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O paradoxo da "vida" no filme A.I. Inteligência Artificial

A. I.: Inteligência Artificial (A. I.: Artificial Intelligence ) é um filme de ficção cientifica que foi lançado no ano de 2001. Tratava-se de um projeto de Stanley Kubrick (2001: Uma Odisséia no Espaço, Laranja Mecânica, De Olhos bem Fechados, etc.) em colaboração com Steven Spielberg (E.T, Contatos Imediatos de Terceiro Grau, Tubarão, etc.).

No final, Kubrick decidiu que Spielberg seria a pessoa mais apta a dirigir o filme, mas acabou falecendo antes das filmagens.

A história do filme se passa durante o século 22, onde a terra, após ter passado por catástrofes ecológicas (degelo de parte das calotas glaciais), têm vários espaços ocupados pela água, inclusive cidades importantes, como Nova York. No entanto, a tecnologia humana também evolui bastante, especialmente no campo da robótica e da inteligência artificial.

Nesse contexto, a humanidade passa a conviver com um grande número de robôs dotados de inteligência artificial e, na maioria das vezes replicando a aparência de seres humanos (andróides). Dessa forma, os humanos são designados como orgs (orgânicos) e os andróides como mechas (mecânicos). Apesar de constituírem uma significativa parcela da população, os andróides não possuem direitos civis e são obrigados pelo Governo a se registrarem, caso contrário são destruídos.

A trama do filme se concentra na vida do casal Henry e Mônica Swinton, que são pais de Martin, um menino que está morrendo de uma doença rara e, por tal razão, é criogenizado na esperança de uma cura (nessa altura do filme, Martin já está criogenizado por cinco anos). Na tentativa de animar sua esposa, Henry aceita a proposta de sua empresa, a Cybertronics, de levar para casa David, um andróide em forma de uma criança, da mesma idade de seu filho. Na verdade David é um protótipo de um novo tipo de mecha, capaz de expressar sentimentos, de amar, porém somente quando realizado o protocolo.

Dessa forma, Mônica, que primeiramente estranha a presença de David, finalmente realiza o protocolo, acionando os sentimentos de David por ela. Nessa altura da história, Martin, o verdadeiro filho do casal, se recupera e é trazido para casa. Um conflito se inicia entre David e Martin pela atenção e pelo amor de Mônica, terminando com o quase afogamento acidental de Martin por David. Temendo a destruição de David e não podendo ser capaz de mantê-lo, Mônica abandona o pequeno mecha nas florestas de Nova Jersey, na companhia de Teddy, um ursinho mecânico e dotado de alguma inteligência artificial.

Após ser abandonado, David se encontra com Gigolô Joe, um mecha com funções sexuais (prostituto). Os dois se juntam e passam a procurar a Fada Azul, personagem que David se recorda da história de pinóquio, e que em seu raciocínio pode fazer dele um menino de verdade. Depois de passar por diversas dificuldades e apuros, David finalmente chega a Manhattam, lugar para onde foi atraído após receber informações do oráculo virtual "Dr. Know". David então se encontra com seu criador e acaba descobrindo que não é único, mas sim, um novo protótipo e, também, que é uma réplica do filho falecido de seu criador (origem de seu nome).

Além disso, David recebe a informação de que toda a sua busca pela Fada Azul e seu amor por Mônica faziam parte de um teste para descobrir se um mecha dotado de sentimentos poderia utilizar a imaginação e ser movido pelo seu desejo, ou seja, tudo isso já havia sido programado em seu sistema. O "sucesso" de sua busca leva seu criador a acreditar que os modelos “David” serão bem aceitos no mercado de replicantes.

Desiludido por sua descoberta, David parte e cai no oceano. Depois de um breve reencontro com Joe, que tenta resgatá-lo, David vê a estátua da Fada Azul no fundo do mar e vai ao seu encontro. Ele fica parado na sua frente e começa a desejar ser um menino de verdade. David permanece assim por muitos anos e, em um rápido avanço no tempo, temos o seu resgate, dois mil anos no futuro, por mechas super avançados.

Percebemos aqui, que a humanidade está extinta por centenas de anos e, que sua criação, os mechas dominam a Terra. Após ser despertado pelos mechas, David é confrontado com o fato de que Mônica não existe mais, que já está morta há centenas de anos. No entanto, os mechas reproduzem sua antiga casa e oferecem a David a possibilidade de se encontrar com Mônica uma única vez (ela seria clonada atravéz de seu cabelo que Teddy havia guardado, porém só viveria por um dia). Sendo assim feito, David passa um dia com Mônica e o filme termina com os dois indo dormir.

O que podemos retirar de tal história?

 Primeiramente, a possibilidade de o homem ser capaz de criar seres com habilidades, se não igual, superior à deles. Segundo, a possibilidade de dotar esses seres de sentimentos, o que os aproximaria e muitos dos humanos. Terceiro, a possibilidade do homem, insatisfeito com sua própria natureza, criar algo artificial para acalentá-lo. Essas são só algumas questões das muitas que podemos levantar com esse filme.

Já é fato que os avanços no desenvolvimento da robótica e da inteligência artificial são inevitáveis e que possivelmente nos próximos cinqüenta ou sessenta anos poderemos ter entre nós os primeiros robôs com aparência e inteligência próximas as nossas. Isso levantaria outras hipóteses como a possibilidade desses novos robôs tornarem ainda mais obsoletos o trabalho humano, causando maiores problemas do que os já vividos, como a diminuição dos empregos devido a grande presença de máquinas (robôs) nas fábricas. No filme, o desespero pelo aumento contínuo e a tomada de espaço pelos andróides provoca a destruição em massa de mechas e um ódio declarado pelas máquinas, exemplo disso é a cena de aniquilação assistida na arena onde David e Joe são levados.

Outra questão importante seria, graças ao desenvolvimento da inteligência artificial, a sociedade confiar a super computadores o andamento do mundo. Isso de fato já é percebido, uma pane geral nos computadores de grandes empresas de serviços ou nos meios de comunicação produziria um caos generalizado. No entanto, a questão aqui, seria dar esse controle a um computador dotado de um raciocínio mega-evoluido graças à inteligência artificial. O que implicaria, primeiramente, em confiarmos nossa total existência aos cálculos de uma máquina. Os temores da sociedade sobre essa possibilidade podem ser observados na trilogia Matrix.

Entretanto, a questão que pode desencadear mais polêmicas, é a possibilidade do homem se relacionar, em níveis mais íntimos com seres artificiais. A possibilidade de se criar seres dotados de inteligência artificial e replicadores da aparência humana atenta para a questão das relações entre os homens e as máquinas. No filme, essa questão rompe com conceitos mais profundos, quando aponta a capacidade desses elementos artificiais manifestarem algo semelhante aos sentimentos humanos. Aqui temos então, o alargamento do espectro dessa relação. Até que ponto poderíamos considerar artificial um ser capaz de manifestar sentimentos, mesmo que estes sejam programados?

O homem foi criado para responder a sentimentos, sua base mais profunda, antes da capacidade de raciocinar, é a capacidade de sentir e expressar emoções e desejos. Em verdade, pode-se considerar que é essa capacidade, vinculada ao seu dom de raciocinar que nos torna humanos. Então, quando dotamos máquinas com os mesmos atributos que nos fazem humanos, o que estaríamos criando? Essas perguntas, se não estão rondando os intelectos criadores dessas tecnologias, irão com certeza o fazer futuramente.

Aqui, chegamos a uma discussão moral e ética resultante de nossa evolução e capacidade criadora. Podemos notar que no filme há um debate, mesmo que ligeiro, sobre os "direitos civis" dos mechas. Temos que atentar, todavia, que a discussão sobre esses direitos se interrompem quando da natureza dos mechas de não sentirem ou exprimirem emoções. Mas o advento de um andróide como David mudaria essa perspectiva. E, de fato, é o que percebemos quando de sua passagem pela arena de destruição, quando a multidão humana não permite sua destruição por considerá-lo um "menino", dotado de emoções, dado em vista a sua capacidade de implorar por sua vida, algo que nos é passado como incoerente com as atitudes dos mechas.

Nesse sentido, poderíamos inverter a questão. Seria o homem capaz de amar uma máquina? Ora, no filme temos um exemplo de declarada empatia pelo sofrimento e pela súplica de um andróide. Então, poderia o homem ultrapassar a pura empatia e evoluir para algo mais profundo? Atualmente, observa-se em nossas sociedades uma aproximação cada vez mais evidente entre homens e máquinas, especialmente no que diz respeito ao desenvolvimento de relações. Todavia, temos que atentar que nesse contexto, as máquinas, ou melhor, os computadores, servem de mediação, de caminhos alternativos para se estabelecer relacionamentos com terceiros.

Porém, com o inevitável desenvolvimento da inteligência artificial seria possível que o mediador passasse desse estado para o estado de interlocutor? Já é comum a observação de uma espécie de relacionamento "esquizofrênico" entre jogadores e games virtuais. É notável o nível de aprofundamento que certos indivíduos estabelecem com esses personagens artificiais. Todavia, algo aproximado do que nos é passado através do filme parece um pouco distante.

Mas já podemos notar exemplos simplórios desses tipos de relacionamentos. Temos os games já citados, mas também temos o aparecimento desses "robôs pets", ou seja, animais de estimação virtuais, uma espécie de super brinquedo, tanto para crianças como para adultos. Porém, por enquanto, esses tipos de relações homem/máquina só se dão em uma via única de afetividade, essa sendo a do individuo pela sua "máquina". A possibilidade observada no filme, a de uma máquina estabelecer uma troca sentimental profunda pelo seu dono, nos parece um pouco distante, todavia, dada a natureza empática e emocional dos seres humanos, não parece de um todo estranho que isso possa vir acontecer.

Porém, uma outra questão que podemos levantar agora, ainda discutindo o que faz do homem um ser humano, e como esses atributos poderiam ser transferidos a máquinas inteligentes, está, no inevitável perecer do homem. Ora, sabemos que um indivíduo, por mais saudável que seja eventualmente irá morrer, seja naturalmente ou acidentalmente, não importa.

Dessa forma, como poderíamos ser capazes de transferir e aproximar características humanas em seres virtualmente imortais? Só essa menção já eliminaria o caráter mais “humano” dessas máquinas inteligentes. Ou seja, podemos dizer que a humanidade dificilmente reconheceria um ser artificial dotado de intelecto e sentimentos como um homem, quando esse possui uma estimativa de vida quase que eterna. È o paradoxo da “vida” que está em jogo.