Documentário: arte do real ou da ficção?

A produção de documentários cresce muito no meio audiovisual brasileiro. O interesse por essa linguagem tem atraído realizadores de todas as vertentes. Mas o que tem de tão interessante na linguagem documental, hoje? Quais são às mudanças, nessa obras, que atraem cada vez mais, realizadores, expectadores e espaço na mídia?

A primeira experiência cinematográfica feita pelo francês Louis Lumière em 1895, tinha em seu conceito uma proposta documental. Era um filme, de um só plano, com 50 segundos de duração: “Chegada de um trem à estação”. Quando foi exibido, o público protegeu-se sob as poltronas, achando que o trem era real. A nessa exibição havia poucas pessoas na platéia, mas nos dias seguintes, o impacto do realismo trouxe centenas de espectadores, formando filas diárias com mais de 2 mil pessoas.

A partir daí, documentar o cotidiano se tornou hábito para os realizadores da época, porém outros produtores começaram a utilizar o filme para narrar histórias adaptadas do teatro e o documentário se distanciou da ficção. Passou a registrar e documentar fatos importantes da história, como guerras, epidemias e façanhas da humanidade. Até que os filmes documentais ganharam status de “cinema verdade” pelas mãos do cineasta russo Dziga Vertov, que defendia a idéia de que o olho da câmera era mais fiel que o olho humano e buscava a essência do real com elementos de construção cinematográfica, sem a necessidade de imitar o real, como na ficção. Por outro lado, a linguagem documental sofreu o peso do conceito, mal compreendido, de “cinema verdade” assumindo mais responsabilidade com os fatos históricos/jornalísticos e menos com elementos de criação cinematográficos. Isso direcionou o público que buscava abordagens mais informativas e menos narrativas visualmente, reduzindo-o gradativamente. A reaproximação do documentário com a ficção se deu quando surgiram produções conceituais chamadas de: docudrama, docuficção e outros neologismos que renovaram, em certo sentido, a forma de se realizar documentários. A possibilidade de criar uma história com imagens e depoimentos reais estabeleceu uma nova relação filme-espectador. Existe hoje, toda uma criação cinematográfica baseada no real captado, que recria a realidade de outra maneira. O que atrai público, nesses casos, talvez seja saber não saber que a narrativa, dramaturgicamente bem construída, nasceu de imagens reais e depoimentos de pessoas reais (como no filme do trem de Lumière), e que foi recriada pelo realizador. De certa forma há um resgate do conceito de construção do olhar para o real, indicado por Vertov.

Hoje, muitos documentários utilizam vários recursos audiovisuais disponíveis para contar uma história real, porém com uma visão de mundo pessoal, construídos como filmes de ficção: estrutura dramática, trajetória de personagens, justaposição de imagens, sem se preocupar se estão sendo fiéis à realidade. Esse tipo de produção ganha público e espaço por lançar um novo olhar sobre o real, recriando-o poeticamente a ponto de não sabermos mais se é uma arte do real ou da ficção.