"The Foundations of Classical Hollywood"

Parkinson, David. History of Film. Capítulo dois: "The Foundations of Classical Hollywood" - Editora Thames e Hudson, 1995. (pgs. 23 a 50) - Tradução por Carla Miucci Ferraresi

Os Alicerces da Hollywood Clássica

D.W. Griffith, produtor de todos os grandes sucessos da Biograph, revolucionou a arte cinematográfica e lançou as modernas técnicas da sétima arte. Entre as inovações introduzidas por ele e hoje geralmente seguidas pelos mais modernos produtores estão os planos médios e close-ups, os grandes planos gerais como aqueles vistos em Ramona, zigzags de câmera, elementos de suspense, o fade-out, planos fechados na expressão dos atores, colocando a atuação cinematográfica em um patamar conhecido como verdadeiramente artístico.

 

Neste contexto, Griffith (1875-1948) pôs um anúncio de página inteira no New York Dramatic Mirror para marcar sua saída da famosa companhia Biograph e seu ingresso na recém fundada Mutual, em 19132 . Poucos reconheceriam, então, o severo teatrólogo que, ao ver um filme pela primeira vez em 1905 declarou que "qualquer homem que apreciasse tal coisa deveria ser baleado" e que ao ter sua adaptação da Tosca rejeitada, atuou no filme Rescue From an Eagle's Nest de Porter em 1907 (como Lawrence Griffith) só para escapar da miséria.

Esse começo torna todas as contribuições de Griffith ainda mais memoráveis; de fato, são sem paralelos na emergência de qualquer forma de arte. Nos 450 singulares filmes dirigidos ou supervisionados por ele entre 1908 e 1913, Griffith moldou os elementos básicos da produção cinematográfica, na linguagem e sintaxe que serviria ao cinema por mais de meio século. Nas palavras de Erich von Stroheim, que passou de figurante a assistente de direção sob Griffith, ele "colocava beleza e poesia num tipo de entretenimento vulgar e de mau gosto". Durante uma boa parte desse período, Griffith esteve completamente inconsciente de que transformava a expressão cinematográfica. Paradoxalmente, o "pai da técnica cinematográfica" não era um inovador. Ele intuitivamente refinava e propagava os métodos cinematográficos existentes, aos quais ele agrupava conceitos da arte Vitoriana, da literatura e do teatro, a fim de contar suas estórias de um modo mais eficiente.

 

Cinco anos depois após seu "debut" como diretor, Griffith tornara-se um mestre em cinema. Apesar de The Adventures of Dollie (1908) ser uma mistura incongruente de realismo e melodrama clichê, há uma instintiva fluidez e simetria na narrativa. Griffith o compôs cuidadosamente de forma a usar todo o quadro, além de frequentemente trabalhar com campos focais mais profundos e planos longos para reforçar a carga dramática. Ele cortava durante toda a ação, permitindo que o contexto narrativo determinasse a colocação da câmera e o instante do corte, como também usou os salvamentos na última hora que, além de virem a se tornar marca registrada, foram particularmente notáveis por seu ritmo e consistência em composição de tela.

 

A carga pesada de trabalho de Griffith deu a ele amplas oportunidades para experimentalismos com gramática e retórica cinematográfica. Além de explorar o potencial dos "flashbacks", dos ângulos planos e das distâncias da câmera; seus primeiros filmes também mostravam que planos individuais eram frases cinematográficas que poderiam ser editadas em sequências lógicas sem, no entanto, haver uma lógica dramática concreta a uni-las. O filme The Lonely Villa (1909), por exemplo, contém 52 planos separados que em apenas 12 minutos injetam ritmo e tensão ao cenário de Mark Sennet. Quando os chefes da Biograph perguntaram a Griffith se as platéias se familiarizariam com esta técnica narrativa, ele respondeu: "mas Dickens não escreve deste jeito?". Sua representação de eventos paralelos e emoções em termos puramente cinematográficos foi precursora da "montagem por atrações" de Eisenstein e da "câmera subjetiva" de Murnau. Do mesmo modo, suas metáforas visuais anteciparam as teorias de Soviet sobre "montagem associativa ou intelectual".

 

Cada filme trazia uma nova sofisticação. Em A Corner in The Wheat (1909) proclamou-se uma crescente preocupação com o conteúdo de cada fotograma, com sua mise-en-scene. Para complementar seus ambientes naturalistas, Griffith lançou mão de fundos pintados e de objetos de cena domésticos a fim de criar ângulos, moldar e aprofundar o quadro. Trabalhando próximo ao diretor de fotografia G.W.Billy Bitzer (1872-1944), ele transformou os movimentos verticais e/ou horizontais de câmera e as pistas cênicas de Porter em formas decifráveis de expressão, mesmo ao alternar com planos alinhados como em The Lonedale Operator (1911). Iluminação artificial foi usada para simular luz de fogo em The Drunkard's Reformation (1909), mas em Pippa Passes (também de 1909, porém 68 filmes depois) Griffith empregou o que veio a ser chamado de "iluminação Rembrandt" como um recurso narrativo e dramático. Técnicas gráficas como fusões , fades, etc., eram usadas com finalidades narrativas, enquanto que divisões de quadro e "desfocamentos" eram usados parcamente para se atingir impacto adicional.

 

Griffith também transformou a arte de representar para a tela, instituindo ensaios. Ciente de que a câmera poderia potencializar mesmo o mais leve gesto ou expressão, ele insistia em restringir-se em a uma série de movimentos e maneirismos que denotavam claramente certas emoções, traços de personalidade e estados emocionais. Ele invariavelmente montava seu elenco de modo a servir a tipos físicos específicos, além de ter montado um time que contava com os maiores nomes da era muda do cinema, incluindo Lilian e Dorothy Gish, Mary Pickford, Blanche Sweet, Lionel Barrymore, Donald Crisp, Henry B. Walthall e Wallace Reid.

 

Normalmente se faz vista grossa à versatilidade de Griffith em seus filmes de curta metragem (1 rolo). Além de melodramas, thrillers e adaptações literárias, ele dirigiu alegorias religiosas (The Devil, 1908), Èpicos (1776,1909), contos morais (The way of The World, 1910), romances rurais (A Country Cupid, 1911), comentários sociais (The Musketeers of Pig Alley, 1912), sátiras (The New York Hat, 1912) e westerns (The Battle of Elderbush Gulch, 1913). Todo esse processo criativo deu ao cinema um novo respeito social e intelectual, mas apesar destas realizações, Griffith permaneceu desconhecido.

 

Por volta de 1913, Griffith se convenceu que sua expressão da verdade só poderia ser satisfatoriamente exposta em filmes de maior duração. Outra vez, construiria sobre os alicerces firmados por outros. O primeiro longa metragem, The Story of Kelly Gang foi feito na Austrália em 1906 por Charles Tait, mas a ambição de Griffith foi impulsionada pelo "filme de arte" francês Queen Elizabeth (1912) e pelo Èpico italiano Quo Vadis? (1913). Furioso com o fato de seu Enoch Arden de 1911 ter sido lançado em partes separadas, Griffith pôs-se a trabalhar secretamente nem espetáculo bíblico de quatro rolos, Judith of Bethulia em 1913.

 

Com um custo sem precedentes de US$ 18.000, o filme ressalta todas as forças e fraquezas de Griffith como diretor. Cenários e figurinos eram cuidadosamente autênticos, o desenvolvimento da narrativa, bem amarrado e as atuações excepcionais. A edição, principalmente a das cenas de batalha, onde a ação da massa nunca suprimia a dramaticidade do indivíduo, colaborou poderosamente com o que Eisenstein chamaria como "o valor chocante de imagens contrastantes". Uma vez na luta por reconhecimento e posição, Griffith descartou experimentalismos e, consequentemente, expôs sua falta de profundidade intelectual. Sua visão limitava-se a seus preferidos melodramas planejados, que ele considerava "grande arte". Logo, sentimentalismo, preciosismo e ingenuidade política permeariam muito do seu trabalho posterior, incluindo seus filmes mais conhecidos The Birth of a Nation (1915)5 e Intolerance (1916).

 

Tudo o que Griffith aprendeu durante seu noviciado no cinema esteve em The Birth of a Nation, sua adaptação para os romances sobre a Guerra Civil de Thomas Dixon, em The Leopard's Spots e em The Clansman; cinematograficamente há muito a se admirar: a reconstituição de época, a precisão histórica, a fotografia noturna, o uso de matizes de cor e o pioneiro controle poderoso da edição, que uniu 1544 planos separados em uma narrativa bem amarrada. Acima de tudo, no entanto, pairava a intolerância racial do filme, que colaborou para a ressurreição da moribunda Ku Klux Klan e gerou uma tempestade de protestos. The Birth of a Nation foi ainda um enorme sucesso comercial, cobrindo seus custos em apenas dois meses. Griffith investiu boa parte dos lucros na sua magoada resposta às reações adversas, Intolerance.

 

Entrelaçando quatro narrativas ao longo de 2500 anos, Griffith procurou mostrar como que a verdade foi sempre ameaçada pela hipocrisia e injustiça, mas ele acabou frustrado pela inconsistência temática e pelo idealismo de suas soluções. Entretanto lá estavam muitos destaques cinematográficos: o plano sequência do enorme cenário babilônico, as cenas de batalha, os momentos de detalhismo íntimo entre grandes movimentos majestosos de câmera - abstratos ou figurativos - e montagem, que unificava as sequências individuais. As platéias, no entanto, ficaram confusas com o estilo, alheias as suas exortações e Griffith passou o resto de sua carreira pagando por seu fracasso. Sufocado pelo studio system seu trabalho foi tornando-se convencional, antiquado e apesar de bons filmes como Broken Blossoms (1919) a Orphans of The Storm (1922), surgiram tendências à repetição e sentimentalismo. O último filme de Griffith, The Struggle (1931), foi um fracasso, o que o forçou a se exilar de Hollywood por 17 anos. Afrontado pela mídia mesmo tendo contribuído tanto para a conformação dos costumes da época.