Destaques Mostra Horizontes | 34º Festival Internacional de Curtas Kinoforum

Mostra Horizontes | 34º Festival Internacional de Curtas Kinoforum

Por Davi Galantier Krasilchik

Inédita na história do Curta Kinoforum, a “Mostra Horizontes” explora dificuldades de diferentes países através do documentário ou de fabulações mais realistas, encontrando agentes de transformação bastante ativos em sua edição de estreia.

 

Impulsionada pelo ímpeto de registrar iniciativas socioculturais, talvez a primeira seleção da Mostra Horizontes possa ser considerada uma potência de transformação. A ideia é reunir produções feitas por jovens que tenham alguma relação com pautas dessa relevância, e que proponham ou ilustrem algum viés ativista. Como integrante desse novo programa inaugurado pelo 34º Curta Kinoforum,  os quatro curtas em destaque depositam seus anseios nas mãos dessa juventude, reconhecida aqui como principal agente transformador.

 

Ainda que um dos filmes flerte com a propaganda institucional, surge aí uma grande honestidade no reconhecimento da câmera como ferramenta ativa, imbuída de preservar a imagem em seu movimento e as consequentes melhorias sociais que essa iniciativa, em sua forma mais direta, pode trazer.

 

Talvez por isso, o primeiro destaque esteja na maneira como a dança é vislumbrada, tema que unifica duas das duras realidades investigadas nos curtas-metragens, cada qual com uma sensibilidade bastante própria na maneira de observar o seu contexto. Se o curta de abertura, o colombiano A Menos que Bailemos, prioriza o corpo como plataforma de pulsão, o alemão E Eu, Estou Dançando Também toma a paralisação como forma de denúncia, o que gera uma triste complementação entre os dois.

 

Nem por isso, entretanto, se torna distante a maneira desses documentários de louvar a expressão artística, reconhecendo a importância da dança como forma de libertação. Enquanto o primeiro acompanha os integrantes do grupo Black Boys Chocó, formado por dançarinos de Quibdó que tentam afastar jovens do mundo do crime, o segundo tem como foco o ativismo da iraniana Saba, figura que performa publicamente contra a rigidez religiosa que proíbe as mulheres de dançarem no Irã.

 

Para além da infeliz distância cultural entre os dois curtas, não se pode ignorar que A Menos que Bailemos acaba limitado por um viés propagandístico que não acomete o segundo. Intercalando depoimentos dos integrantes da iniciativa com os números de dança, o curta colombiano acaba perdendo uma espécie de imediatismo, como se o acabamento performático do todo afastasse as suas personagens de um plano mais intuitivo das ações, e que nos aproximariam mais de seus dramas.

 

É como se a perfeição visual da luz e dos enquadramentos, apesar de responsável pelo engrandecimento daquelas figuras socialmente relevantes, estivesse distante da realidade a que se refere, ainda que os discursos coloquem esta como propulsora e sejam uma clara forma de ressignificação das personalidades oprimidas pela violência.

 

A Menos que Bailemos em todo o seu aperfeiçoamento estilístico, que beira ao excesso publicitário.

 

Muito diferente é o que acontece na retratação dos feitos de Saba, que é acompanhada por uma câmera mais humanizada e que valoriza as interações para além da sua personagem. É curioso que o projeto que parte justamente da falta da dança seja aqui o mais oxigenado, feliz na abordagem que escolhe para registrar o banal. 


Isso está longe de dizer que E Eu, Estou Dançando Também também não fabula a sua própria forma. Mas, se no outro caso o recurso beira o enfeite estético, aqui ele se manifesta na interpolação entre registros reais e a dramatização desse cotidiano opressor, questionando: até quando a libertação do feminino, em países como o Irã, permanecerá apenas uma fantasia?

 

A prisão após a gravação de uma dança, momento em que é encenada uma situação bastante banal para Saba.
 

Ainda nesse viés da mistura entre a realidade e a ficção, é interessante como o indiano Últimos Dias De Verão se reveste em um teor mais mitológico. O filme acompanha dois irmãos que vivem nas cordilheiras do Himalaia. Enquanto pastoreiam, eles identificam um misterioso som, que passa a preocupar os habitantes de sua vila.

Filmado como um conto ficcional, o curta retrata rituais e reuniões típicas daquela região ao longo da investigação da dupla principal, que transferem essa procura ao campo da crença e de um misticismo palpável pela sua relação com os protagonistas. Chama a atenção como esse eixo serve à introdução do debate a respeito da natureza, cujas mudanças climáticas se revelam, ao final, como o motivo dos tais barulhos inquietantes. Enquanto os demais curtas colocam a força motriz de suas transformações em seus protagonistas, aqui ela é transferida para o meio ambiente em si, construído como presença mística e geográfica que obriga os espectadores a refletirem sobre a sua postura ambiental.

 

A relação do irmão mais velho com a natureza, que se coloca com uma grandiosidade mística.
 

Finalmente, existe uma intimidade um pouco ausente nesses outros projetos - talvez à exceção da jornada da jovem iraniana - que coroa o brasileiro O Último Rock. O documentário acompanha as expectativas e frustrações de um grupo de jovens do interior do Espírito Santo, reunidos em uma confraternização pouco após o início da pandemia da COVID-19.

 

O calor e a força de um encontro espontâneo diante da incerteza da pandemia.

Restrito a um único espaço, ele mistura depoimentos de alguns dos jovens ali colocados - jovens esses que,  apesar do caráter da entrevista documental, permitem um grau de dramatização que dialoga bem com esse ponderar sobre um futuro ambíguo - com a elaboração de conflitos dramáticos. Paixões, solidões e inocência se misturam, declarando a força das palavras que sucederam ao silêncio. Talvez seja essa troca de gritos, interjeições e confidências, o verdadeiro “show de Rock”.


Ao observar essa força juvenil, de testemunhar, refletir e realizar, o Festival Internacional de Curtas de São Paulo inaugura a Mostra Horizontes. Unida pelo tema da transformação, apesar dos altos e baixos, ela explora situações de variadas complexidades, marcadas por suas inconstâncias. Resta torcer para que a constante juvenil de se ressignificar esses impasses, entretanto, seja um dia capaz de superá-los.

 

 

Biografia:

Davi Galantier Krasilchik é estudante de Cinema e Jornalismo na Fundação Armando Álvares Penteado (FAAP), onde já roteirizou e dirigiu dois curtas-metragens. Ele também já fotografou dois projetos curriculares, além de produções por fora, e escreve críticas e reportagens para meios como a revista universitária Vertovina e o site Nosso Cinema. A sua paixão pela Sétima Arte se manifesta desde a infância, e atualmente ele trabalha na Filmoteca da TV Cultura, onde ajuda a preservar esse material pelo qual tem tanta paixão.

 

 

A cobertura do 34ª Festival Internacional de Curtas de São Paulo - Curta Kinoforum faz parte do programa Jovens Críticos que busca desenvolver e dar espaço para novos talentos do pensamento cinematográfico brasileiro.

Agradecemos à Atti Comunicação e Ideias e a toda a equipe da Associação Cultural Kinoforum por todo o apoio na cobertura do evento. 

Equipe Jovens Críticos Mnemocine: 

Coordenação e Idealização: Flávio Brito

Produção e Edição: Bruno Dias

Edição: Davi Krasilchik e Luca Scupino

Edição Adjunta, Apoio de produção e Transcrição das entrevistas: Rayane Lima