Pantera Negra: A Geopolítica da Marvel Studios

A trajetória da maior parte dos heróis no cinema é centrada numa jornada de auto-superação ou numa corrida para salvar o mundo. Esse elemento é muito tradicional e aceito, em geral, pelo público alvo de longa-metragem sobre personagens saídos de histórias em quadrinhos. Foi ele também que sedimentou o sucesso da Marvel Studios nos últimos anos, tanto em termos de bilheteria como de crítica.

Às vezes, o estúdio em questão nota essa realidade e busca novas abordagens ao retratar os seus heróis. A partir disso veio o desafio de levar para o cinema o personagem Pantera Negra, um personagem clássico, considerado o “primeiro super-herói negro”, criado em 1966 pela lendária dupla Stan Lee e Jack Kirby. A dupla se inspirou principalmente no Partido dos Panteras Negras que começou a atuar nos EUA na década de 60, e cujo foco era a luta pelos direitos dos afro-americanos.

Apesar de já ter sido introduzido no universo cinematográfico da Marvel no longa Capitão América; Guerra civil (2016), o personagem agora ganha seu próprio filme focado em sua trajetória e em sua cultura e mitologia particulares.  

Seguimos o personagem título T’Challa (Chadwick Boseman) assumindo o trono do seu país natal Wakanda, uma secreta nação africana tecnologicamente avançada e poderosa em termos de riqueza cultural e material por conta da quantidade imensa de Vibranium - o metal mais resistente do planeta - que eles possuem. Ao mesmo tempo em que deve controlar as diferenças sociais das tribos locais, T’Challa precisa preservar a obscuridade de Wakanda em relação ao mundo exterior, uma vez que seu pais se vê ameaçado por inimigos exteriores que querem destruir o bem-estar da nação.

O maior desafio de adaptar a figura do personagem para a mídia cinematográfica está em representar o que a figura desse herói significa sem pesar a mão nessa representação, afinal muitos vão assistir ao filme buscando o entretenimento agradável de sempre. A escolha do diretor Ryan Coogler não foi aleatória, pois ele já foi aclamado pela crítica ao retratar a realidade negra americana no cinema de forma particular e com uma forte assinatura na filmagem. Seus longas mais notórios, que já abordavam essa temática, são o drama independente Fruitvale Stantion (2013), e o seu primeiro filme mais comercial até então, Creed – Nascido para lutar (2015). O diretor opta por enfocar mais a trajetória do personagem em questão, criando assim uma figura de autoridade e respeito dentro da história, de forma muito positiva. Além disso, consegue imprimir sua assinatura na direção, que são os seus planos-sequências em cenas de ação, algo muito presente em Creed e que se faz aqui de forma ainda mais notável. Por outro lado, percebe-se uma falta de experiência com o uso de CGI em cenas de ação, por vezes pode-se perceber a falta de detalhe para garantir a qualidade do efeito.

Outra decisão importante que Ryan Coogler teve que tomar em Pantera Negra foi transmitir, por meio da narrativa, uma série de debates e questionamento sérios e políticos que abordam realidade negra de boa parte do mundo, fazendo desse o filme mais sério e mais político que a Marvel Studios realizou até então. Em termos de politização, o filme da Marvel que chegou mais próximo disso foi Capitão América – O Soldado invernal (2014). Pantera Negra não deixa de lado o humor típico e característico dos filmes do estúdio, mas expressa-o através dos personagens certos e nos momentos ideais. Exemplo disso é a carismática inventora Shuri, irmã de T’Challa, interpretada por Letitia Wright, que rouba a cena.

 O filme também impressiona pelo elenco sólido e ideal para o filme, com uma maioria de atores negros excelentes, destaca-se o elenco feminino que, além de apresentar a já citada Letitia Wright, conta com a vencedora do Oscar Lupita Nyong’o e também com Danai Gurira, conhecida por ser a Michonne do seriado The Walking Dead. Todas interpretam personagens femininas fortes e independentes, que brilham em todos os seus momentos. Além disso, o elenco masculino conta com o talentoso Daniel Kaluuya, vindo do sucesso de Corra! (2017) e Martin Freeman, fazendo outro bom alívio cômico.

E por fim, talvez o maior mérito do filme, se deve ao vilão Killmonger, interpretado pelo parceiro de sucesso de Ryan Coogler, Micheal B. Jordan. Juntos, a dupla quebrou a sina que assombra os filmes da Marvel, que é recorrer a vilões fracos com motivações genéricas, criados apenas para engrandecer o herói protagonista. Aqui, as motivações de Killmonger estão atreladas às questões debatidas pelo filme, e mesmo sendo controversas, são totalmente compreensíveis por parte do grande público, fornecendo um bom embate de ideias entre o protagonista e o vilão sobre a preservação de Wakanda. T’Challa representa uma visão pacifista e  Killmonger, uma visão mais radical, remetendo, respectivamente às militâncias de Martin Luther King e Malcolm X.

Pantera Negra é um filme bastante típico da Marvel, mas dá um grande passo adiante: entrega o que o público espera de uma produção do gênero, mas revela uma seriedade para com o tema em questão, abrindo para uma nova forma de abordar a figura da população negra, através de um super-herói que respeita suas raízes e seu valor.

 

Ettore R. Migliorança é estudante de Cinema, com ênfase em roteiro e análise de filme, e já produziu dois curtas universitários