Todos Já Sabem, de Asghar Fahardi

Em Todos Já Sabem, (2018), o diretor iraniano Asghar Fahardi se insere na cultura latina para estruturar, com rigor, um elaborado suspense.

Em Todos Já Sabem, o diretor iraniano Asghar Fahardi faz um exercício de alteridade: insere-se na cultura latina (representada por espanhóis e argentinos) e a retrata  abraçando com rigor as estruturas do gênero suspense, procedimento pouco típico por parte do cineasta. É preciso dizer: muito embora ele costume flertar com o mistério e já tenha exibido sua aptidão para o intercâmbio cultural no francês O Passado (2013), a segurança do diretor ao pisar sobre terrenos novos não deixa de surpreender.

Saído do denso O Apartamento (2016), Fahardi resolve construir um suspense improvável nesse que talvez seja seu filme mais acessível. O filme conta com nomes como Penélope Cruz, Javier Barden e Ricardo Darín, que formam uma espécie de "grande tríade do star system latino", se é que existe algo assim. De qualquer forma, os três formam o eixo central do filme e o diretor sabe brincar com isso, atrasando a aparição de um dos três ou relegando a importância de outro a  segundo plano, mesmo que momentaneamente. Isso porque construção da trama é meticulosa e calma, durante algum tempo nos perguntarmos qual é o propósito de  tantos gritos e demonstrações de afetividade tipicamente latinas. Mas, aos poucos, fica claro que não só os alicerces de tanta afetividade era frágil, como também percebemos que as pistas para a trama principal estavam sendo plantadas a cada plano, desde a - memorável - abertura.

Fahardi não faz apenas uso da estrutura do suspense, ele também brinca com ela num entrelaçamento progressivo das motivações que teriam levado ao crime que sustenta a trama. Desse modo, todos são suspeitos. A cada nova informação,  um novo personagem  parece ter tido motivações suficientes para cometer o crime. Esse procedimento não é exatamente original dentro do suspense,  a questão é que, conforme a trama se desenrola, vai nos surgindo uma outra dúvida, plantada já no título (Fahardi sabe colher frutos suculentos de sementes discretas): Mas afinal o que todos já sabem? A resposta para essa pergunta é mais complexa do que se pode imaginar e dá o real mote do filme.

O suspense de Fahardi é peculiar em praticamente tudo. O diretor extrai mistério de belas paisagens iluminadas por uma intensa e aconchegante luz do dia, através das quais não deveria restar tantas questões a serem postas à claro. Mas restam. O cineasta constrói toda a estrutura de uma família abastada e feliz, cheia de posses, apenas para poder desmontá-la aos poucos, recolocando questões sobre o que de fato significa a família e os laços sanguíneos. Aqui Fahardi expõe uma realidade dura: embora a família não seja sempre, como muito se diz por aí, o grupo de acolhida perfeito, ela vai ser sempre determinante em nossas vidas, seja pela herança psicológica, seja pela herança genética, incluindo os aspectos negativos que tais heranças implicam. Certas coisas são inescapáveis.

De alguma forma, o filme parece ser guiado por esse sentimento de que certas coisas são inelutáveis. Entretanto, também fica sugerido que o que nos torna humanos é justamente lutar contra o inelutável. Há aqui um profundo senso de tragédia no filme, muito embora ele esteja um tanto encoberto em meio aos mistérios da trama, e menos pronunciado do que em outros filmes do diretor. É essa trama trágica e invisível que liga a todos que irá sugerir uma resposta ao título, isto é, aquilo que todos já sabem enseja, à distância, o crime cometido.

É verdade, por um lado, que a estrutura narrativa é tão intrincada que a revelação dos reais culpados soa um tanto forçada, embora não exatamente inverossímil. Mas parte disso se explica pelo foco de Fahardi ser muito mais as relações trágicas entre os personagens do que a mera resolução de um crime, de modo que fica em primeiro plano a questão dos laços sanguíneos e uma bela, porém nada ingênua,  reflexão sobre a natureza da paternidade, muitas vezes menos evidente do que a relação umbilical entre mães e filhos. Vale dizer também que a ligação final de todos os pontos nos é ocultada não por um fade para o preto, mas por uma claridade absoluta, que invade a tela aos poucos, através de gotas d'água.

 

João Victor Nobrega  é formado em Cinema, ex-colaborador da revista online O Grito! e diretor e roteirista de três filmes universitários