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As Boas Maneiras: Brasil Sobrenatural

Por Ettore R. Migliorança

Juliana Rojas e Marcos Dutra utilizam referências cinematográficas e cultura brasileira para debater diferenças sociais

É evidente que uma das maiores dificuldades do cinema brasileiro na atualidade é a realização de filmes de gênero puro e único, ou em outras palavras, criar um estilo cinematográfico brasileiro de algo relacionado ao cinema clássico. Um dos mais evidentes a se reparar é o gênero de terror.

Não que o cinema nacional não tenha experiência nessa área, afinal temos como referências na cinematografia os trabalhos de José Mojica Marins, o Zé do caixão, ou Ivan Cardoso, como representantes do terror brasileiro ambos se valiam de referências estrangeiras para criar um estilo particular para se abordar temas sobrenaturais no cenário brasileiro.

Atualmente com a popularização desse gênero é natural que muitos cineastas busquem querer abordar esse tema que é tão clássico no cinema em geral. É natural que haja tentativas no cinema atualmente,  como exemplo temos O Diabo Mora Aqui (2016), de Rodrigo Gasparini, filme que utiliza ideias tradicionais de produções americanas de terror dos anos 1980 atreladas a elementos da cultura e da História do Brasil. Nota-se que há uma tentativa de novos cineastas de fazerem exercícios de gêneros no cinema nacional, e alguns dos mais notórios são a dupla criativa Juliana Rojas e Marcos Dutra. Ambos vêm de produções diferenciadas no cinema brasileiro que vão de musical Sinfonia do Necrópole (2016), feito por Juliana, O Silêncio do Céu (2016), thriller dirigido por Dutra, e a primeira produção em parceira de ambos “Trabalho Cansa de 2011.

Na retomada de parceira, a nova produção da dupla, As Boas Maneiras, mostra-se como uma evolução no estudo de referências mais clássicas de abordagem do sobrenatural. Em seu novo longa-metragem vemos a trajetória de Clara (Isabél Zuaa), uma enfermeira negra que aceita o trabalho de ser empregada e cuidadora de uma moça de classe alta paulistana solitária e grávida chamada Ana (Marjoire Estiano), porém conforme cresce a relação de ambas as personagens, Clara descobre que Ana carrega algo macabro em seu ventre e que se manifesta somente na lua cheia, revelando perigos inimagináveis que irão mudar a vida de Clara para sempre.

A princípio, ao notar na história há uma clara referência ao clássico filme de Roman Polanski, O Bebê de Rosemary (1968), em muitos diferentes aspectos, da premissa, em que vemos uma mulher grávida de algo perigoso e terrível, à abordagem temática, pois Polanski utilizava esse tema macabro para descontruir a figura feminina perante a pressão da gravidez. Na produção brasileira, a dupla de diretores busca ir pelo mesmo caminho abordando o dilema enfrentado na realidade brasileira que é a questão do comportamento diante das diferenças sociais existente no ambiente urbano, utilizando o suspense crescente perante a gestação de Ana e o entendimento de Clara sobre essa situação.

Na tentativa de adaptar esse tema, os diretores optam como caracterização a cultura “caipira” das festas juninas, como composição da criatura em questão, além da presença do sertanejo e das menções à cultura rural para justificar a presença do monstro no universo da história.

Os diretores conseguem construir uma boa tensão, simplesmente pela opção da criar ambientes conflitantes, sendo que de um lado vemos atuações marcantes de ambas as protagonistas, e de outro temos o gore sangrento que causa aflição e quebra o cotidiano dos personagens, extravasando a aparição da criatura de maneira brutal.

A trama segue, como bom suspense/terror, numa crescente de tensão, há, porém uma quebra muito repentina no roteiro, pois no meio do filme ocorre uma mudança excessiva na abordagem de gêneros, de personagens e até mesmo de influências. A partir desse momento vemos uma nova narrativa em que é possível reparar uma homenagem ao clássico de John Landis, Um Lobisomem Americano Em Londres (1981), pois vemos a trajetória de um personagem buscando sua identidade perante a sua natureza primitiva.

Esse novo caminho repentino que a narrativa toma de fato soa fora do tom, pois há uma clara e forte diferença em relação ao que vinha sendo construído, embora não possamos nos aprofundar nesse aspecto para não revelar detalhes demais para quem ainda não assistiu ao filme Mas o que se pode dizer é que, que mesmo soando fora do tom, essa segunda parte compensa pelo bom trabalho efeitos especiais e de maquiagem, e há claras menções aos clássicos filmes de monstros, como Frankenstein” (1932), de James Whale.

Mesmo soando como se fosse dois filmes em um só, As Boas Maneiras é um bom exemplo de como o suspense sobrenatural brasileiro pode se adequar ao cenário cinematográfico de hoje em dia. O longa sabe utilizar a cultura nacional para abordar temas sociais e não perder a identidade, além de respeitar suas influências, sejam elas brasileiras ou estrangeiras, de modo a criar algo particular que respeita suas limitações e consegue obter qualidade e diferencial num ambiente pouco explorado. Por vezes, o cinema brasileiro não gosta de arriscar e faz muitas apostas seguras, sendo assim um filme muito diferente é sempre bem-vindo, uma vez que esse tipo de produção tendea abrir terrenos para produções semelhantes no futuro.

 

Ettore R. Migliorança é estudante de Cinema, com ênfase em roteiro e análise de filme, e já produziu dois curtas universitários