a transformação para INC. Conforme os depoentes, os títulos continuaram sendo usados nos departamentos seguintes e distribuídos nas escolas. Há uma visão que contrapõe essa idéia ao afirmar que a sobrevivência do órgão só pode ser reconhecida pela existência de seu acervo fílmico, porque as atividades foram modificadas, algumas até mesmo interrompidas.  
Um ponto de convergência refere-se à estrutura do INCE, que, segundo produtores e cineastas, era fechada e centralizada nas mãos de Humberto Mauro, privilegiando poucas pessoas. Essa perspectiva de mudança surgiu com a entrada de Flávio Tambellini, ao permitir que uma nova geração de cineastas pudesse filmar e realizar filmes. 

Na análise proposta, houve um fato comum: nenhum dos depoentes acompanhou a recepção de filmes entre alunos e professores em sala de aula, nem mesmo o cineasta Jurandyr Noronha, que trabalhou no INCE. Somente assistiram as exibições feitas no auditório do DFC. Para eles, a utilização era intensa porque o número de cópias e saídas de películas era enorme. Dessa forma, por suposição, chegaram à conclusão de que o professorado devia ter muito interesse pelo recurso fílmico como instrumento pedagógico. No entanto, a quantificação não pode estimar a recepção, uma vez que não há como mensurar comportamentos através de números. 

Entre os pontos comuns também se destaca a utilização voluntária de filmes pelas instituições, não havendo imposições do governo ou do órgão para que fosse consubstanciada. Isso também foi propiciado pela produção totalmente cultural e didática, contrária à apologia política. Essa informação contraria o que Franco (1987) afirmou sobre o INCE. Para a pesquisadora, os filmes foram utilizados num fenômeno de moda passageira, sob pressão do governo, e foram esquecidos nas prateleiras. 
Todos os depoentes destacam que o INCE foi um órgão à frente do seu tempo. Certamente, sua idéia seria perfeitamente aplicável nos dias atuais com a Internet e o DVD. O maior problema apontado foi mesmo a falta de recursos financeiros suficientes para alcançar os objetivos fundamentados. Entre as principais deficiências elencadas, encontra-se, principalmente, a falta de projetores e a inabilidade da classe docente para trabalhar com o maquinário – correlação esta apresentada, também, por professores e alunos. 

A existência dos filmes educativos do INCE foi essencial para mostrar à população brasileira que o país também fazia cinema, tornando-se importante para a história cinematográfica nacional, e, principalmente, porque através dos filmes, alunos e professores puderam conhecer a cultura nacional, desconhecida pela sociedade como um todo, em especial, pela classe docente e discente. 

A principal contradição entre os depoimentos diz respeito à qualidade dos filmes e à sua classificação. Para a grande maioria dos entrevistados, os filmes não eram “chatos”. No entanto, implicitamente, foi possível perceber que alguns temas, em especial os científicos, sugeridos por professores e amigos de Roquette-Pinto, filmados, em sua maioria, obrigatoriamente31, não eram considerados tão interessantes. Esses assuntos não foram classificados como documentários por um único depoente, mas sim, como “filmetes informativos”. Os demais têm opinião contrária e concebem todo o acervo do INCE como documental. 

De qualquer modo, foi possível detectar que, mesmo entre eles, há uma concordância de que determinados temas eram mais poéticos e culturais e, por isso, foram mais solicitados e acabaram firmando-se no acervo fílmico do INCE como de melhor qualidade. Foram esses títulos, ainda, que, mais tarde, continuaram sendo usados no DFE e DFC, como a série Brasilianas. Essa constatação já coincide com o único catálogo de filmes existente após a década de 1970, cujos 100 títulos elencam esses temas, em detrimento dos demais. 

A controvérsia extraída dessa mesma argumentação gira em torno da diferenciação entre filme cultural e filme didático. A produção do INCE, apesar da nomenclatura educativa, estava dividida em vários aspectos. Os depoentes compartilham da mesma concepção de que os filmes culturais possuem informações mais amplas e são melhores que os filmes didáticos, considerados mais técnicos. É interessante a observação a respeito da obra produzida, porque o mentor do INCE, Roquette-Pinto, tinha uma visão de cultura e educação completamente distinta. Para ele, o educativo não era apenas didático e pragmático, mas um saber cultural elevado através das artes, da ciência e das letras. A educação seria ginástica de sentimentos, aquisição de hábitos e costumes. A cultura, a apreensão de conteúdos. Através da educação, seria possível transformar a sociedade, porque não se poderia viver sem educação. Já a falta de cultura, seria remediada, adquirida mais tarde. Educação e cultura eram, portanto, indissociáveis para Roquette. Isso quer dizer que todo e qualquer filme produzido pelo INCE deveria ser visto como educativo sem fazer esta distinção, depreendendo que ambos são processos correlacionados. Mas não é essa a visão dos depoentes que conferem, claramente, um valor de atualidade e liberdade de criação ao que é cultural e algo que aprisiona e restringe ao que é didático. 

Este pensamento de diferenciar a cultura da educação perdura nos dias atuais. À educação é permitido realizar algo maçante, com conteúdo pragmático, puramente didático, ou mesmo, de menor valor. À cultura são associados conteúdos elevados, ricos, mais agradáveis. Fica constatado, portanto, que apesar do ideário roquetteano sobre cultura e educação não diferenciar ambos os conceitos, a produção fílmica do INCE apresenta, nitidamente, esta diferença, sob o viés dos entrevistados. 

4.Algumas reflexões finais


Ainda que compreendamos todas as dificuldades que a utilização do recurso fílmico nas escolas enfrentou, principalmente no que tange aos investimentos financeiros que impossibilitaram a plena concretização do projeto, o principal problema encontrado na articulação em torno da formação de uma sólida cultura áudio-imagética escolar ainda parece ser a falta de uma mentalidade voltada à aceitação do cinema como meio de apreensão da realidade e construção de conhecimentos, sem considerá-lo, apenas, como fonte de entretenimento. 

O uso do cinema educativo pelo INCE, sob o olhar dos educadores e educandos, foi consubstanciado mais por um modismo, um discurso modernizador tecnológico que por sua importância pedagógica. Os professores vanguardistas, que optaram em utilizar o filme, eram poucos e isolados dentro do universo escolar. Mesmo que os alunos tenham associado as aulas audiovisuais a fontes de informação didática, parece que a imagem em movimento é vista, ainda hoje, meramente com um momento de descontração e lazer, uma espécie de recreio dentro da sala de aula. 

Os dados disponíveis na literatura existente e os resultados encontrados nesta dissertação destacam que o projeto de utilizar o filme com a criação do INCE foi uma atitude adiante de seu tempo, na defesa da dimensão pedagógica de incorporar a imagem em movimento no processo de socialização do indivíduo. Os vanguardistas implementaram uma nova forma de educar, já que o espaço escolar movia-se, unicamente, até então, em torno da oralidade e da figura do professor. No entanto, os filmes ficaram centrados, principalmente, na produção, carecendo de uma estratégia de veiculação nos espaços educacionais do país e de um planejamento orçamentário e político-pedagógico que viabilizasse melhores retornos e abarcasse o currículo escolar para que os alunos pudessem enxergar o uso dos filmes como uma prática habitual e importante para o processo educacional. Não apenas para preencher espaços vazios em sala. O que se depreende é que os produtores do INCE enxergaram a escola como usuária e não como parceira. 

Há muitas discussões relativas entre o discurso modernizador, que justifica esses programas de uso das tecnologias educacionais, e a ausência de condições objetivas que favoreçam a sua implementação. O que se destaca sobre o INCE é que os títulos que chegaram às escolas serviram, sobretudo, como atualização e formação dos próprios professores, numa época em que a comunicação não havia sido globalizada como acontece hoje através do discurso televisivo e, principalmente, com a Internet.

Pode-se afirmar, também, que os filmes não atingiram o universo infantil, em face de sua erudição. É notório ressaltar, no entanto, que os assuntos, apesar de amplos e distantes do currículo escolar, permanecem autênticos e atualizados em 2008. A Secretaria de Educação a Distância, criada pelo Ministério da Educação em 2005, produz diversos documentários com assuntos semelhantes do que fora produzido pelo INCE há 70 anos. 
Cabe-nos uma indagação, então: onde estava o problema, no INCE ou na educação? Culpar os idealizadores, pela forma de planejamento, ou a escola, por ter outros interesses, não parece ser a decisão mais acertada. O que se busca aqui é a compreensão de uma dinâmica complexa e contraditória, por que histórica. Há uma dialética própria entre, por um lado, os fatores que definem a produção e, por outro, as demandas culturais e históricas, as memórias sociais e os gostos populares que, por sua vez, interpelam os meios massivos de comunicação. As imagens não devem ser consideradas simples reflexões de suas épocas e lugares, mas extensões dos contextos sociais pelos quais foram utilizadas. Confrontando teoria e prática pode-se afirmar que as mudanças conjunturais e estruturais levam o seu tempo, exigindo dos professores um posicionamento crítico e uma responsabilidade diferente perante o processo de ensino-aprendizagem e de socialização. 

A leitura dialógica com o filme pode potencializar as competências e habilidades discentes ou trabalhar na perspectiva alienante, outorgando-lhes um perfil de receptores passivos da informação. Ao que parece, essas duas dimensões andam juntas, já que nenhum indivíduo é receptor completamente ativo ou passivo. Deve-se levar em conta a qualidade da recepção. A competência pedagógica do educador para utilizar a ferramenta poderá produzir maior qualidade receptiva. Cabe aos professores, portanto, promoverem adequadamente a utilização da tecnologia, de modo a potencializar esta comunicação emancipatória. Como, porém, resolver essa questão se os estudos sempre apontam as deficiências relacionadas à má formação docente?

O caminho seja, talvez, um meio termo, cabendo ao docente fazer uso da sensibilidade e do bom gosto para que haja flexibilidade e oportunidade ao aluno para se tornar responsável e consciente de sua aprendizagem. Desse modo, para que o uso do recurso áudio-imagético consolide seu papel mesmo depois de 70 anos em funcionamento, é necessário que o diálogo entre os campos da comunicação e da educação seja ampliado, permitindo consolidar um campo cuja especificidade seja pesquisar os processos educacionais dos meios de comunicação, não somente nos cursos de pós-graduação, mas, sobretudo, voltado ao ensino básico e fundamental. Somente assim, as tradições e os valores do século passado serão referências e pontes para novos estudos. 

Este trabalho não se esgotou em descobrir o que verdadeiramente aconteceu, mas refletir sobre as motivações e propósitos de seus personagens, que, nem sempre, precisam ser os principais protagonistas. Entender suas visões não significa aceitar que a história tenha ocorrido da forma tal qual narrada, mas compreender as suas múltiplas facetas e registrar um novo olhar sobre o INCE que, além de agregar novas versões à história, promove um diálogo entre passado – presente – futuro, a fim de cristalizar o cinema como recurso atrativo, motivador, perene e atuante nos meios educacionais. A história é feita de múltiplas histórias (POLLACK, 1989).


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* Fernanda Caraline de A. Carvalhal é Jornalista, Mestre em Educação e Cultura Contemporânea. Pesquisadora de tecnologias da educação, cinema educativo e história oral.