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O Cinema Educativo através dos discursos de Mussolini e Vargas

Logo após a Primeira Guerra Mundial, o mundo viu emergir uma série de governos de caráter fascista, que, envoltos em uma áurea nacionalista, prometiam livrar seus países da crise econômica, retomando a grandeza histórica do passado nacional.

 

Para tal, fazia-se necessário conquistar as massas inserindo-as na nova ideologia. Neste contexto, o cinema apareceu como uma tecnologia vantajosa no processo de introjeção dos valores eleitos como nacionais e na conquista das massas. Levando em conta a importância destinada ao cinema como veículo ideológico pelo Estado Novo e pelo fascismo, este artigo discute o papel do cinema educativo a partir do ponto de vista de Mussolini e Vargas (1).

O cinema e a educação

Na década de 1920, o cinema tornou-se a principal forma de diversão, levando às salas de exibição crianças, jovens e adultos, para assistirem as histórias de amor, de heróis e de bandidos contadas nos filmes. A freqüência aos cinemas e os temas filmados estimularam, entre os intelectuais, a discussão sobre o uso e o papel do cinema nas sociedades pós Primeira Guerra Mundial. Analisando os filmes e o público consumidor de películas, os intelectuais (professores, jornalistas, católicos) passaram a identificar o cinema como um importante veículo de persuasão, sendo capaz de influir diretamente a mente das pessoas. A partir dessa constatação, passaram a propor o uso da cinematografia como um instrumento auxiliar na educação, na higienização, na formação de uma raça forte, e na divulgação de valores nacionais. Ao mesmo tempo em que reivindicavam uma produção de películas moralizadas, condizentes com uma moral social e católica, apontavam o fato de que esta nova postura cinematográfica somente seria possível com a intervenção do Estado.

Segundo os intelectuais brasileiros, o Estado era o único organismo capaz de incentivar o cinema educativo, pois somente ele poderia impor leis que obrigassem a produção de filmes desse gênero. Esse movimento não foi exclusivo do Brasil. Na Itália grupos da sociedade civil também se organizaram exigindo uma produção de caráter educativo. Tais movimentos colaboraram para que Getúlio Vargas e Benito Mussolini compreendessem o poder do cinema como veículo de persuasão, levando-os a adotarem uma política de controle e estímulo do cinema nacional. Na Itália, esta política teve como marco a fundação do LUCE, em 1924. No Brasil, a política de proteção ao cinema foi inaugurada em 1932, com o decreto nº 21.240, que regulamentava a censura e a exibição obrigatória das películas nacionais.

Esse movimento de valorização do cinema levou Vargas e Mussolini a exaltarem as vantagens do cinema como veículo ideológico. Entre as qualidades assinaladas por Vargas e Mussolini estava a linguagem. Segundo esses líderes, os filmes possuíam uma “língua compreensível a todos os povos da terra” (2) facilitando a introjeção pelo público da informação divulgada. Afirmavam que através da narrativa divertida e de fácil compreensão o cinema passava uma série de informações e valores sem que o público percebesse, pois estava envolvido pelas histórias e, assim, não questionava as informações. Os governo que utilizaram o cinema educativo como veículo ideológico acreditavam que, utilizando a linguagem fácil do cinema, poderiam divulgar os valores nacionais sem que as massas ficassem enfadadas, pois estaria apreendo e se divertindo.

Uma outra vantagem do cinema era não exigir o conhecimento das letras pelo público. Esta qualidade foi apontada por Mussolini, no discurso de inauguração do Instituto Internacional de Cinema Educativo em 1928, o “cinema tem vantagem sobre o livro e o jornal: fala aos olhos, (...)”(3). A mesma qualidade foi observada por Vargas: o cinema influi “diretamente sobre o raciocínio e a imaginação, apura as qualidades de observação, aumenta os cabedais científicos e divulga o conhecimento das coisas, sem exigir o esforço e as reservas de erudição que o livro requer e os mestres, nas suas aulas reclamam” (4). Ao falar diretamente aos olhos, ao raciocínio e à imaginação, o cinema influía sobre as massas analfabetas educando-as e conquistando-as. O cinema, desta forma, superava em eficiência os meios de comunicação escritos, pois permitia que os valores e os ideais dos Estados nacionalistas fossem divulgados através das imagens, aos grupos analfabetos. O analfabetismo não era uma realidade exclusiva do Brasil, grande parte da população italiana desconhecia as letras. Isso tornava o cinema um veículo atrativo aos ministérios da educação dos dois países.

Observando as vantagens do cinema como instrumento de propaganda e de educação, a sétima arte adquiriu no governo de Vargas e de Mussolini uma certa importância e status.

No governo de Vargas, o cinema foi idealizado como um instrumento de aproximação. Segundo Getúlio, o cinema era capaz de “aproximar, pela visão incisiva dos fatos, os diferentes núcleos humanos dispersos no vasto território da República” (5). Getúlio Vargas observava que as distâncias regionais, políticas, territoriais e econômicas sempre foram um entrave ao crescimento nacional. Desde o início do seu governo, em 1930, Vargas procurou combater estas distâncias criando um discurso nacionalista que visava direcionar os estados e o povo para a figura do líder central. A primeira iniciativa unificadora foi simbólica. Em 1937, Getúlio Vargas reuniu todas as bandeiras dos estados e as queimou representando o fim da desunião. A partir desta cerimônia, todos os estados estavam representados pela bandeira nacional, símbolo de um único governo e um único povo.

Com a missão de estimular a identificação do povo com a nação e assim diminuir as distâncias, os filmes educativos produzidos durante o Estado Novo recorreram ao uso dos símbolos nacionais. A bandeira nacional, por exemplo, aparecia na seqüência de abertura do cine jornal brasileiro, produzido pelo DIP. Em alguns filmes do INCE, o pavilhão auriverde aparecia grandioso, tremulante no céu do Brasil associando o seu esplendor e beleza à pátria construída por Vargas.

O Mapa do Brasil também apareceu em alguns filmes, sendo utilizado como mapa logotipo (6). Os mapas logotipos, segundo Anderson, têm a função de remeter a população ao espaço físico do país, tornando, assim, a nação e seu governo reconhecidos pela população. Para Getúlio Vargas, o movimento de aproximação promovia um conhecimento interno, fundamental para o despertar do patriotismo, pois, segundo o discurso estado-novista somente o conhecimento do Brasil estimularia o amor à pátria e o desejo de lutar por ela.

Mussolini também elegeu o cinema como instrumento de aproximação. Em seu discurso observou que a principal missão do Instituto Internacional de Cinema Educativo – ICE (7) era “facilitar e acrescer as relações culturais entre os povos(...)”(8). Esta função conferida por Mussolini se explicava pelo clima hostil que pairava sobre a Europa na década de 1920. Ao final da Primeira Guerra Mundial, o velho continente se esforçava para reconquistar um clima de paz e colaboração entre os povos. Neste contexto, o cinema surgiu diante dos olhos de Intelectuais e políticos como um grande aliado na aproximação das nações, pois sua língua era compreensível a todos os povos da terra (9). Nesse cenário, a missão do cinema seria de disseminar conhecimentos acerca dos costumes e da cultura dos povos, promovendo a compreensão das suas mentalidade e das necessidades. A idéia era que, através dos filmes, o espectador europeu compreendesse que em outros países do continente as dificuldades e os problemas eram os mesmo do seu país, e, a partir desse entendimento, se tornassem mais solidários com o antigo inimigo (10).

Além da função humanitária de aproximar os povos inimigos, o cinema era apontado por Mussolini, como um veículo de propaganda. Apesar de ter saído da Primeira Guerra Mundial como vencedora, a Itália não conquistou um lugar de destaque na nova ordem mundial, sendo rechaçada pelas principais potências. Ao tomar o poder, em 1922, Mussolini se comprometeu, através de seu programa nacionalista, em reconquistar para a Itália um posto de destaque, fazendo, assim, com que a nação italiana recuperasse o orgulho nacional. Tendo como meta a conquista do espaço que caberia a Itália, Mussolini passou a encarar o cinema como L’arma più forte, capaz de fazer a propaganda externa e interna do regime fascista.

O Luce

Na Itália, o cinema educativo teve seu início em 1924, com a criação de uma pequena sociedade anônima, organizada por Luciano De Feo. Em julho do mesmo ano, o governo fascista encapou tal iniciativa, rebatizando-a como L’Unione cinematografica educativa – L.U.C.E, que tinha a missão de divulgar a cultura italiana. Para estimular a exibição dos filmes do LUCE, o governo decretou a lei de obrigatoriedade de exibição das películas nos cinemas do reino. Esta atitude provocou admiração de educadores e de intelectuais, que lutavam pelo desenvolvimento da cinematografia educativa em vários lugares do mundo. Como reflexo destas medidas, em 1927, na Conferência européia de filme educativo, o instituto LUCE e a Itália foram apontados como exemplos e modelos a serem seguidos por todos os países dispostos a estimular o cinema educativo. Esta recomendação foi seguida por vários países, entre eles o Brasil que em 1936 organizou o Instituto Nacional de Cinema Educativo – INCE. Luciano De Feo, em carta a Mussolini, comenta o prestígio que o instituto italiano alcançou junto às nações estrangeiras, declarando que o “LUCE era uma luz para todos” (11). A Itália, a partir de então, passava à frente da Alemanha e da França tornando-se a nova líder nas discussões acerca do cinema educativo, conquistando, assim, um lugar de destaque na Europa e direcionando os olhares mundiais para os feitos do fascismo (12.

Com a intenção de reforçar a propaganda do fascismo no exterior, Mussolini propôs à Liga das Nações a criação de um instituto internacional de cinema educativo. Segundo esta proposta, o instituto estaria vinculado à Liga, sendo financiado pelo governo de Roma. A sugestão foi aceita pela organização supranacional e o ICE foi criado em 1928. Sendo a Itália a nação provedora, a direção do novo instituto ficou a cargo de Luciano De Feo, um grande entusiasta do cinema educativo. Rapidamente o novo instituto conquistou uma imagem positiva para si e para o governo que o constituiu e financiou. O ICE passou a funcionar como um instrumento de propaganda, divulgando os feitos fascista em relação à cinematografia educativa e fazendo com que o governo do Duce fosse admirado e respeitado em todo o mundo.

Já internamente, o cinema educativo divulgava os valores do Estado fascista buscando assim converter a massa para o novo regime. O orgulho nacional era estimulado através da exaltação dos heróis italianos, como Galilei Galileu e Anita Garibaldi.

O I.NC.E.

No Estado Novo, o cinema foi utilizado como um instrumento de propaganda interna, colaborando na construção da identidade nacional, na legitimação do governo e na formação do patriotismo. O cinema era considerado por Vargas como “(...) o livro de imagens luminosas, no qual as nossas populações praieiras e rurais aprenderão a amar o Brasil, acrescendo a confiança nos destinos da Pátria” (13). Em consonância com o discurso de Vargas, o cinema educativo do INCE passou a estimular o sentimento de amor à pátria através de filmes biográficos onde os heróis nacionais apareciam imbuídos de qualidades que o Estado Novo procurava incutir nos jovens brasileiros. Estes heróis eram trabalhadores, honestos, generosos e, acima de tudo, amavam o Brasil. Com isto, Getúlio Vargas procurava estabelecer uma relação entre ele e os heróis, apresentando o seu governo como uma continuidade da obra dos grandes vultos nacionais, fazendo assim a propaganda do governo junto ao povo.


Formando novos homens

Tanto no Fascismo como no Estado Novo, o projeto nacionalista exigia a formação de um novo homem, um sujeito nacional. Este homem deveria amar a pátria acima de tudo e estar pronto a trabalhar pela nação. Para que tal homem fosse constituído, foi preciso, da parte dos dois governos, a recuperação de valores como honestidade, trabalho, respeito e amor à pátria e ao líder, sendo ainda, necessário que eles fossem absorvidos pelo povo. Assim, nestes governos, o cinema assumiu a função de formador das almas nacionais. Os filmes imbuídos de uma missão nacional eram exibidos nos cinemas comuns, em associações de trabalhadores e nas escolas.

Na Itália, o cinema associado à escola foi utilizado como um instrumento de formação dos futuros trabalhadores da nação. Ao final da Primeira Guerra Mundial, a Itália enfrentava uma série de problemas relacionados à mão-de-obra, entre esses problemas estavam o alcoolismo e as doenças. A tuberculose e o alcoolismo diminuíam a mão-de-obra disponível, para uma nação arrasada economicamente e, moralmente, se tornava um problema político. O cinema educativo passou a divulgar uma série de conhecimentos sobre higiene e práticas esportivas, com o objetivo de sanear o povo e fortalecer a raça. Os filmes ensinavam a respirar corretamente, a manter o corpo, a casa e a escola limpos. Seguindo as recomendações cinematográficas, os jovens se tornariam mais resistentes para o trabalho ao mesmo tempo em que fortaleciam a raça. Lições de higiene também eram passadas as mães e gestantes, pois, estas eram as responsáveis pelo lar, pelos filhos e marido, portanto, responsáveis em manter a mão-de-obra saudável para o trabalho (14).

A formação da mão-de-obra passava ainda pela divulgação do trabalho como qualidade e beneficio pessoal e nacional. Os filmes educativos do fascismo reforçavam esta positividade e ensinavam a meninos e meninas quais eram os seus papéis na sociedade. Meninos apareciam trabalhando com a madeira, tendo treinamentos físicos enquanto as meninas eram exibidas executando tarefas domésticas, como costura e culinária. No filme Como a Itália fascista educa as novas gerações (15), as crianças aprendiam o oficio de forma alegre, se divertindo e brincando, adquirindo, assim, consciência da importância do trabalho. Estas imagens reforçavam a idéia de que o trabalho deveria ser um prazer e um beneficio para a nação, pois preparava os futuros adultos para ocuparem seus lugares na construção da nação.

Assim como no Fascismo, no Estado Novo o trabalho também tinha uma posição de destaque, sendo considerado um valor imprescindível na formação do sujeito nacional. O trabalho deveria ser entendido como uma qualidade e não como um defeito ou um fardo. O sujeito nacional seria aquele que através do seu trabalho ajudaria à nação a crescer, exercendo assim o seu patriotismo. Desta forma, os jovens espectadores, dos filmes do INCE, aprendiam lições positivas sobre o trabalho manual. Em Um Apólogo de Machado de Assis (16), por exemplo, a costureira tem seu trabalho valorizado através da confecção de um vestido de baile para a baronesa. Neste filme, assim como no filme fascista, o trabalho é prazer e dedicação. Estas características estão refletidas na costureira que aparece sorrindo e costurando com empenho o traje de baile. As características positivas do trabalho são evidenciadas no momento da prova do vestido, quando o resultado do trabalho dedicado da costureira aparece na satisfação da baronesa com a nova roupa.

Outro objetivo de Getúlio Vargas ao promover o cinema educativo que se aproxima do fascismo era o fortalecimento da raça. Segundo Vargas, o cinema aliado ao rádio e aos desportos seria “instrumento imprescindível à preparação de uma raça empreendedora, resistente e varonil” (17). Neste sentido, o cinema educativo preparava a raça valorizando a miscigenação racial, divulgando a cultura nacional e passando algumas noções de higiene.

As considerações acima são uma pequena reflexão sobre o papel do cinema educativo e de propaganda no governo de Mussolini e de Vargas. O pensamento dos dois líderes, assim como suas ações, se aproximam e se distanciam em alguns pontos. Tal situação é fruto de realidades diversas, que fazem com que o cinema educativo assuma funções e importâncias distintas nos governos em questão. Enquanto na Itália o instituto LUCE estava ligado diretamente ao gabinete de Mussolini, no Brasil, o INCE estava subordinado ao Ministério da Educação e Saúde tendo, inclusive, uma certa autonomia. Esta pequena comparação entre o papel do cinema permite-nos o exercício da história comparada, que se faz a partir das semelhanças e diferenças entre os processos históricos.

* Cristina Souza da Rosa, mestre em história social pela Universidade Federal Fluminense, Autora da dissertação “Imagens que educam: o cinema educativo no Brasil dos anos 1930 e 1940”. Doutoranda em história social pela Universidade Federal Fluminense, aonde vem desenvolvendo um estudo comparado entre o cinema educativo do Estado Novo de Vargas e o cinema educativo do Fascismo de Mussolini.

Notas:

1 O Discurso de Vargas foi pronunciado em 1934, na manifestação promovida pelos cinematografistas no Rio de Janeiro. VARGAS, Getulio. O Cinema nacional elemento de aproximação dos habitantes do país. Nova Política do Brasil. RJ: José Olympio Editora. 1935. v. III. pp.183-189. O de Mussolini foi proferido em 1928, na inauguração do Instituto Internacional de Cinema Educativo – ICE, em Roma. MUSSOLINI, Benito.Il cinematografo educatore. Discorsi del 1928. Milano, Casa Editrice “Alpes”. Pp. 297-301.
2 MUSSOLINI, Benito. Op. Cit. p. 300.
3 Idem
4 VARGAS, Getúlio. Op.cit. p. 187.
5 Ibidem. p. 188.
6 ANDERSON, Benedict. Comunidades imaginadas. Reflexiones sobre el origen y la difusión del nacionalismo. México: fondo de cultura econômica, 1993. p. 245
7 O Instituto Internacional de Cinema Educativo foi fundado em 1928, junto a Sociedade das nações.
8 Este discurso foi proferido na inauguração do Instituto Internacional de cinema educativo, por isto, Mussolini faz referência à questão internacional. Isto será discutido nesta comunicação adiante.
9 MUSSOLINI, Benito. Op.cit. p. 300.
10 TAILLIBERT, Christel. L’institut International du cinématographe éducatif. Regards sur le rôle du cinéma éducatif dans la politique internationale du fascisme italien. Paris: L’Harmattan, 1999
11 ___________________. Le cinéma, instrument de politique extérieure du fascisme italien. In. Mélanges de l’école française de Rome. Italie et Méditerranée. Mefrim, tome 110, 1998 – 2. p. 948
12 Sobre a conquista de uma posição de destaque frente as discussões sobre o cinema educativo pela Itália vide as obras de Christel Taillibert.
13 VARGAS, Getúlio. Op.cit. p. 188.
14 TAILLIBERT, Christel. Op. Cit.
15 Filme produzido pelo LUCE em 1931.
16 Filme produzido pelo INCE em 1939. O filme citado aqui é a segunda versão, sendo a primeira filmada em 1936.
17 VARGAS, Getúlio. Op.cit. p. 189


Data de publicação: 26/01/2006