Mostra Brasil VI (Mete a Colher, Sim) | 34º Festival Internacional de Curtas Kinoforum

Mostra Brasil VI (Mete a Colher, Sim) | 34º Festival Internacional de Curtas Kinoforum

Por Luiz Afonso Morêda

 

Com proposta de eixo temático - violência doméstica - a sessão reúne quatro curtas de diferentes lugares e ideias, mas tem como destaque  “Infantaria”, a grande estrela da sessão, feito por uma realizadora alagoana e vencedor de prêmio no Festival de Berlim.

 

O nome da sessão da Mostra Brasil VI sugere um programa voltado para violências domésticas, tema mais central em alguns dos curtas programados do que em outros. A ideia de uma programação pautada pelo tema, isto é, por um conteúdo próprio da trama dos filmes, possui como principal aspecto positivo a possibilidade de distinguir as formas das obras. A partir da semelhança temática que elas possuem entre si, em tese ficarão mais evidentes as suas questões formais. 

 

No entanto, chama a atenção um título tão direto e prosaico, avesso a um olhar mais subjetivo aos filmes. Não à toa a sessão é composta por obras muito diversas entre si: um trabalho magistral e rigoroso, interessado no cinema enquanto uma arquitetura de formas — Infantaria (2022, Laís Santos Araújo); um filme um pouco menos refinado, mas igualmente conciso em sua proposta — Quinze Quase Dezesseis (2023, Thaís Fujinaga); um trabalho caótico na diversidade de suas imagens e carente de concisão — A última vez que ouvi Deus chorar (2023, Marco Antônio Pereira); e um trabalho que, por tocar mais diretamente no tema proposto, possivelmente serviu de norte para a programação da sessão, mas que ao mesmo tempo é um filme de maior viés panfletário e insensível à ideia do cinema enquanto forma — Firmina (2023, Izah Neiva).

 

Infantaria (2023, Laís Santos Araújo)

O último filme da sessão é a grande estrela aqui. Possivelmente um dos grandes curtas de todo o festival, ao menos em termos de carreira de exibição, o filme alagoano coleciona uma série de sessões ao redor do mundo, a mais notória sendo a do Festival de Berlim de 2023, no qual, além de receber um prêmio especial, foi um dos poucos brasileiros na seleção. Fala de uma pequena família em Barra de São Miguel, litoral de Alagoas, constituída por uma mãe, uma filha e um filho, crianças, atormentados pela ausência da figura paterna, especialmente saliente para o menino. A família recebe uma visitante, uma jovem de 16 anos, grávida, que recebe ajuda da mãe das crianças para realizar um aborto.

 

A partir disso, de tão pouco, Laís Santos Araújo constrói todo um universo cinematográfico, marcado por ambientes decorados vividamente, pequenos movimentos de câmera. Há uma suntuosidade que emana de um domínio formal e transforma aquele pequeno drama familiar em algo brutal.

 

Quinze Quase Dezesseis (2023, Thais Fujinaga)

Precedendo o filme alagoano na programação, há um curta, que apesar de tratar de um tema quase batido no cinema brasileiro (uma jovem adolescente que começa a vivenciar as adversidades do mundo), consegue orquestrar um bom trabalho, pautado em corpos e suas relações. A protagonista, Tamiris, está angustiada em interpretar o papel principal numa adaptação de Shakespeare no colégio particular onde possui bolsa. 

 

Thaís Fujinaga toma o teatro como ponto de partida e propõe uma obra que se interessa acima de tudo por colocar os corpos em ação (o ato covarde do professor de Tamiris é emblemático neste sentido). Não à toa, acompanhamos a personagem em três atividades proeminentemente físicas na escola: dança, teatro e basquete. A relação de Tamiris com o seu melhor amigo, junto à cena final do filme, apresentam um desfecho belo para o curta.

 

A última vez que ouvi Deus chorar (2023, Marco Antônio Pereira)

O trabalho de um curta-metragista renomado, com participações e premiações em diversos festivais com seus outros trabalhos (desconhecidos ao crítico que aqui escreve), é oposto da concisão estética presente nos filmes de Araújo e Fujinaga. Não é um filme com um interesse narrativo evidente como os outros da sessão, não é nem mesmo um filme de roteiro. Os eventos da trama são confusos, a história é sobre uma menina trabalhadora rural que fica grávida — supostamente, como a sinopse do filme veio a informar, a personagem estaria carregando um filho de Deus.

 

A falta de clareza dramática não configura um problema em si, na medida em que a obra procura criar uma atmosfera sensorial e possui outros interesses. Há aqui um entendimento de cinema como uma atividade sensorial (no que se refere a uma dilatação do tempo, como no cinema de Apichatpong Weerasethakul, por exemplo, ou mesmo, em outro lugar do espectro, no campo das possibilidades técnicas audiovisuais, ao cinema de Christopher Nolan), mas diferente desses, A última vez que vi Deus chorar não busca nem a contemplação nem o estontear. Apresenta, ao invés disso, uma sucessão de imagens estanques.

 

(A última vez que ouvi Deus chorar de Marco Antônio Pereira)

 

Firmina (2023, Izah Neiva)

O primeiro filme da sessão - talvez por isso, inclusive, o mais fraco deles - é o que justifica a escolha do título do programa. Aborda a história de uma senhora, idosa, e pintora, que se encontra reclusa em seu apartamento, localizado na Avenida Paulista. Em determinado momento, Firmina, a protagonista, escuta gritos vindos de algum apartamento vizinho, sugerindo um caso de violência doméstica e iniciando uma série de frustradas tentativas da pintora de pedir socorro, “meter a colher” na briga.

 

Criticar um filme pelo seu roteiro, por mais escorregadio e ousado que possa vir a ser, em alguns casos é inevitável (sobretudo nos casos em que não há muito mais o que se falar). A tensão que “Firmina” tenta estabelecer se dá por uma espécie de isolamento que se configura no apartamento da personagem, sitiada, mas tudo ocorre de maneira muito conveniente. 

 

No primeiro momento do curta, quando um entregador leva uma encomenda para a protagonista, o porteiro do edifício pede para o rapaz subir, pois o interfone está quebrado. Ao contrário do que somos levados a pensar, não se trata de uma ameaça, e a figura do entregador é logo descartada (algo que com boa vontade pode ser lido como uma tentativa de desconstrução de certos lugares comuns). A cena serve apenas como uma forma do roteiro comunicar o defeito do interfone, o qual Firmina tentará usar no clímax do filme, sem sucesso. 

 

Logo na sequência, após receber a encomenda e fechar a porta, a senhora simplesmente joga a chave de casa dentro de uma caixa, o que mais tarde no filme vai acarretar no isolamento de Firmina, que não consegue sair de casa para pedir ajuda porque não sabe onde está a chave. E assim o filme sustenta a sua duração na inabilidade da personagem em lidar com a situação, apenas para concluir com uma mensagem aparentemente positiva, sobre a importância de interferir em situações de violência doméstica. São quinze minutos de filme para uma mensagem que o próprio panfleto colado na parede, ao final do curta, já era capaz de expressar. 

 

A Mostra Brasil 6, então, apresenta uma seleção variada de filmes unidos por um eixo temático frágil. É sabido que os temas e questões que uma obra cinematográfica toca e perpassa vão muito além do conteúdo de seu enredo, o que prejudica uma sessão que programa filmes que não possuem nada em comum senão, vagamente, o “assunto” de suas tramas. É uma sessão interessante, no entanto, pela possibilidade que oferece para o espectador contemplar e analisar diferentes formas de cinema - algumas mais, outras menos apuradas.

 

 

Biografia

Luiz Afonso Morêda é estudante de cinema e cineasta.

 

 

A cobertura do 34ª Festival Internacional de Curtas de São Paulo - Curta Kinoforum faz parte do programa Jovens Críticos que busca desenvolver e dar espaço para novos talentos do pensamento cinematográfico brasileiro.

Agradecemos à Atti Comunicação e Ideias e a toda a equipe da Associação Cultural Kinoforum por todo o apoio na cobertura do evento. 

Equipe Jovens Críticos Mnemocine: 

Coordenação e Idealização: Flávio Brito

Produção e Edição: Bruno Dias

Edição: Davi Krasilchik e Luca Scupino

Edição Adjunta, Apoio de produção e Transcrição das entrevistas: Rayane Lima