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Mostra Brasil XIII (Caminhos de Vida e Sobrevivência) | 34º Festival Internacional de Curtas Kinoforum

Mostra Brasil XIII (Caminhos de Vida e Sobrevivência) | 34º Festival Internacional de Curtas Kinoforum

Por Gabriela Saragosa

 

Intitulada “Caminhos de Vida e Sobrevivência”, a Mostra Brasil XIII apresenta a vivência brasileira nos mais diversos contextos, ao retratar os cotidianos de várias realidades.

 

 A curadoria de filmes da Mostra Brasil XIII ilustra a pluralidade brasileira. Retratando momentos-chave das vivências de diferentes personagens, tem-se um amplo panorama político. 

 

Remendo (2022), dirigido por Roger Ghil, abre a mostra. Os personagens enérgicos e o bom humor dos diálogos são os primeiros pontos que se destacam. Acompanhando o cotidiano de Zé, especialista no conserto de objetos antigos e quebrados, desenha-se um paralelo com a efemeridade da vida e a recusa em aceitá-la. O clímax se dá exatamente no momento em que é retratada uma simultaneidade entre passado, presente e futuro; uma das únicas maneiras de encontrar conforto frente à impotência humana diante do tempo. O filme retrata com beleza e delicadeza uma questão universal e tão antiga quanto a consciência. 

 

Procuro Teu Auxílio Para Enterrar um Homem (2023), dirigido por Anderson Bardot, coloca corpos oprimidos no protagonismo da história. Ambientada no século XIX, a contemporaneidade da narrativa retrata a recorrente resistência dos corpos marginalizados ao longo dos séculos. Corpos indígenas, ciganos, negros, mestiços e LGBTQIA+ enfrentam e alteram seus trágicos destinos, tomando o controle de suas próprias vidas. O simbolismo da crucificação anuncia a inevitável ressurreição dos grupos marginalizados, não importa quantas vezes caiam. Numa decisão inteligente, a incomum combinação dos temas (particularmente o tema queer) e do momento histórico potencializa a premissa da transgressão.

 

(Procuro Teu Auxílio Para Enterrar um Homem, Anderson Bardot)

 

Feira da Ladra (2023), dirigido por Diego Migliorini, aborda o tratamento dos idosos no Brasil. Após a suspensão de sua aposentadoria, Sara começa a montar feirinhas para vender os seus pertences, inventando histórias extraordinárias para cada um dos objetos. Através de uma protagonista divertida, Feira da Ladra consegue explicitar a solidão e o desprezo pelos idosos. A reforma da previdência deixa Sara desamparada, sua única companhia é uma de suas filhas, já que discutiu com outros membros da família, e ninguém parece, de fato, interessado no conhecimento que ela pode transmitir: a história, que no passado ela lecionava. Ninguém parece valorizar as histórias que ela atribui aos seus objetos. E quanto mais pertences Sara vende, mais solitária fica sua casa. 

 

LYB (2023), dirigido por Felipe Poroger, habilmente expõe as raízes do neonazismo no Brasil e as brechas que permitem a sua expansão. Uma jovem é agredida na rua, talham um símbolo em seu corpo e não levam nenhum de seus pertences. A jovem é judia e o símbolo é uma suástica. A situação é tão objetiva que a análise do perito criminal parece uma mera formalidade. No entanto, ele firmemente declara à mãe da jovem: não se trata de uma suástica. Quinze graus de inclinação separam o símbolo budista do amor do símbolo de ódio mais conhecido do mundo. A cumplicidade nazista que se revela no cinismo da fala do perito e a fingida ingenuidade na afirmação de que eventos que ocorriam na Alemanha dos anos 1930 não ocorrem no Brasil atual são os espaços onde o neonazismo discretamente encontra força para se expandir. Enquanto a menina agredida continua no hospital com a sua mãe, seus irmãos, em casa, tentam dormir em meio aos gritos da bisavó que tem um pesadelo; cena que soa como lembrança de que a agressão da neta é a permanência de uma dor do passado nunca realmente superada. 

 

Concluindo a seleção, Pulmão de Pedra (2023), dirigido por Torquato Joel, concentra-se na vida daqueles que, no mais infeliz paradoxo, abrem mão da própria saúde em nome de sua própria sobrevivência. O garimpeiro Joãozinho esclarece que seu trabalho, a longo prazo, é mortal. A poeira aspirada gera danos irreversíveis aos pulmões. A atmosfera de solidão e angústia do trabalho são enfatizadas pelo barulho das batidas que ecoam no silêncio e pelo ambiente monocromático, cinza e rígido. Numa homenagem, Joãozinho cita os nomes de outros garimpeiros que morreram sem ar na busca de seu próprio sustento. Pulmão de Pedra é um desconfortável lembrete das condições insalubres às quais milhares de brasileiros são obrigados a se sujeitar; um lembrete de todos que, nas palavras de Joãozinho, são vítimas de suas próprias necessidades.

 

A Mostra Brasil XIII oferece um recorte das abordagens cinematográficas atuais a respeito de grupos marginalizados, ilustrando diversas formas de violência presentes em seus diferentes cotidianos. Desde a peculiar rotina de uma senhora aposentada até a fantástica reimaginação histórica do Brasil Império, tem-se uma dimensão surpreendentemente ampla de diferentes realidades brasileiras, mantendo em evidência o tema “Caminhos de Vida e Sobrevivência”.

 

 

Biografia:

Gabriela Saragosa é estudante de Cinema no Centro Universitário Armando Alvares Penteado (FAAP), com experiência nas áreas de pesquisa, roteiro, direção, produção e direção de arte.

 

 

A cobertura do 34ª Festival Internacional de Curtas de São Paulo - Curta Kinoforum faz parte do programa Jovens Críticos que busca desenvolver e dar espaço para novos talentos do pensamento cinematográfico brasileiro.

Agradecemos à Atti Comunicação e Ideias e a toda a equipe da Associação Cultural Kinoforum por todo o apoio na cobertura do evento. 

Equipe Jovens Críticos Mnemocine: 

Coordenação e Idealização: Flávio Brito

Produção e Edição: Bruno Dias

Edição: Davi Krasilchik e Luca Scupino

Edição Adjunta, Apoio de produção e Transcrição das entrevistas: Rayane Lima