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41ª Mostra - Assim é a Vida, de Toledano e Nakache

Assim é a Vida (2017) é um filme muito prazeroso de se assistir. Dirigido pela dupla Olivier Nakache e Eric Toledano (Intocáveis de 2011, Samba de 2014), ele não carrega o peso de um grande drama humano como suas obras anteriores, mas tampouco é um filme rasteiro.

O novo filme da dupla é uma comédia sagaz que raramente recorre a risos fáceis, um filme inteligente que, apesar de francês, possui um humor afiadíssimo e com uma carga sarcástica que lembra o inglês.

Assim é a Vida nos leva aos bastidores de uma elegante festa de casamento em um luxuoso castelo francês do século XVII, onde Max (Jean-Pierre Bacri), o dono de uma pequena empresa organizadora de festas, tem que manejar os constantes imprevistos e as personalidades extravagantes de seus empregados e clientes. Apesar de Max ser nosso protagonista, o filme dá atenção especial aos personagens secundários, a história é tanto sobre eles e seus pequenos dramas pessoais quanto sobre Max. Os personagens do filme vacilam entre a caricatura e o real, eles lembram os tipos de pessoas sobre quais contamos anedotas engraçadas para nossos amigos em bares. Essa característica espalhafatosa dos personagens é onde habita a essência da comédia do filme. Quase todos são compostos pela interseção de três ou quatro características marcantes, nenhum deles é especialmente profundo, nem mesmo Max, mas isso faz parte da característica do filme: o grupo se constitui nesse caos heterogêneo do qual emergem problemas constantemente.

O ponto mais forte do filme é definitivamente seu diálogo, desde o início ele é falado em um ritmo frenético, que reflete bem o estado de alma dos personagens, todos estão sempre com pressa, caminhando rapidamente de um cômodo lindamente decorado a outro para conseguir executar suas tarefas a tempo, enquanto travam pequenos fragmentos de conversas uns com os outros. O diálogo em sua velocidade acelerada, mas sempre calculada, é o destaque da obra, nela, ele assume uma plasticidade que dá um fluir constante para o filme, a câmera, por sua vez, acompanha esse ritmo com movimentações que deslizam impecavelmente pelo local enquanto acompanhamos as preparações da festa. A posição dos corpos no quadro também é muito metódica, o que é percebido principalmente nas cenas com grandes multidões, uma exceção é quando Max está sentado em uma caixa no dia seguinte ao casamento, ele está muito cansado e Josiane (Suzanne Clément), sua amante, se aproxima para consolá-lo. O quadro é bastante simples, mas há uma teatralidade, em sua composição simétrica e no jogo sutil de luz, que lhe concede beleza. Esse tipo de cuidado passará despercebido para a maioria da plateia, mas mostra a grande habilidade técnica da equipe de Nakache e Toledano, que nos permite ver a grande habilidade técnica da equipe de Max.

A trilha sonora é outro ponto forte do filme e cria uma ampla colaboração com os diálogos. Quando os diálogos de uma cena acabam, um ligeiro ritmo de bateria, no mais elegante estilo de jazz, faz a ligação para a próxima, não deixando, assim, o ritmo se perder. Há também uma impressionante performance de música indiana ao final do filme, na qual um dos personagens se destaca na flauta.

Amor é uma coisa peculiar em A Vida é Assim, que assume uma posição condizente com traição. O par romântico de Max, Josiane, é um caso extraconjugal que sua esposa, Nicole, nunca retratada no filme, conhece, mas não impede. Julien (Vincent Macaigne), um dos garçons, apaixona-se por Hélène (Judith Chemla), que é a mulher que está se casando. Tudo isso é visto com bom humor, sem julgamentos: qualquer manifestação sincera de amor é sempre bela no filme.

Existem ainda alguns aspectos estranhos e um pouco contraditórios no filme que ferem a qualidade de seu humor. O filme, entre outras coisas também é uma celebração do multiculturalismo francês, uma personagem de proeminência é uma mulher negra e dois dos trabalhadores da equipe de Max são indianos, mas em um momento, na segunda metade do filme, Max faz um ataque furioso contra as leis trabalhistas da França e defende a contratação ilegal de seus funcionários. Em todos os outros momentos nós somos levados a ver essa equipe como uma grande família na qual, apesar das discussões, todos tem grande carinho uns pelos outros, mas neste momento deveríamos concordar com Max que nem todos eles merecem um salário digno? Enfim, essa é uma crítica muito pequena ao que é de uma forma ou de outra, um filme carinhoso e muitíssimo divertido.

Apesar de não retomar a força de Intocáveis, a dupla Nakache/Toledano prova aqui sua força como diretores competentes que possuem maestria sobre o diálogo e a linguagem cinematográfica. Assim é a Vida não é uma obra imperdível, mas definitivamente é uma que vale a pena ser apreciada.

 

Matheus Saboya estuda cinema na FAAP, foi primeiro assistente de direção de dois curtas-metragens universitários e está fazendo direção de arte de seu terceiro curta.