Uma lição de cinema

Aos 83 anos, o cultuado cineasta Jean-Luc Godard vem dando lições sobre cinema desde quando se tornou um dos principais representantes da Nouvelle Vague, em filmes como Acossado (1960) e Alphaville (1965), entre muitos outros.

Adeus à Linguagem (Adieu au Langage), seu filme mais recente, não foge à sua regra de inovação e iconoclastia.

Selecionado para a 52ª edição do Festival de Nova York, o filme repete no evento nova-iorquino o sucesso que teve em Cannes / 2014, onde ganhou o Prêmio do Júri de melhor diretor, dividido com Mommy, o canadense Xavier Dolan (25 anos).

O tributo uniu duas gerações: uma com uma carreira em ascensão, outra comprovando que o veterano cineasta continua em plena forma.

Godard não foi a Cannes, mas Dolan, ao receber o prêmio, declarou: 

“Acho que foi um gesto deliberado do júri por causa das nossas idades. E por procurarmos a liberdade no cinema, mas com estilos diferentes”, avaliou.

O diretor – que também não veio aqui – enviou um texto escrito no qual detalha Adeus á Linguagem:

“É uma história simples: uma mulher casada e um homem solteiro se encontram. Se amam. Brigam... Um cachorro vaga entre a cidade e o campo. As estações passam. O homem e a mulher se encontram novamente. O cachorro encontra os dois”, descreve Godard, dando margem a muitas interpretações para o seu inusitado filme.

A história segue, o antigo marido aparece e um segundo filme começa: parece o mesmo que o anterior, mas não é bem assim. Enquanto isso, pessoas falam da queda do dólar, da verdade na matemática e da morte de um passarinho. Quase metade do filme mostra a visão itinerante do cachorro, cores fosforescentes e imagens em 3D desfocadas. 

É mais um filme da obra recente do diretor em torno de três elementos, neste caso a natureza, o casal e o cachorro. 

A tripla abordagem vem sendo recorrente nos seus últimos trabalhos: Elogio do Amor contemplava passado, presente e futuro; Nossa Música se passa em três capítulos: Inferno, Purgatório e Paraíso. Filme Socialismo também tem três momentos: o cruzeiro marítimo, um processo e as escalas do navio.

Conforme tem enfatizado em entrevistas, Godard, já há algum tempo, vem seguindo a ideia de produzir roteiros triplos.

“Um passado, um presente, um futuro; uma imagem, outra imagem e a seguinte. Para mim, a terceira é aquela que não se vê e deriva do que se viu e do que se verá”, diz o diretor mais confundindo do que esclarecendo, mas de qualquer forma, mantendo seu estilo único.

O cão caminha sozinho e maravilhosamente livre, vagando numa paisagem esplendorosa das florestas e das águas. Mas ele também parece muitas vezes triste e sua solidão afeta o filme.

Descrito pelo próprio Godard “como uma valsa em forma de filme”, ele classifica assim seu trabalho no vídeo que enviou ao festival:

“Esse é o meu melhor filme”, avalia o veterano mestre que demonstra total segurança no que faz. Não que não demonstrasse antes, mas em Adeus à Linguagem, a inovação da narrativa é tão marcante que, em certo momento, nos damos conta que não há improvisações, foi tudo calculado. 

Em última análise, Godard não faz filmes fáceis, suas obras são mesmo um desafio até para o cinéfilo mais acostumado com produções experimentais e únicas. Adeus à Linguagem é mais uma delas.