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O Olhar do Acusador

Por Julia Gimenes

Aos Teus Olhos (2017), de Carolina Jabor, utiliza o espaço da escola de natação como alegoria para os dilemas do julgamento moral no contemporâneo.

A história de Aos Teus Olhos (2017), de Carolina Jabor, se passa em uma piscina, espaço onde os códigos sociais são diferentes, onde os corpos estão sempre molhados e expostos. O professor de natação é jovem e bonito da maneira mais padrão possível: branco, alto e forte, quase uma estátua grega. Além de tudo simpático, sorridente e dedicado ao seu trabalho de ensinar crianças e adolescentes a nadar.

Mal começa o filme, com planos dedicados a mostrar a beleza atlética do corpo do professor Rubens (Daniel Oliveira), e nosso encanto com o personagem já é quebrado. Como o homem extremamente privilegiado que é, Rubens fala de cima de sua torre de marfim sem nenhum pudor ou autocritica. Elogia sem medo o corpo de alunas menores de idade, faz piada sobre abusar das mães “chatas” de alunos, etc.

O colega de trabalho de Rubens (o único que o ouve fazer esses comentários), um homem bem menos bonito e carismático do que ele e talvez por isso menos cheio de si, tenta advertir o parceiro dos absurdos que está dizendo. Mas Rubens não parece enxergar qualquer limite, ali todo mundo o ama e ele pode tudo.

Em paralelo ao personagem do professor, conhecemos o aluno Alex e seus pais. O pai é um homem duro e exigente com o filho, enquanto a mãe tenta ser o outro lado da balança e equilibrar o emocional do filho, mas acaba por exagerar no cuidado e na proteção, fazendo com que Alex fique sufocado.

O menino é calado e claramente sente medo de seu pai. Dentro do ambiente da piscine, Rubens tenta animar o menino que parece sempre triste, mas sua falta de percepção crítica do outro, ou seu excesso de entusiasmo hedonista, torna-o sempre fisicamente invasivo, passando a mão na cabeça ou no ombro do garoto que se encolhe como que querendo sumir.

Dada toda a ambientação e perfis básicos dos personagens, surge o conflito. Segundo a mãe de Alex, ele teria dito que o professor lhe deu um beijo na boca depois de uma das aulas de natação. A versão do garoto nunca é revelada de fato, através de seu relato direto, é apenas repassada através da versão dada pela mãe ao pai e depois às redes sociais.

Em sua ânsia por justiça ao mal que ela julga ter sido feito ao seu filho, a mãe publica em diversas redes sociais sua versão do ocorrido, dizendo primeiro que o professor beijou seu filho na boca e depois que ele é um homem perigoso, tudo isso antes de estabelecer qualquer diálogo com Rubens ou com a diretora da escola.

Uma vez difamado, Rubens não consegue mais se explicar e tudo o que diz, ou disse, parece ser distorcido para caber dentro da acusação, já formalizada, de que ele é um pedófilo. E assim, o espectador passa a assistir através da reação de cada um dos conhecidos do professor: os pais dos alunos, a diretora, o colega de trabalho, a namorada, o aluno que ele ajudou a criar coragem para beijar outro menino, etc; como cada um passa a enxergá-lo após a acusação.

Os planos do filme cortam as personagens um pouco acima de suas testas quase o tempo todo, todos estão oprimidos com o peso da acusação. O professor aparece enquadrado pelas linhas, pilastras e grades do clube de natação, já preso ainda antes do julgamento.

E então surgem os dilemas morais. Se Rubens não tivesse sido apresentado desde o início como um chauvinista, o espectador sentiria pena dele pelo mau entendido, mas o problema é apresentado de maneira mais complexa.  Ainda que em nenhum momento o filme nos direcione para questionar se de fato Rubens teria cometido o tal ato, pois para o espectador ele é, pelo menos desta acusação, inocente.

Então se Rubens é um homem que depois das aulas com alunas menores de idade, que estão o tempo todo seminuas na piscina, sai por aí fazendo comentários sobre seus corpos e sexualidade sem qualquer pudor, ele merce a acusação que lhe fizeram? Ainda que aquele ato específico com Alex não tenha acontecido?

Ou ainda, será que a acusação e a difamação quase instantânea só ocorreram por se tratar de um garoto?

Em sua primeira conversa com a diretora, o pai de Alex pergunta se o professor Rubens seria gay, como se a questão principal não fosse a pedofilia em si. Por que até ali ninguém nunca questionou o fato de o professor abraçar e beijar as alunas menores de idade? De postar fotos com elas nas redes sociais?

Rubens inicia o filme como um homem protegido por seus privilégios e acaba por ser acuado por eles. Mas de que serve a difamação? A acusação antes do questionamento? O professor não aprende de fato nada de novo, seu machismo não é questionado em nenhum momento e ele acaba por ser acusado justamente pelo que tem de bom, pelo seu trato gentil e cuidadoso com as crianças.

A namorada de Rubens ao saber do caso grita que as pessoas que o estão acusando estão sendo machistas e ela tem razão, mas essas mesmas pessoas também eram machistas quando aceitavam o comportamento do professor com as alunas. Essa é a ironia usada pelo filme para demonstrar a incapacidade daqueles que usam o poder das redes sociais para acusar em ter um verdadeiro raciocínio crítico sobre a questão que pretendem expor.

Os olhares aos quais o título do filme se refere são os olhares dos acusadores, um olhar para fora, que desconhece autocritica e são os olhares dos parceiros e colegas, que se alteram sob o peso da difamação.

 

Julia Gimenes é  formada em cinema e trabalha como montadora e fotógrafa desde então. Apesar do amor por fazer cinema, pensar sobre ele também sempre a encantou