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A exibição cinematográfica em São Carlos

Este trabalho é parte integrante da pesquisa O MERCADO EXIBIDOR EM SÃO CARLOS E O CINEMA BRASILEIRO, que objetivou realizar um panorama do mercado de exibição atual, atentando para sua relação com o espaço para os filmes nacionais e sua recepção na cidade.

 

por Vivian Malusá

O texto aqui apresentado é um subproduto que surgiu da necessidade de se resgatar a trajetória histórica da exibição local, a fim de gerar subsídios para a compreensão da atual conformação deste mercado. Através do levantamento em antigos jornais (1932-1994), da entrevista com um pesquisador e de textos de um escritor memorialista da cidade foi possível traçar esse breve histórico, que atenta, sobretudo, para as mudanças na configuração do mercado exibidor.

HISTÓRICO DA EXIBIÇÃO EM SÃO CARLOS

Como não havia nenhuma publicação acadêmica que tratasse especificamente desse tipo de histórico na cidade e que permitisse a consulta de dados, se fez necessária uma pesquisa que desse embasamento à reconstituição. Os dados foram retirados de jornais de variadas épocas, de textos de um escritor da cidade e do relato de um pesquisador local. O conjunto dessas informações, mesmo que não reconstrua a história com toda a complexidade desejada, contribuem para mostrar a evolução das salas de exibição na cidade e da presença do cinema como um todo.

A primeira sessão de cinema na cidade ocorreu a dez de outubro de 1897 - apenas um ano após a chegada do Omniografo ao Rio de Janeiro - no Teatro São Carlos, que havia sido fundado 5 anos antes . Essa exibição foi programada pelo francês Faure Nicolay, que esteve no local com sua companhia de variedades e com um cinematógrafo próprio. Segundo o pesquisador Júlio Roberto Osio, da Fundação Pró-Memória, órgão ligado à prefeitura da cidade, esse teatro foi sendo transformado em uma sala específica para cinema, tornando-se o Cine São Carlos, que funcionou até a década de 70, quando foi demolido. No entanto, Sr. Nicola Gonçalves, escritor da cidade, em um de seus livros de cunho memorialista, diz que “os primeiros cinemas que foram construídos em São Carlos tiveram curta duração. Eram eles o Politheama e o Colombo, ambos do tempo dos filmes mudos” . Os dois podem ter razão, já que não se sabe ao certo em quanto tempo o Teatro São Carlos foi transformado em cinema, ou quando exatamente essas duas salas foram criadas.

O Sr. Osio acredita que o Politheama, que se situava à Rua Major José Inácio, no Centro, foi criado na década de 20, no início programando outros espetáculos também. Na década de 30 e 40 houve uma grande reestruturação, e ali passou a funcionar o Cine São Paulo, depois Cine Progresso, que foi demolido posteriormente, dando lugar, na década de 70, aos Cines Estúdios I e II.

Segundo Sr. Gonçalves, o Cine São José, que ficava localizado na Rua Nove de Julho, ainda próximo à região central, também foi criado na década de 20 e funcionou durante 50 anos. Ele diz ainda que este cinema e o Cine São Carlos eram propriedades da mesma Empresa Teatral Paulista, porém, em geral, o público do São José tinha um poder aquisitivo menor em relação aos freqüentadores do outro, sendo formado principalmente por estudantes e operários, que podiam pagar pelo ingresso de valor mais acessível. O Cine Colombo teria funcionado anteriormente, se não no mesmo local, em lugar próximo, no largo da Igreja de São Benedito .

Na região central, havia ainda o Cine Avenida, que foi criado na década de 50, na avenida São Carlos, e o Cine São Sebastião, ao lado da igreja de mesmo nome, na Rua Carlos Botelho. O Cine Jóia se situava em um bairro mais afastado do centro, na Vila Prado, e era também freqüentado por pessoas de menor poder aquisitivo, geralmente operários e estudantes; assim como o Paratodos, criado em 1951, na Vila Prado, e que funcionou até 1958, quando houve um desabamento .

A pesquisa em jornais possibilitou dados mais palpáveis com relação aos cinemas que existiram na cidade e sua programação, o que não descarta a possibilidade de terem existido outras salas de menor porte cuja programação não era divulgada . O jornal mais antigo no qual se baseia este texto data de 01 de janeiro de 1932. O Correio de São Carlos mostra que na época existiam dois cinemas na cidade, os “Theatros São Carlos e São José”, como já foi visto, de propriedade da “Empresa Theatral Paulista” . Nessas salas havia dois tipos de sessões: as vesperais, com exibição de filmes diferentes em cada sala, e as noturnas, com a exibição do mesmo filme nas duas salas (S. Carlos, às 19h30 e 21h e S. José, às 20h15). A grande maioria dos filmes era de procedência norte-americana (muitos da Paramount), todos sonorizados por discos, com programação diferenciada a cada dia – apenas na segunda-feira os filmes eram reprises dos de domingo. Existiam também sessões especiais para moças, que em geral faziam parte das vesperais. Também era comum a programação de seriados.

A publicidade dos filmes no jornal é marcante, pois além das propagandas de meia página (se o filme fosse mais famoso, uma página), com comentários a respeito deles, existiam notas que comentavam o aspecto de produção, o tema e a tecnologia desses filmes, por exemplo.
Os preços dos ingressos variavam muito, de acordo com o horário da sessão, do tipo de assento e do espectador (homem, mulher ou criança). Abaixo, um exemplo de preços para as sessões de Alvorada de Amor (The Parade, Ernst Lubistch, 1929), com o astro aclamado na época, Maurice Chevalier. Fugindo da regra geral, este filme só foi exibido no Cine S.Carlos.

“Preços:
1a. Sessão
Poltronas.....3$500
½ Entradas..1$500
Geral...........1$500
Frizas e Camarotes..15$000 (Com direito a 5 pessoas)

2 a. Sessão
Poltronas.....2$300
½ Entradas..1$200
Geral...........1$200
Frizas e Camarotes..10$000 (Com direito a 5 pessoas)”

Havia diferença também, como já foi citado, no valor dos ingressos para as sessões do Cine São Carlos e do São José. Em 1937, por exemplo, a tabela de preços era a seguinte, de acordo com os horários: “São Carlos: 1$500 1$000; São José: 1$200 $600”, para os seriados, em geral exibidos à tarde, as entradas eram mais baratas .

O cinema na cidade estava vinculado a um certo tom de glamour comum na época, as salas eram muito grandes e existiam as vesperais dançantes, com a presença de bandas de jazz após a sessão normal. Havia também a “grandiosa vesperal carnavalesca cine-dansante” ou o “grandioso baile carnavalesco” – “programa familiar” com início às 22h. Ainda neste ano houve a inauguração da pista de patinação do São José, que era “como as da capital” e o local passou a se chamar “Rink – Theatro São José” . Isso mostra a situação dos filmes no cinema, que eram tratados como parte de uma programação maior. O fato de ser reiterado com freqüência o caráter familiar da programação geral, e de haver sessões vesperais especiais para moças, ilustra o conservadorismo da sociedade da época e o moralismo com que os exibidores pretendiam que o cinema fosse reconhecido, além de ser, possivelmente, uma tentativa por parte deles de conquistar um público ainda arredio aos cinemas, vistos como locais onde haviam furtos e estupros.

No ano de 1932, aconteceram algumas exibições de filmes nacionais, entre eles, Campeão de Futebol (Genésio Arruda, 1931), um “film nacional todo fallado” e Coisas Nossas (Wallace Downey, 1931), que mereceu uma matéria acerca de sua técnica, pois foi o “primeiro filme nacional totalmente sincronizado e realizado nos padrões americanos”:
“O Maior Film Brasileiro
´Coisas Nossas`
Com o maior elenco artístico do Brasil
Todo fallado em Portuguez”.

Os jornais da década de 1940 divulgavam os nomes dos complementos nacionais que seriam exibidos antes de cada filme de longa-metragem, de acordo com a lei de obrigatoriedade do curta-metragem, de 1932. Entre esses curtas estavam Bicho da Seda em São Paulo, produzido pela Cooperativa, e os cine-jornais Jornal da Tela, Síntese do Dia, Imagens do Brasil. Ainda há a cobertura apenas da programação dos Cines S. Carlos e S. José, o qual neste ano exibe vários filmes da Atlântida, como Romance de um Mordedor (José Carlos Burle, 1944) e Fantasma por Acaso (Moacyr Fenelon, 1946). A novidade cinematográfica eram os filmes coloridos pelo método Tecnicolor .

A partir da década de 50, outros cinemas são abertos, como o Cine Teatro do SESI, que fazia exibições esporádicas com entrada gratuita, situado na Vila Prado, o Cine São Paulo e o Cine Teatro Avenida, cuja maior inovação era a tela panorâmica. Os dois antigos cinemas continuam em funcionamento .

Em meados da década de 1960, o Cine São José deixou de funcionar. O Cine São Carlos e o Avenida continuavam, o Cine São Paulo tornou-se Cine Progresso, e o Cine Jóia era inaugurado. Nesta época, a programação de televisão ocupa mais espaço que a de cinema nos jornais, os horários e preços das sessões não são divulgados e os filmes ficam em média dois dias em cartaz - em sua grande maioria, são películas norte-americanas, apesar do sucesso de filmes com Roberto Carlos .

Dez anos depois, apenas o Cine São Carlos continuava a fazer exibições. Havia duas sessões noturnas (19h45 e 21h30) e, esporadicamente, vesperais. A sensação era os filmes em terceira dimensão, para se ver com óculos especiais. As películas passaram a ficar por mais de uma semana em cartaz, dependendo do sucesso de público e os filmes nacionais tinham certo espaço nas telas, principalmente os mais populares e de apelo histórico ou religioso, como As Duas Lágrimas de Nossa Senhora da Aparecida (Nelson Teixeira Mendes, 1972).

Vale ressaltar ainda que os cineclubes, que exibiam filmes pouco comerciais, também fizeram parte da vida cultural de significativa parte da população. Além disso, a cidade foi sede, até 1976, do Festival Internacional de Cinema de Curta Metragem, que contava com a participação de vários países, e do Festival de Cinema Brasileiro, na mesma época, co-patrocinado pela Embrafilme e que teve a participação do consagrado crítico Paulo Emilio Sales Gomes .

Em sua dissertação de mestrado defendida em 1983, José Sidney Leandro traça, num dos capítulos, a situação do mercado exibidor à época, contabilizando os cinemas ainda existentes na cidade. O quadro exibidor era o seguinte: “os Cines Estúdios I (700 lugares) e II (400 lugares) com uma programação normal de filmes comerciais predominantemente norte-americanos (UIP-Warner, Fox, etc.), localizados na parte mais central da cidade e de maior movimentação noturna; o cine Avenida, (1.200 lugares) com programação, sobretudo, de pornochanchadas nacionais, localizado na parte de maior comércio da cidade, porém com movimentação noturna relativamente pequena e o Cine Jóia (900 lugares), que só funciona nos fins-de-semana e fica situado num bairro operário)” .

Já em julho de 1985, o jornal O Diário divulga apenas a programação dos Cines Estúdios I e II – não há dados sobre outros cinemas, mas é provável que existissem salas menores em funcionamento, porém com uma renda que não permitia a divulgação de seus programas em jornais. As sessões funcionavam da seguinte maneira, às 20h (normal) e às 22h (especial), na medida em que as sessões especiais do Estúdio II eram exibições de filmes pornográficos, brasileiros em geral. Às quartas-feiras havia a “Sessão Maldita”, promovida pelo setor cultural da UFSCar no horário da especial do Estúdio I, na qual eram programados filmes de maior qualidade artística, em geral de outras cinematografias que não a norte-americana, com discussão a respeito após cada sessão, a fim de promover a difusão cultural através do cinema (havia também a “Sessão Brasil”, com a exibição de filmes nacionais). É importante que se saiba que o exibidor não contribuía apenas com o espaço físico, mas também no que dizia respeito à procura, junto ao distribuidor, dos filmes listados pelos organizadores dessas sessões, apesar da dificuldade em se encontrar as tais obras .

Em 1994, porém, apenas um dos cinemas ainda estava em funcionamento, o Cine Estúdio I, que ainda programava a Sessão Maldita, em seus últimos dias. Nesta época há muitos cineclubes com programação em vídeo. O Shopping Center Iguatemi ainda não havia sido inaugurado, portanto suas salas de cinema ainda não existiam e o SESC ainda não exibia filmes em película.

Atualmente, existem na cidade quatro salas de cinema que exibem filmes em película. O Cine Iguatemi, fundado há cerca de 8 anos, conta com três salas no shopping, e o SESC faz exibições em película nos finais de semana. O Cine-clube CDCC, vinculado a USP, exibiu filmes em 16mm até dezembro de 2003, deixando a atividade por questões financeiras.

CONCLUSÕES/ CONSIDERACÕES

Os dados aqui expostos são pioneiros na medida em que trabalha numa linha diferenciada da maioria existente com relação à história do cinema no Brasil: não é um estudo calcado na linguagem cinematográfica (o que tem méritos claros, porém é importante que não seja esse o único tipo de abordagem) e menos ainda um estudo generalizante, visto que o objeto é bem delimitado, a cidade de São Carlos, o que permite trazer a tona particularidades não só do parque exibidor local, mas do desenvolvimento da própria cidade.

Essa pesquisa pode ser o ponto de partida para outras, tanto no que diz respeito a relações -econômicas, sociológicas, entre outras-, são dados como a existência de cinemas direcionados para um público operário até meados do século XX, ou a importância do cinema alternativo da década de 1970, para uma cidade cuja grande parte da população é composta por estudantes universitários; ou ainda, abrir um campo para esse tipo de pesquisa em outras cidades e regiões do Brasil, a fim de se formar “histórias” do cinema e não uma única e geral história do cinema brasileiro.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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JORNAIS:

A Folha, São Carlos, 04 jan. 1966.
A Folha, São Carlos, 18 jan. 1966.
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A Tribuna, São Carlos, 04 nov. 2004.
Correio de São Carlos, 01 jan. 1932.
Correio de São Carlos, 04 jan. 1956.
Correio de São Carlos, 05 fev. 1932.
Correio de São Carlos, 05 jan. 1937.
Correio de São Carlos, 08 fev. 1948.
Correio de São Carlos, 10 jan. 1932.
Correio de São Carlos, 11 fev. 1932.
Correio de São Carlos, 15 jan. 1937.
Correio de São Carlos, 16 jan. 1932.
Correio de São Carlos, 17 jan. 1932.
Correio de São Carlos, 19 jan. 1932.
Correio de São Carlos, 20 jan. 1932.
Correio de São Carlos, 23 fev. 1932.
Correio de São Carlos, 23 jan. 1932.
Correio de São Carlos, 24 fev. 1932.
Correio de São Carlos, 27 fev. 1932.
Correio de São Carlos, 27 jan. 1932.
Correio de São Carlos, 29 jan. 1932.
Correio de São Carlos, 31 jan. 1932.
Primeira Página, São Carlos 01 jun. 1994.
Primeira Página, São Carlos 26 jun. 1994.
Primeira Página, São Carlos 06 set. 2003
Primeira Página, São Carlos 07 nov. 2003
Primeira Página, São Carlos 15 ago. 2003
Primeira Página, São Carlos 19 set. 2003
Primeira Página, São Carlos 22 ago. 2003
Primeira Página, São Carlos 26 out. 2003
Primeira Página, São Carlos 26 set. 2003
Primeira Página, São Carlos 29 ago. 2003
O Diário, São Carlos, 03 jul. 1985.


RELATOS PESSOAIS:

José Braz Mania, 24 ago. 2004.
José Saffioti Filho, 05 out. 2003.
Julio Roberto Ósio, 12 mar. 2004.
Rosana Guillermina Fenero, 16 dez. 2003.


publicado em 10/06/2005