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Apontamentos sobre o terror no cinema

O gênero cinematográfico mais aberto a temas medonhos, fantásticos e com forte apelo sexual, talvez, seja o “terror”.

Os filmes do gênero misturam o suspense a altas doses de ansiedade e medo, o que os torna peças inconfundíveis para o espectador. Mesmo os gêneros “aliados” ao terror, como o suspense e o thriller, possuem sequências aterradoras, sempre ligadas ao assassinato, o elemento-base para o desencadear do enredo.

Desde Barba Azul (Méliès, 1901), o assassinato como motivo dramático tem sido grandemente explorado, ganhado versões que vão do sadismo à psicopatia, e cada vez mais apelativas.

Os “filmes de terror” encerram os mais impensáveis elementos do mundo fantástico (não raro apresentam criaturas e seres vindos do inferno ou das profundezas de algum lugar) e os inserem em uma narrativa que prende o espectador, fazendo-o também uma vítima do vilão – sobrenatural ou não. Essa exposição do indivíduo ao seu próprio medo¹ (acrescido das criações do imaginário popular e também pelas superstições e psicologia de quem assiste ao filme) é a grande estratégia provocativa do gênero. Caso o medo não exista por parte do espectador, o filme se encarrega de criá-lo através do clima sombrio da história, da música e do trabalho da câmera, que sempre oculta propositalmente alguma coisa, para revelá-la no conhecido “momento-susto”.

Ao criar uma possível ameaça, os filmes de terror produzem um medo virtual, que se soma aos medos pessoais do espectador ou se torna o medo temporário dos mais destemidos.

 

O Terror da Morte

Já falamos da importância do assassinato para o impulso narrativo. Em Os Vampiros (1915), Louis Feuillade faz uso da fórmula causa-efeito para compor o clima sombrio de cada episódio deste enorme filme, mesclando o terror ao suspense e ao thriller, com base nos assassinatos ocorridos. Mas é efetivamente a Morte (mais como significado simbólico do que físico, ou seja, o temor, o ambiente, o definhar, o mundo macabro que a cerca, que dela deriva ou caminha para), e não propriamente dito o modo como ela se dá, que cria a atmosfera tenebrosa de uma obra que se destina a assustar.

Nos filmes de terror, ou nas sequências de terror em filmes de outros gêneros (como o magnífico número Mazel Tov, em Um violinista no telhado (1971), quando Tevye inventa um sonho macabro de “uma celebração qualquer”, em um cemitério), a morte ou tudo o que a envolve se torna a medula fílmica, independente do modo como se manisfeste.

Abaixo, comentamos algumas diferentes representações e usos dramáticos da morte no cinema. Os exemplos citados procuram se aproximar da “fonte original”, por isso, boa parte dos filmes (ou pelo menos a versão citada) pode ser desconhecida para alguns leitores. Entretanto, não nos limitamos aos “primeiros usos”, usando também exemplos contemporâneos.

I) A morte personificada, em contato com o homem: A morte cansada (1921), O sétimo selo (1957).

II) A morte representada por um símbolo demoníaco ou através de um psicopata: Dr. Mabuse (1922), O massacre da serra elétrica (1974), Halloween (1978), Jogos Mortais (2004).

III) A morte como motivo espiritual, filosófico ou de possessão demoníaca (que não necessariamente tende a matar, mas sempre aterroriza e destrói a ordem): A Carruagem Fantasma (1921), A Hora do Lobo (1968), O Exorcista (1973).

IV) A morte representada por criaturas ou elementos da natureza: King Kong (1933), Os Pássaros (1963), Tubarão (1975), Anaconda (1997), Fim dos Tempos (2008).

V) A morte corporificada por criaturas míticas: todo e qualquer “filme de vampiros” desde Nosferatu (1922).

VI) A morte associada a “criaturas humanas”, representando rejeição, preconceito, etc., mas não necessariamente morte física: O Fantasma da Ópera (1925), Frankenstein (1931), Freaks (1932).

VII) A morte associada ou executada através da magia e dos rituais satânicos: Haxän (1923), À meia-noite levarei sua alma (1964), A Chave Mestra (2005).


Primeira observação: os espíritos podem ser bons ou ruins nos filmes de terror (ou qualquer outro que contenha espíritos, almas, etc.), e são a própria representação da morte, tendo uma gama de usos: Ghost (1990), Cidade dos Anjos (1998), O sexto sentido (1999), Os Outros (2001), Ju-On (2003), Atividade Paranormal e O Orfanato (2007).

Segunda observação: a série Premonição (inciada em 2000), criou o seu próprio “estilo” de exposição da morte, jogando com o conhecido lúgubre e a impossibilidade de mudá-lo. Salvo algumas alterações, o filme Efeito Borboleta (2004), caminha nesse mesmo sentido.

Através dos diversos tipos de representação e uso dramático da morte, temos os diversos tipos de filmes de terror. Se não existe a morte, ou a sua ameaça, ou ainda elementos que possam ir de perturbações psicológicas ao satanismo ou aparições de espíritos (que sempre intermeiam ou acabam em morte), não há filme de terror,o que de certo modo deixa o gênero a mercê de clichês há muito obsoletos.

Outros Terrores

É possível encontrarmos algumas abordagens interessantes e até muito boas nos filmes de “Terror B”. Nessa “categoria”, não poderíamos deixar de citar as produções do estúdio RKO (a despeito do domínio sobre o gênero que a Universal Pictures possuía), nos anos 1930-40, produções cuja sugestão do terror anteciparam, de certo modo, o que a indústria japonesa faz hoje com enorme sucesso. Desse "terror sugestivo", pontuado de elementos psicanalíticos, podemos citar dois bons exemplos: Zaroff – o caçador de vidas (1932), e Sangue de Pantera (1942).

Mas o “Terror B” também é famoso por produzir obras nonsenses, hilárias e nojentas, difíceis de se esquecer, como os horrorosos exemplares de “ficção científica horrenda”, onde experimentos falham o resultado são coisas de fazer embrulhar o estômago de espectadores mais resistentes.

Na mesma leva dos “B”, temos o famoso Zum-B Movie A noite dos mortos vivos (1968), que traz elementos já trabalhados à exaustão pela Universal Pictures do terror clássico, e também por outras obras de diversos estúdios. Esse tipo de abordagem vai gerar praticamente uma outra cadeia de produção de horror, onde qualquer ser zumbi que possa ganhar vida e assustar, vira filme. Um exemplo recente é Madrugada dos Mortos (2004).

Não é raro, no entanto, encontrarmos esses filmes “B” com propensão ao terror relacionados aos trash e cult mais macabros. Exemplares desses horrores-cult-trash: Pink Flamingos (1972), The rocky horror picture show (1975), e o mais engraçado e REALMENTE TRASH exemplo de todos: a Trilogia (!!!) dos Tomates Assassinos (iniciada em 1978).

A fase sangrenta do terror dos anos 1970, abriu as portas para o sadomasoquista Hellraiser (1980). Posteriormente, o uso da violência e da sexualidade faria parte da produção em massa do mercado do terror.

Em 1980, Stanley Kubrick dá um novo uso ao “rio de sangue”, em seu O Iluminado, adaptação do romance homônimo de Stephen King. É interessante observamos como um filme do porte de O Bebê de Rosemary (1968), que não tem uma gota de sangue, consegue ser tão bom quanto o sangrento O Iluminado.

Um capítulo à parte na história do horror começou a ser “escrito” em 1960, com A Máscara de Satã, de Mario Bava, em sua estreia de tirar o fôlego (e o sono). O cineasta se demonstrou um grande articulador dos motivos hitchcockianos, e com uma forte tendência ao surrealismo.

Em 1969, Dario Argento realiza sua estreia na direção com um filme que não só o mostrou como um grande entendedor e manipulador da dinâmica hitchcockiana (tal qual Bava), como o definiu como o criador de um sub-gênero terror, o Giallo, denominação italiana para filmes cuja temática sombria é pontuada por violência, mortes e forte suspense (denominação tirada da tileratura, assim como o Pulp, para os noir americanos). Essa temática do horror, associada a uma rigorosa direção (e uma estranha beleza estética) fez do Giallo e de Dario Argento, grandes expoentes do macabro. Destaque para a Trilogia dos Bichos, do cineasta italiano: O Pássaro das Plumas de Cristal (1969), O Gato de 9 Caudas (1971) e 4 Moscas no Veludo Cinza (1971).

Hoje, o terror não é dos gêneros mais bem representados, embora nomes como Wes Craven e o desagradável David Cronenberg sejam fortes referências. Alejandro Amenábar e o brasileiro José Mojica Marins laçaram obras recentes (cada um em seu estilo) que chamam atenção pelo que são.

Tim Burton, herdeiro direto de O Gabinete do Dr. Caligari (1919), e do movimento que originou, é o cineasta mais sombrio (gótico, expressionista) da atualidade². Em Sweeney Todd – O Barbeiro Demoníaco da Rua Fleet (2007), Burton aponta novos e possíveis caminhos para os dois gêneros (o terror e o musical) com precisão clássica, em um filme completamente autoral.

No Oriente, o terror tem outra cara. O Japão se sagrou o maior produtor mundial de filmes do gênero, e vem redefinindo o as produções desde então, com exemplares realmente assustadores, fincados na psicologia – os melhores exemplares modernos, deve-se dizer.

Conclusão

Podemos afirmar que o terror tem ainda uma longa vida pela frente, mas uma rara genialidade – no que se refere às películas ocidentais. Vemos hoje a proliferação de um sub-gênero, a comédia de terror, que tem minimizado as possibilidades de uma retomada em grande estilo do antigo gênero. O próprio público alavanca as bilheterias desse tipo de filme, no melhor estilo “a oferta modela a procura”, por isso, não é raro vermos indigestos celuloides na linha da série Todo Mundo em Pânico (iniciada em 2000), de Todo Mundo Quase Morto (2004), etc. Penso que chegou a hora de Clint Eastwood trabalhar em um campo novo para ele, e redefini-lo, como fez com o western, em 1992.

Para os grandes fãs dos verdadeiros horrores, deparar-se com as atuais refilmagens e cópias, é um verdadeiro suplício. Resta ao menos alguns thriller e suspenses (e as incursões lynchianas), que ainda conservam uma boa dose de terror, não nos deixando completamente órfãos desse gênero que nos mostra a nossa própria versão de O Médico e o Monstro.

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1 - Em 2008, Kiko Goifman realizou uma obra chamada FilmeFobia, película cuja base de sustentação é o medo exposto a quem tem medo.

2 - Não podemos esquecer de O Anticristo (2009), perturbadora obra de terror do cineasta dinamarquês Lars von Trier.

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* Sobre o autor: Luiz Santiago é Historiador e Crítico de Cinema. Atualmente ministra aulas para os alunos do Ensino Médio e curso Pré-Vestibular, palestras sobre cinema, e escreve críticas e artigos para sites especializados.

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Página na web: http://cinebuli.blogspot.com/