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"Não estou lá" de Todd Haynes

Seis atores à procura de um personagem

por Carlos Augusto Brandão


“Não Estou Lá”, de Todd Haynes é um misto de ficção e documentário sobre um ícone da música folk, o lendário cantor e compositor Bob Dylan.

Por sinal, esse já é o terceiro filme retratando Dylan. Em 1967 D. A. Pennebaker realizou Don’t Look Back, sobre um tour do artista, que incluiu também a engajada Joan Baez e Donovan; e em 2005 Martin Scorsese lançou No Direction Home, documentário que procura cobrir um período da carreira de Dylan de 1961 a 1966.

Mas a forma idealizada por Haynes para realizar a cinebiografia do cantor foge totalmente ao convencional. A começar pela inusitada experiência de apresentar o personagem interpretado por seis atores, de acordo com as diversas fases e aspectos de sua vida.

Heath Ledger – que morreu recentemente – é o ator Robbie; Richard Gere interpreta o pistoleiro Billy the Kid; Christian Bale é o pastor John; o estreante Marcus Carl Franklin é Woody Guthrie, um violonista negro; o novato Ben Whishaw interpreta Arthur, um jovem renegado, que representa Dylan, sob a influência do poeta francês Arthur Rimbaud; e Cate Blanchett é o astro do rock Jude, vivendo brilhantemente Dylan numa fase de mudanças de sua vida quando teve problemas com a mídia ao aderir ao rock amplificado. O papel rendeu a Blanchett o prêmio de melhor atriz em Veneza, onde o filme também ganhou o Prêmio do Júri.

Conduzir a trama dessa forma, resulta numa experiência bastante inovadora porque lida com os diversos personagens fictícios traçando um paralelo com a trajetória de Dylan, que inclui suas canções de protesto nos anos 60, detalha a fase em que foi acusado de se vender à música comercial e expõe até sua conversão em pastor evangélico nos anos 70.

Ao escolher seis atores para interpretar diversos momentos da trajetória de Dylan, Haynes procura também mostrar que ele é um artista em constante transformação. As várias fases de sua vida são expostas com toda a complexidade e contradições que ela tem, ao invés de seguir o viés tradicional das cinebiografias que costumam ser bastantes mais limitadas.

Conforme declarou em entrevistas, a única preocupação do diretor era que as pessoas – principalmente as novas gerações que não acompanharam a vida do artista – tivessem dificuldades de reconhecê-lo na história.

Mas até nisso o filme marca pontos ao mostrar como Dylan ajudou a construir a história e os acontecimentos políticos dos anos 60 e, da mesma forma, recebeu uma profunda influência da época que foi um cenário fundamental para a criação do seu estilo musical.

O título original da produção vem de uma canção pouco conhecida do cantor, composta na ocasião e inserida no álbum The Basement Tapes, gravado em 1967.

Não é demais lembrar ainda que a forma original de realizar uma cinebiografia não é novidade na carreira de Haynes. Em 1998, ele dirigiu Velvet Goldmine, no qual retratava o inglês Brian Slade, num musical inspirado nos astros do glam rock dos anos 70.

Velvet Godmine já começa com nada menos do que Oscar Wilde ainda criança em Dublin, anunciando que um dia seria ídolo pop. Daí segue para uma viagem extravagante e psicodélica de sons e cores, e que acaba com naves de extraterrestres navegando pela tela.

Nessa estrutura aparentemente desconexa, Haynes construiu um filme de excepcional qualidade, além de documentar o universo do glam rock e a vida de Brian Slade.

Da mesma forma agora, Haynes optou por uma forma inovadora, criativa e, acima de tudo, extremamente corajosa para retratar Dylan, uma figura que já se tornou praticamente um mito no complexo universo da arte musical.