Sweet Heart: Entre As Paredes de São Paulo

Por Julia Gimenes

Selecionado para a última edição do Festival de Tiradentes, Sweet Heart, de Amina Jorge, é um curta-metragem que captura, com sutileza, as contradições entre clausura e liberdade que uma cidade cosmopolita como São Paulo impõe ao período  intenso da adolescência.

Com uma protagonista de família chinesa, Amina Jorge, diretora do curta-metragem Sweet Heart, mantém sua opção por representar grupos socialmente esquecidos no audiovisual brasileiro. Seu primeiro curta Através* já contava com protagonistas (sempre mulheres) fora dos padrões sociais e estéticos.

E em seu novo trabalho, como no primeiro, Amina fez questão de colocar uma personagem que tem relações homossexuais, mas dessa vez apenas para dar o tom da nova geração paulista: sexualmente liberada, ativista e diversa em suas amizades e relações.

O filme é ambientado, não à toa, no bairro da Liberdade, sem dúvida um dos mais variados de São Paulo em termos culturais e étnicos, além de abrigar toda a pirâmide socioeconômica brasileira.

A diretora toca sutilmente nessas fronteiras sociais através de conversas cotidianas como a em que a garota de família chinesa pergunta para a amiga se “eles” comem alga, claramente se referindo aos japoneses. Amina parece querer nos fazer lembrar que chineses e japoneses não são a mesma coisa, ao contrário do que diz a visão estereotipada dos brasileiros de outras etnias.

E por que a amiga da menina saberia disso e ela não? Se ela justamente ajuda a cuidar de um restaurante de família em plena Liberdade? É aí que se evidenciam também as estruturas alienantes de classe, a garota não sabe talvez porque mal saia de dentro do restaurante. Quando a amiga a convida para uma manifestação no sábado ela diz que não pode ir porque tem que ajudar no restaurante, como de costume.

Crescer em São Paulo é de modo geral crescer entre quatro paredes, seja da casa, da escola, do restaurante dos pais… a falta de um espaço público como a praia ou de ruas mais seguras torna a adolescência paulista cercada. Mas os poucos espaços de convivência livre estão representados no filme e aparecem como elemento que atiça a curiosidade da protagonista com o mundo além das fronteiras do restaurante. Uma pequena brecha para a necessidade de liberdade jovem.

É nesses lugares que se confirma toda a diversidade paulista, é onde as tribos urbanas se encontram, as formas de expressão mais midiáticas com as mais alternativas, além de toda a variedade étnica e sexual da cidade.

Mas se a protagonista parece perder algo dessa liberdade vibrante da adolescência de sua época por ter que ajudar seus pais, ela não precisa por isso aceitar a repressão de suas vontades e desejos, despertados principalmente pelo cozinheiro do restaurante. Se ela não pode sair muito dali, ali mesmo vai exercer o poder e autonomia sobre seu próprio corpo.

Nesse ponto o filme consegue ser bastante completo, mesmo dentro de seus 21 minutos. A expressão dos desejos da adolescente vão desde o voyeurismo, ao assistir pornografia ou admirar os músculos do cozinheiro durante o trabalho, até a conquista ativa da relação sexual com ele, que mesmo sendo sua primeira vez não parece carregar nenhum medo e sim uma curiosidade e um forte desejo sexual, livre de impedimentos.

Sweet Heart me parece por isso um curta-metragem muito completo e redondo. A diretora não se priva de experimentações estéticas com relação ao tempo e ao som, se apoiando em uma montagem pouco convencional, principalmente na apresentação do filme, mas também faz questão de realizar um filme compreensível para qualquer público.

*link para o filme: http://portacurtas.org.br/filme/?name=atraves12991

 

Julia Gimenes é  formada em cinema e trabalha como montadora e fotógrafa desde então. Apesar do amor por fazer cinema, pensar sobre ele também sempre a encantou