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Primeiro Cinema em Aracaju-SE

Quem me chamou a atenção para o texto que os leitores tomarão contato foi o livro de Ary Bezerra Leite sobre os exibidores ambulantes que circularam pelo Brasil no final do XIX e no primeiro decênio do século XX, aproximando os nacionais da novidade da imagem em movimento...

Vários nomes citados na (incompleta) bibliografia de Memória do cinema: os ambulantes no Brasil são sobejamente conhecidos como Vicente de Paula Araújo, Máximo Barro, Pedro Veriano e Euclides Moreira pesquisadores que, desde os anos 1960-70 estudavam origens do cinema em cidades como São Paulo, Rio de Janeiro, São Luiz e Belém do Pará.

O fenômeno ampliou-se com o tempo, mapeando-se outras capitais como Porto Alegre, Manaus, Curitiba, Natal e, em anos mais recentes, Belo Horizonte (Márcio da Rocha Galdino, 1983) e Florianópolis (Zeca Pires e colegas em 1987). Faz pouquíssimos anos que Jailson Dias Carvalho publicou sua pesquisa sobre Montes Claros sem destacar, ou por força da documentação incompleta, ou mesmo pela inexistência, os exibidores ambulantes que circularam pela cidade como tinha ocorrido nas capitais dos estados.

Como escreveu Vinicius Dantas na sua Nota, o impulso que levou um adolescente a passar suas férias enfurnado na biblioteca pública de Aracaju, pesquisando o período mudo na sua cidade, veio na forma de uma diretriz da VII Jornada Nacional dos Cineclubes (1968), que pediu aos cineclubistas dedicação à conservação e restauração de filmes e documentação da produção local, incentivando o levantamento filmográfico e histórico das práticas cinematográficas ocorridas no âmbito da sua comunidade.

Não se pode deixar de lembrar que o mandamento cineclubista ecoava o artigo de 1956 de Paulo Emilio Salles Gomes publicado no Suplemento Literário de O Estado de S. Paulo, agora com um viés de combate à ditadura militar. Porém os impulsos decisivos foram dados pelo livro de Alex Viany, Introdução ao cinema brasileiro, e Vicente de Paula Araújo, A Bela época do cinema brasileiro, erguendo os pilares fundamentais da prática da pesquisa militante. O primeiro organizou a primeira filmografia decente da produção nacional; o segundo deu-nos o orgulho nacionalista de que tínhamos tido no passado o domínio do nosso território cinematográfico, e que não fôramos mera província de Hollywood.

Hoje, taxados pejorativamente de “historiadores positivistas”, sem que se ressalte a historicidade dos textos, esses esforços de pesquisa militante foram abandonados em favor de outros paradigmas, menos combatentes e menos ambiciosos em termos de conhecimento do Brasil. O texto de Vinicius Dantas, pouco lido na bibliografia do cinema brasileiro em geral, merece um novo olhar, um olhar historiográfico, sem dúvida, no qual reconhecemos os esforços passados de várias gerações na construção de uma “história vista da província” que, contudo, nunca alimentou uma questionável História do Cinema Brasileiro.

José Inacio de Melo Souza (org.)

 

NOTA DO AUTOR

 

Esta pesquisa foi feita em outra época e por outra pessoa – quase cinquenta anos se passaram. As fontes de documentação eram poucas e raras, tanto que desconhecíamos, como se verá, a variedade sonoplástica do primeiro cinema e o uso de tingimentos e viragens. José Inacio de Melo Souza, que promoveu esta republicação, recheou-a de muitas notas que demonstram como a informação cresceu em matéria de dados sobre exibidores, companhias ambulantes e equipamentos de nomes estrambóticos, no período que vai da passagem do século até os anos 1930.

O estímulo para esse tipo de pesquisa chegou a Sergipe por volta de 1968 na esteira da VII Jornada Nacional de Cineclubes, que havia se reunido em Brasília em julho, em meio às tensões características daqueles anos (ameaças da censura, protestos e boicotes). Na sua Declaração de Princípios, um documento até hoje impressionante da seriedade estético-política do cineclubismo brasileiro, recomendava-se que os cineclubes também se dedicassem à conservação e à restauração da produção local, documentando-se o máximo sobre os pioneiros e os profissionais em atividade no passado.

Incentivar o levantamento filmográfico e historiar os primeiros passos da exibição eram na província o caminho natural, quando os sinais da produção local estavam dispersos, e as condições de restauração inacessíveis. Já não me recordo quais os membros do Clube de Cinema de Sergipe (CCS) que foram a Brasília, mas Ivan Valença e José Rosa de Oliveira Neto me catequisaram para começar o trabalho e vasculhar o acervo da Biblioteca Pública Epifânio Dória, em Aracaju.

Encontrei esses dias no Boletim Informativo do CCS, de julho de 1969, um artigo anônimo, “A presença do cinema em Sergipe”, com um resumo das pesquisas existentes e uma espécie de convocação: “Está aí o campo para Vinicius Dantas e Djaldino Moreno, se quiserem”. O trabalho me custou algumas férias e acho que só foi concluído em março de 1970 – o que me marcou muito porque não sabia que se levava tanto tempo para fazer uma pesquisa. Logo foi publicado em versão abreviada com o título “Quando o cinema chegou a Sergipe (Um resumo de Alvorada de relatório de pesquisa)” na revista Alvorada, nº 36, julho, 1970.

Saiu em seguida na versão completa, que é esta aqui reproduzida, no Jornal da Cidade, de 13 a 19/9/1971. De lá para cá, Djaldino Mota Moreno reeditou-o algumas vezes em folhetos mimeografados – a última edição que conheço é de 1982 em parceria do Cineclube do Atheneu Sergipense e do Clube de Cinema de Sergipe. As três notas finais foram retiradas desse folheto. (Vinicius Dantas)

 

 ASSIM NASCEU O CINEMA EM ARACAJU

por Vinicius Dantas

Sobre o aparecimento do cinema em Aracaju existe uma série de fatos e nomes estranhos, além de muita confusão nos jornais da época, o que aumenta nossas dúvidas e pouco esclarece com certeza. Sobre os cinemas que existiram aqui fica mais fácil a pesquisa, devido ao melhor estado da conservação dos jornais, que são mais recentes, mas mesmo assim surgem casas de exibição que nunca foram registradas e uma dúvida muito grande em relação ao ano, dia ou mês de sua inauguração e/ou seu fechamento.

Até agora, as duas mais importantes pesquisas feitas sobre o tema – a de Lincoln Souza, publicada na revista Novidade, número 4, em agosto de 1936, e a de Rubem Vergara, publicada no Correio de Aracaju de 17 de janeiro de 1945 – dão um excelente levantamento do que foi o aparecimento do cinema em Aracaju, com uma lista dos acontecimentos mais importantes. Ambas apresentam pontos em comum, sendo, por exemplo, a de Rubem Vergara (pseudônimo do jornalista Alfredo Gomes), 45 anos de cinema em Aracaju, baseada nos dados fornecidos por Lincoln de Souza, quase dez anos depois.

Por ambos, Cypriano Duarte é apresentado como o pioneiro da exibição cinematográfica em Sergipe. Alguns apontam Anísio Dantas, mas está comprovado que este foi o pioneiro em casas de exibição. E a data oficial sendo desconhecida, é apontada no correr do ano de 1899. Conseguimos nos jornais antigos descobrir novas exibições ainda mais antigas, de certos aparelhos misteriosos, que se não do cinematógrafo dos irmãos Lumière, ou de outros fabricantes de aparelhos semelhantes, são de aparelhos ainda mais antigos, precursores, que projetavam imagens fixas, desenhos ou gravuras.

 

O NASCIMENTO DO CINEMA

A 28 de dezembro de 1895, no Grand Café, no Boulevard des Capucines, em Paris, o cinema teve a sua primeira exibição, pelos Irmãos Lumière, que apresentaram uma série de seus filmes, preparados desde o início daquele ano. Esta é a data oficial do nascimento do cinema, mas há gente que contesta, querendo afirmar que Edison fez exibições cinematográficas muito antes. O aparelho de Edison era o Kinetoscópio, que apresentava imagens em movimento em forma do filme, projetadas dentro de uma grande caixa, assistida por  uma só pessoa de cada vez, através de um pequeno visor. E foi 8 de julho de 1898 o dia da chegada do cinema no Brasil conforme os historiadores. A primeira exibição foi na rua do Ouvidor, 57, no Rio de Janeiro, às duas horas da tarde, e o aparelho era o Omniographo, de Vittorio di Maio (1).

O País, jornal que aqui existia, dá a notícia que poderá ser da primeira exibição cinematográfica em Aracaju, na edição do dia 19 de janeiro de 1899, uma quarta-feira. Aqui está uma parte da notícia: “Realizou-se no dia 18, às 8 e 30 da noite no Theatro São José o espetáculo gratuito que o Sr. H. Kaurt, proporcionou ao público desta cidade, como o melhor reclame de seus Quadros Ilusionistas [...]” (2). Depois dá uma descrição da frequência e do espetáculo, quando foram exibidos vários programas, destacando-se o “quadro religioso da crucificação do ‘Nazareno Jesus’, transfigurado repentinamente na simbólica ascensão. Apresentou também várias vistas dos Estados Unidos[...]” (3).

No dia 30 de janeiro ofereceu seu último espetáculo, segundo o mesmo jornal, “[...] fazendo a volta ao mundo em 80 minutos...”. Sobre esta exibição existem dois pontos de curiosidade:

1 – foi ou não um filme? Porque, como vimos na notícia, trata-se da projeção de imagens e de alguma forma que pode estar ligada ao cinema pela descrição da cena (“[...] transfigurado repentinamente na simbólica ascensão [...]”) há sugestão de movimento. Na mesma notícia, encontramos ainda o seguinte trecho: “[...] A silfcrania teve momentos interessantes [...]”. O que é “silfcrania” ? Não conseguimos descobrir em parte alguma.

2 – a outra notícia fala num espetáculo de 80 minutos, dando a impressão que foi uma sessão longa, quando foram exibidos todos os filmes do Sr. H. Kaurt, pois, naquela época, os espetáculos cinematográficos nunca passavam de trinta minutos(4).

De O Estado de Sergipe, de 17 de novembro de 1899: “Têm sido bastante freqüentadas, e sobretudo muito aplaudidas, as exibições do Kinetoscópio, essa maravilhosa invenção de Edison, que todas as noites no Theatro São José faz as delícias do nosso público, ávido de distrações. Ontem a enchente foi real, o theatrinho mal conteve os numerosos frequentadores”. Esta é a exibição seguinte de que conseguimos registro, sendo já o aparelho conhecido, o Kinetoscópio de Edison (5).

A exibição seguinte também está nas páginas do mesmo jornal de 7 de setembro de 1901: “Realizou-se ontem, anunciado pelo nosso patrício Pedro Silvino de Andrade Cortes, a exibição do Cinematógrapho e Gramophone, admirável invento do notável Edison. Os quadros a exposição, ou melhor a exposição dos quadros (?) lhe toleramos o tão grande treme-treme, mas não podemos lhe tolerar era o lusco-fusco, causado de não intuição das cenas pelo espectador, o mais penetrante que fosse ele”. Da mesma notícia: “Antes de começar o espetáculo e nos intervalos, fazia-se ouvir o Gramophone” (6).

Nova exibição ocorreu a 9 de novembro de 1901: “Estamos autorizados a informar ao público que hoje às 8 ½ da noite, haverá no Teatro S. José uma importante sessão de lindíssimas exibições, feitas com o auxílio do moderno aparelho intitulado Bioscópio(7). Tomará parte nos trabalhos célebre homem de quatro cabeças(8) que fará prodígios de prestidigitação e além de outras coisas interessantes, será exibida também a pantomima fantástica com o título O Pesadelo do Astrônomo ou A Luta do Homem com a Luz (9). É um extraordinário trabalho em que se vê a Lua em enorme tamanho e a poucos metros de distância...”

Pela primeira vez iríamos registrar o nome de Cypriano Duarte nestas exibições, no jornal de 12 de novembro do mesmo ano: “Assistimos a exibição de quadros vivos que realizou-se no sábado último no S. José, sob a direção do nosso ilustre patrício Sr. Cypriano Duarte. Foi uma exibição bastante agradável, onde o Homem de Quatro Cabeças mereceu estrondosos aplausos da plateia. Outros quadros mereceram igualmente muitas palmas destacando-se dentre esses a Batalha Naval (10) que foi apresentada com enorme felicidade. Trata-se do aparelho cinematógrapho, porém com o concurso das novas e belas vistas”.

Mas, nas opiniões de Lincoln de Souza e Rubem Vergara, já em 1899, desconhecendo-se o dia e o mês, este mesmo Cypriano Duarte exibira O Crime pela Honra (11) que seria o “primeiro filme que Aracaju assistiu”,. Maiores informações sobre esta provável exibição de Cypriano Duarte está no artigo de Lincoln de Souza: “O comprimento dos filmes variava de 18 a 30 metros. Os aparelhos para a produção da luz – os mais complicados que imaginar-se possa exigiam o emprego de várias substâncias químicas, as quais, misturadas, formavam um gás, que era armazenado num saco de borracha, daí passando para o local em que, inflamado, iluminava a película projetada (...)

Continuando a não dar lucro o negócio, regressou a Aracaju, onde encostou os aparelhos, vendendo mais tarde, o de projeção, pela quantia de 70$000. O aparelho completo do cinema dos Srs. Duarte e Hannequim, incluídas as importâncias relativas à compra das substâncias químicas para a produção da luz e os filmes, importou doze contos de réis. Ao terminar a sua empresa o Sr. Duarte após minucioso balanço viu que o prejuízo montava a 3:500$000”. Apenas podemos certificar: Cypriano Duarte fez exibições cinematográficas, mas quanto ao seu pioneirismo e à data que até hoje predominou – 1899 - nada asseguramos.

 

CINEMA FALADO

O cinema já havia surgido, mas não foi bem recebido pelo público, e recebeu a denominação de “Presepe de Sombras”. Aracaju da época já era um povo “ávido de distração”, e dispunha de apresentações teatrais constantemente, e algumas vezes de grupos famosos vindos de outros Estados. A imprensa era primitiva, mas bastante corajosa e satisfazia plenamente à época.

Novas exibições prosseguiram em 24 de agosto de 1904: “A convite do Sr. Francisco Carlos Braga fomos ao Theatrinho S. José ver a instalação dos aparelhos motores e projetores do Bioscope. Consta um motor dínamo de força de 8 cavalos para fornecimento de luz elétrica não só para projeções como para a iluminação interna do Theatro. Para esta dispõe a companhia de uma lâmpada de carvão, de força de 600 velas, no centro da sala e diversos bicos laterais”. A 26 de agosto: “Consta a exibição de três partes, sendo a primeira uma coleção de belíssimas vistas representando a Guerra do Transwaal (12), a segunda, outra coleção de vistas animadas, a terceira, “Os Sete Castelos do Diabo” (13), constando de quarenta vistas”. A 3 de setembro: “Depois de fatigante demora, cerca de 10 horas da noite, começou a exibição pelas vistas fixas do programa, retratos de personagens ilustres da história antiga e contemporânea. Passou-se à segunda parte depois de um intervalo de 10 minutos, a qual constava de 10 fitas com vistas variadas e interessantes, entre as quais, uma cena de “Quo Vadis?” (14) que produziu o mais deslumbrante efeito”. A última exibição desta companhia ocorreria a 31 de agosto.

Dando um pequeno pulo nos anos, em 1908 verificar-se-ia um fato digno de registro: o aparecimento de um “cinema falado”. Sobre o acontecimento vamos encontrar no Correio de Aracaju de 27 de março: “Esteve em nosso escritório em companhia do Sr. Nicolau Pungitori, o Sr. Pécautet, digno representante da Empresa Star Cy. do cinematógrapho falante, moderno e aperfeiçoado aparelho que brevemente funcionará no Theatro Carlos Gomes.

As referências da imprensa do Sul do País sobre o referido cinematógrafo são deveras lisonjeiras. Pelo primeiro vapor chegarão todas as peças constantes do aparelho, a fim de realizar-se a sua estreia.”(15) O “Cinematógrapho Star” estreou no dia 4 de abril, e tornou a se apresentar nos dias 5, 7, 8 e 9. Do mesmo jornal de 9 de abril: “Os dois últimos espetáculos que essa aplaudida empresa realizou no Theatro Carlos Gomes, agradaram geralmente, porquanto os filmes e vistas coloridos apresentados, tiveram o mais satisfatório êxito”.

Esta exibição propõe dois fatos: o cinema falado e o colorido. Quanto ao falado apenas podemos dizer, que se poderia tratar de efeitos sonoros, conseguidos através de pessoas encarregadas, escondidas atrás da tela, ou mesmo acompanhamento de discos. Em relação à cor, poderia tratar-se de sequências coloridas por processos primitivos de uma única cor.

Novo acontecimento semelhante ocorreu em julho de 1909 segundo o ’O Estado de Sergipe: trata-se de um representante da Empresa A. Joulie que chegou à Aracaju trazendo o “que há de mais perfeito em cinematógrapho (16). Tem planos de dar vários espetáculos no Theatro Carlos Gomes. Aparelho falante, syncrophone automático Pathé Frères, último e colossal sucesso do Cirque d’Hiver de Paris.” Do mesmo jornal de 24 de julho: “Foi extraordinária a enchente de anteontem no Carlos Gomes [...]. Além do importante funcionamento do aparelho, é excelente a coleção de filmes que possue a empresa [...]. O programa de estreia foi muito bem organizado, cada fita mais sensacional no seu gênero.”

Houve novas apresentações nos dias 25, 29 e 1º. de agosto. Estes dois fatos, de modo algum, estão ligados ao cinema falado do processo de som ótico, mas mesmo assim tornam-se curiosos. Na mesma revista Novidade acima citada, encontramos o seguinte: “O cinema sonoro foi do conhecer dos sergipanos em 1917, por um exibidor ambulante de nacionalidade americana, que trabalhou com seu aparelho pouco mais de uma semana no “Rio Branco”. O cinema sonoro regular, porém, foi introduzido em novembro de 1930, cessando dessa época até hoje, naquela casa de diversões os filmes mudos. Como em toda parte o cinema sonoro aqui começou com o Vitaphone passando mais tarde a ser empregado o movietone.

O cinema sonoro estreou com Hollywood Revue (17) a 28 de novembro de 1930. O cinema colorido, surgido em 1935, teve muitos precursores, processos medíocres ou aceitáveis, várias experiências com a cor. No Correio de Aracaju, de 2 de dezembro de 1917 encontramos um anúncio do filme A Pupila do Banqueiro:(18) “É um trabalho de fôlego, transformado pela fábrica Pathé, em filme célebre e maravilhoso”. O mesmo acontece no Sergipe Jornal de 2 de julho de 1929, o anúncio do filme Jardim do Éden (19) no cinema Universal, “filme com várias cenas coloridas”.

Não obtivemos com precisão a data da exibição do primeiro filme colorido, mas damos uma série de prováveis títulos: muita gente acredita ser Ramona (com Don Ameche e Loretta Young) (20) o primeiro, em todo caso não há nos jornais nenhum anúncio de que se trata de filme colorido (21). Ramona foi exibido no Rio Branco a 5 de novembro de 1937. A 22 de dezembro de 1937 está o filme que pode ser o primeiro: Porque o Diabo Quis (22) anunciado no “Rio Branco” como “um filme com as cores do arco-íris”. Se A Cruzada de fevereiro de 1936 estiver certa, pois nenhum outro jornal anuncia, o “Rio Branco” exibiu, portanto, um ano antes dos dois citados, A Mascote do Regimento (com Shirley Temple) (23), “um filme em Technicolor”. Entre estes deverá estar o primeiro.

 

OS CINEMAS DE ARACAJU

Foi em 1909 que funcionou regularmente um cinema em Aracaju, e foram Anísio Dantas e João Rocha os seus proprietários. Instalado no “Theatro Carlos Gomes”, chamou-se “Cinema Sergipe” tendo mais ou menos um ano de vida. Ainda no “Carlos Gomes” funcionou o “Cinema Ideal” de João Firpo e Flávio Quintella, mais tarde vendido a Alcino Barros e Luiz França, passando para as mãos de Juca Barreto e Hermindo Menezes, recebeu o nome de “Cinema Rio Branco”, e ficou com Juca Barreto até sua morte, sendo hoje administrado por seus herdeiros.

Em 1910, Anísio Dantas e João Rocha fundaram outro “Cinema Sergipe”, na rua Aurora, hoje avenida Rio Branco, que também não teve mais de um ano e meio de vida. “Cinema Elite” fundado em 1912 por João e Deocleciano Mota, arrendado a Arnoud Coelho que o chamou de “Cinema Royal”, funcionou até 1915. Joaquim Soares Nogueira fundou o “Cinema Guarany” em 1912, na rua de Japaratuba; funcionou um ano e meio. “Cinema Éden” (1913) de José Magalhães e Manoel Leal, passou mais tarde para o padre Solano, que lhe deu o nome de “Cinema Phênix”, e finalmente Juca Barreto e José Freitas Andrade o adquiriram; funcionou até 1918.

“Cinema da Fábrica de Tecidos Confiança”, fundado pela fábrica para os operários em 1918, funcionou até 1928. “Cinema da Fábrica de Tecidos Sergipe Industrial”, fundado para os mesmos fins do anterior em 1921, funcionou até 1933 (Os dados sobre estes dois cinemas foram retirados da pesquisa de Lincoln de Souza, mas Mário Cabral no seu livro Roteiro de Aracaju, publicado em 1948, coloca entre os cinemas aqui existentes com os nomes “Cinema Confiança” e “Parque Cinema”, respectivamente naquele ano; acredito que poderiam dar sessões, mas sem muita freqüência). “Cinema Universal” de João Firpo e Saul de Oliveira Sampaio, passou por diversos donos e finalmente chegou às mãos de Anísio Dantas. Funcionou até 1930.

“Cinema Ivo do Prado” fundado em 1922, funcionou pouco mais de um ano, pertencia ao Capitão Deoclides Azevedo, e estava localizado na rua N. S. da Glória, esquina com avenida 24 de Outubro (atualmente D. José Tomás com avenida Augusto Maynard). “Cinema Bento XV”, privativo do “Salão Bento XV”, fundado em 1922 pelo padre Solano Dantas funcionou até 1926.

“Cinema Tobias Barreto”, fundado em 1924 por Antonio Lima Sobrinho, funcionou até 1934. “Cinema Arabutan”, fundado em 1923, funcionou até 1926, era instalado na rua Siriri. “Cinema Popular” fundado em 1925, instalado na avenida Pedro Calazans (então rua do Rosário) por Anísio Dantas, tendo mais tarde Augusto Luz como sócio. Funcionou até 1928. “Cinema Rio Negro”, fundado por Juca Barreto em 1926, funcionou até 1930. “Cinema Guarany”, fundado em 1931, na rua Estância por Augusto Luz, fechou em 1933 e reabriu em 1938, sendo em 1966 transformado em supermercado.

“Cinema São Pedro” funcionou durante alguns meses de 1930 (não consta na lista de Lincoln de Souza). “Cinema São João”, fundado em 1931, na rua Siriri, por Anísio Dantas, funcionou até 1938. “Cinema Ideal”, fundado em 1934, no mesmo prédio do “Rio Negro” por Anísio Dantas, passou em 1936 para Arthur Costa, mas funcionou até 1937. “Cinema Rex”, fundado por Anísio Dantas, na rua de Pacatuba, em 1935, mais tarde transferido para a rua de Itabaianinha, funcionou até 1961.

Em 1938 foi fundado o “Cinema São Francisco”, no bairro Santo Antonio, precisamente na Praça Siqueira de Menezes, fechado nos primeiros anos de sessenta. Em outubro de 1934, foi inaugurado o “Cinema Vitória” pertencente à Ação Solidária dos Trabalhadores. Funciona até hoje à rua Itabaianinha. A 7 de abril de 1945 foi inaugurado o “Cinema Tobias Barreto”, pertencia a empresa Moron e Cia. Fechou, em 1946. Em 1949, encontramos no Sergipe Jornal uma única citação de “Cine Lar” localizado à rua Bahia, no bairro Siqueira Campos: de qualquer forma, aqui fica o seu registro.

Em setembro de 1950 foi inaugurado o “Cinema Tupi”, funcionando no prédio do “Tobias Barreto”, na rua Simão Dias, esquina com a rua da Vitória. Fechou em 1961. “Cine Vera Cruz” foi inaugurado no primeiro semestre de 1951, instalado no bairro Siqueira Campos, também pertencente à Ação Solidária dos Trabalhadores. 1954 é o ano de inauguração do “Cine Bonfim” (atual “Cine Siqueira Campos”, arrendado a José Queiroz, pertencente ao município desde 1962) (24). Em 31 de dezembro de 1955 foi inaugurado o “Cinema Aracaju” e a 1º. de janeiro de 1956 o “Cine Palace”. Em 1966 é inaugurado o “Cine Star”, em 1968 o “Cine Grageru” e em 1969 o “Cinema Atalaia”, no bairro Santo Antonio (25).

Os nove cinemas da cidade, atualmente, já não satisfazem mais à população, que é cada vez maior, sendo que cinco são cinemas de bairro. O que se nota é um visível declínio do número de cinemas, como aconteceu no princípio do século com nossos teatros, que hoje não existem. A televisão ainda não é uma ameaça, principalmente quando nascida do “complexo de cidade pequena” sem condições técnicas nem artísticas de manter certo nível (26).

 

Notas:

[1] A ligação entre di Maio e a primeira exibição do Omniógrafo provavelmente foi retirada dos textos sobre os primórdios da história do cinema em Aracaju; pesquisas anteriores e posteriores (Viany, 1958; Araújo, 1976), não referendavam esta união, que foi recusada de vez em 1996 com os lançamentos de Palácios e poeiras, de Alice Gonzaga, e Verdades sobre o início do cinema no Brasil, de Capellaro e Ferreira. (Nota do Organizador)

[2] H. Kaurt, como assinalou Ary Bezerra Leite em Memória do cinema: os ambulantes no Brasil, foi um dos que mais correram os estados brasileiros proporcionando exibições pioneiras e sobre o qual há menos dados biográficos. Talvez o fato de ter evitado as grandes capitais, como Rio de Janeiro e São Paulo, tenha favorecido o obscurecimento do seu nome na história do cinema brasileiro. (N. do O.)

[3] Embora Bezerra Leite assinale as exibições como de “cinematógrafo” e “quadros ilusionistas”, o texto de Vinicius Dantas não se refere ao aparelho dos irmãos Lumière. A presença de “várias vistas dos Estados Unidos” sugere, antes, um projetor de origem norte-americana. (N. do O.)

[4] H. Kaurt exibiu imagens em movimento e imagens fixas por meio de um “silforama”, nome pelo qual ficou mais conhecida uma “espécie de lanterna mágica”, como a classificou Alice Trusz. Vários exibidores ambulantes portavam lanternas mágicas entre os seus equipamentos, citando-se além de Kaurt, Enrique Moya e Faure Nicoalay. (N. do O.)

[5] O próprio autor já assinalara parágrafos antes que o Kinetoscópio era de visão individual; provavelmente trata-se de um Vitascópio, projeção na tela, também de invenção e fabricação dos laboratórios de Edison, ou uma contrafação que se utilizava do nome Edison como propaganda. (N. do O.)

[6] A utilização do gramofone como forma de atração de público foi usual na primeira década da chegada do cinema; era comum a descrição dos problemas de geração de energia.

[7] O primeiro Bioscópio exibido em São Paulo deu-se com o estranho nome Bioscope Captotricon de Farragut, sobre o qual não há nenhuma referência técnica, pertencente à Imperial Companhia Japonesa Kudara, que correu o país de norte a sul; O mais famoso foi o Bioscope Inglês do ambulante José Filippi. (N. do O.)

[8] O texto jornalístico é confuso; somente mais à frente saberemos que é o título de um filme, e não o trabalho de um ilusionista. Possivelmente trata-se de L’Homme à la tetê de caoutchouc, prod. e dir. de Gerrges Méliès (1898) para a Star Film. (N. do O.)

[9] Le rêve de l‘astronome, prod e dir. de Georges Méliès (1897) para a Star-Film. (N. do O.)

[10] Possivelmente Quai de La Havane, explosion du cuirassé “Le Maine”, prod. e dir. de Georges Méliès (1898), para a Star-Film. (N. do O.)

[11] Não há outras referências que identifiquem este título. (N. do O.)

[12] Título não identificado; em São Paulo foi exibida uma Guerra anglo-boer, em 1901, pela empresa ambulante N. Fernandez; talvez tenha a mesma procedência. (N. do O.)

[13] Les sept chateaux du diable, prod. e dir. de Georges Méliès (1901) para a Star-Film. (N. do O.)

[14] Quo vadis?, dir de Ferdinand Zecca para a Pathé Frères (1901). (N. do O.)

[15] As sessões paulistanas da Star Co. indicam como exibidor J. M. Coutet, grafia próxima do Pécautet do jornal de Aracaju; sobre Nicolau Pungitori não há referências; o mais próximo seria a família Muratori de Fortaleza, mas entre estes não consta um Nicolau, segundo Bezerra Leite. (N. do O.)

[16] A Empresa A. Joulie trabalhou como ambulante de Salvador a Manaus entre 1906 e 1909. A partir de março de 1909 exibiu-se com um aparelho Pathé sincronizado (imagem acompanhada de som por discos), como especifica o citado anúncio de O Estado de Sergipe sobre o aparelho “falante”. (N. do O.)

[17] The Hollywood revue of 1929, dir. Charles Reisner para a MGM, processo sonoro Western Electric. Lançada em São Paulo no Alhambra em 7/1/1930, também tinha partes em Technicolor, mas a matéria, aparentemente, não se refere a isso, indicando que, talvez, os moradores de Aracaju tenham assistido a uma cópia em PB. (N.do O.)

[18] Não foi localizada nenhuma referência a este filme. (N. do O.)

[19] The garden of Eden (1928), dir. de Lewis Milestone e distribuição da United Artists; lançado em São Paulo em 7/2/1928, tinha partes coloridas; na ordem de apresentação, este filme antecede ao de Shirley Temple, exibido em 1936, dentro dos processos técnicos norte-americanos, diversos do Pathécolor de1917. (N. do O.)

[20] Ramona, dir. de Henry King para a 20th. Century Fox sonorizada pela Western e colorida (Technicolor), foi lançada em São Paulo no Odeon (Sala Vermelha) e no São Bento em 22/3/1937. (N. do O.)

[21] O que é estranho porque, como avalia o senso geral, esse deve ter sido o primeiro filme totalmente colorido exibido em Aracaju. (N. do O.)

[22] Porque o diabo quiz (God’s country and the woman) foi dirigido por William Keyghley para a Warner Bros., sendo lançado em São Paulo no Broadway em 19/11/1937, com o anúncio “todo colorido”. (N. do O.)

[23] The little colonel, dir. de David Butler para a Fox Film tinha processo sonoro (Western Electric) e partes coloridas (Technicolor); foi lançada em São Paulo em 12/8/1935 no Odeon (Sala Vermelha). (N. do O.)

[24] O Cine Bonfim, que passou a chamar-se Cine Siqueira Campos, depois de muitos anos arrendado ao Sr. José Queirós, foi fechado pelo Município, a despeito da longa luta travada pelos intelectuais da terra para transformá-lo em cinema educativo, e hoje funciona em seu prédio o Centro de Ensino Supletivo (nota da edição de 1982, acrescentada pelos editores, N.do O.).

[25] O Cine Star localizado no Bairro Cidade Nova foi transformado em supermercado, destruído depois por um incêndio, hoje só restando suas paredes; o Cinema Grageru no bairro do mesmo nome e o Cine Atalaia também já não existem  (nota da edição de 1982, acrescentada pelos editores, N. do O.).

[26].A Televisão já é uma ameaça. (nota da edição de 1982, acrescentada pelos editores, N.do O.)