Humberto Mauro - Nacionalismo e ares de neo-realismo na década de 30

Não foi por ingenuidade que Humberto Mauro, cuja morte em Volta Grande MG, em 1983, completa 22 anos em 5 de novembro, concluiu nos anos 60 que até poderia ser considerado “um precursor do neo-realismo”. Logo após Ganga Bruta, integrante do chamado Ciclo de Cataguases, que o faz experimentar um fracasso, só superado com as descobertas do Cinema Novo a partir de 60, Mauro se dedica a alguns documentários (entre esses destaque-se Como se Faz Um Jornal, primeiro no gênero nacional sonoro, como aponta Sheila Schvarzman (in H. Mauro e as Imagens do Brasil, Unesp, 2004), e a seguir, por inspiração de Adhemar Gonzaga, os musicais: A Voz do Carnaval e Favela dos Meus Amores (1932 e 1935).

O primeiro com argumento de Joracy Carmargo contém musicas de Lamartine Babo, Noel Rosa, Carlos Braga e até uma participação de Carmem Miranda. Segundo Schvarzman (op.cit pág.86), ali está a implantação, do que se pode chamar “filmusicarnavalesco”, um filão explorado pelo cinema brasileiro no período, derivando para os filmes musicais e as chamadas chanchadas”.

Mas Favela dos Meus Amores (1935), não é só uma demonstração paisagística, turística folclórica. Favela desperta o interesse da intelectualidade de esquerda, devido ao chamamento do filme para a miséria que sempre reinou nos morros. O argumento era de Henrique Pongetti, o mesmo que tachara Mauro há pouco tempo de Freud de Cascadura, devido as suas incursões psicanalíticas em Ganga Bruta. As musicas são de Ary Barroso, Custodio Mesquita, Orestes Barbosa, Silvio Caldas. A filmagem foi quase que inteiramente no Morro da Providencia, na Saúde, Rio, e por essa razão, H. Mauro diria na década de 60, que tal autenticidade poderia razoavelmente lhe colocar como “precursor do neo-realismo italiano”.

Houve inclusive, devido aos tempos de ditadura, uma ida de Mauro à polícia para se “enquadrar”, pois ”numa cena importantíssima, que a censura queria cortar, alegando que mostrávamos muitos pretos, era triste demais. Foi uma luta tremenda, mas consegui que o filme permanecesse intacto” (Alex Viani - H. Mauro Sua Vida Sua Obra, Ed. Artenova, 1978) “Imaginem que o sujeito da polícia achou que era coisa de comunista. Logo eu, católico, apostólico, romano praticante” (diria Mauro com seu ar gozador).

Mas a pagina principal de Favela dos Meus Amores, porém foi sua acolhida na trincheira da intelectualidade da esquerda brasileira, que montada nos seus principais expoentes dos diversos ramos das artes, já empregava uma luta surda contra o autoritarismo reinante. Não obstante, como soube discorrer muito bem Sheila Schvarzman, Humberto Mauro, jamais deixou se envolver abertamente nessa luta, ou jamais permitiu que a sua paixão nacionalista, que viria encontrar logo, na pessoa de Roquete Pinto, um autêntico protetor, descambasse para partidarismos ou qualquer outro tipo de envolvimento político. Mesmo a afirmação de Mauro, de que seria um precursor do neo-realismo, carregava suas costumeiras metáforas? Pode ser que sim, uma vez que a autora citada sugere com muita convicção, que não foi sem sentido sua afirmação, sobre sua viagem à Itália em 38: ”Dei entrevista na Itália explicando que, enquanto nós fazíamos Favela dos Meus Amores, eles mostravam elefantes em Cipião, o Africano ou filmavam Os últimos Dias de Pompéia. Nós queríamos conhecer a vida na Itália como ela é.” (op. cit. pag. 91)

Disso tudo, como ainda mostra a autora, dessa semelhança com Gilberto Freire, e seu desejo de integrar o negro à cena social brasileira, fato até então inédito em nosso cinema, faz brotar um neo-realismo próprio, maureano. São irmãos em ideais, Di Cavalcanti, José Lins do Rego, e mais tarde, Graciliano Ramos – Jorge Amado, um escritor despontante, mas com ares de grande, acha o filme notável - dessa simbiose foi feito assim, Favela dos Meus Amores.


Data de publicação: 26/01/2006