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Por Uma Teoria (Crítica) do Cinema (Ideológico): Convergências entre o nazi-fascismo e a indústria cultural

1 A OBRA DE ARTE NA ÉPOCA DA INDÚSTRIA CULTURAL

"De cada ida ao cinema, apesar de todo o cuidado e atenção,saio mais estúpido e pior."
Theodor Adorno - Minima Moralia

Num texto que já se tornou um clássico da Teoria do Cinema, "A Obra de Arte na Época de sua Reprodutibilidade Técnica" (1935-6), Walter Benjamin ainda apostava no potencial revolucionário das técnicas de reprodução, vendo o cinema como a típica manifestação artística do novo homem e suas formas de percepção modificadas no mundo moderno.

O medium seria um instrumento fundamental na tarefa da politização da arte, confirmando a perda da aura, que inseria as formas estéticas anteriores no âmbito da tradição, do culto. A práxis tomaria este lugar: esse era o caminho para combater o fascismo, cuja estratégia consistia em estetizar a política e a guerra. (1985:165-196).


O conceito de aura escapou totalmente à lógica do filósofo frankfurtiano. Ele não só sobreviveu ao choque provocado pelas modernas técnicas de reprodução; de fato, acabou por ser cristalizado exatamente dentro deste novo espaço. A obra de arte burguesa cederia seu lugar, conforme apontaram Theodor Adorno e Max Horkheimer na Dialektik der Aufklarung - Philosophische Fragmente (1969), não à arte politizada pelo comunismo, mas aos produtos de uma onipresente indústria cultural. Benjamin não sobreviveria à Guerra e ao Holocausto para reavaliar suas esperanças. Mas a "Teoria Crítica", ganharia o mundo, constituindo uma referência fundamental às Ciências da Comunicação, em que pesem algumas simplificações de suas reflexões radicais e a decretação - por parte de certa teoria contemporânea - de sua suposta obsolescência.

Restaria indagar por que Adorno, crítico feroz da indústria hollywoodiana, manteve uma solene distância da análise do cinema propagandístico produzido pela Alemanha hitlerista . Partimos da hipótese de que a análise desenvolvida em "A Indústria Cultural: o Esclarecimento como Mistificação das Massas" (Adorno; Horkheimer, 1985: 113-56) tem muito mais a dizer sobre a estética nazi-fascista do que se depreende num primeiro momento. Um mapeamento dos pontos de convergência entre a natureza da representação imagética sob a Alemanha hitlerista (1) e sob a democracia norte-americana sugere que Adorno e Horkheimer, ao dissecarem a dinâmica da indústria cultural, também refletiram sobre a natureza do cinema nazista. Estes pontos se constituem em elementos para uma Teoria do Cinema Fascista.

Uma década antes da Europa ser sacudida pelo lamentável retrocesso político registrado na Áustria (2) ("solo natal" de Adolf Hitler), a discussão acerca do nazismo já experimentara uma inusitada revitalização - pelo seu viés estético e cultural -, capitaneada pelo sucesso internacional dos documentários "Arquitetura da Destruição" (1989) e, sobretudo, "Leni Riefenstahl. A Deusa Imperfeita" (1993). A biografia fílmica da talentosa e sofisticada cineasta do III Reich, autora dos tristemente célebres "Triunfo da Vontade" (1936) e "Olympia" (1938), recolocou Riefenstahl uma vez mais sob os holofotes da mídia, reascendendo a discussão sobre a relação entre a política e a estética - bem como a responsabilidade social de artistas e intelectuais.


2. FASCISMO FASCINANTE

Compreender a força das imagens cinematográficas na construção simbólica do credo nazista, na estratégia totalitária de dominação interna e externa - sem esquecer a preparação para a deportação e a matança de judeus - é, ao mesmo tempo, reavivar a lembrança do quanto a estética continua a ser o campo por excelência de propagação da mitologia, da lógica e do discurso fascista. "Eu gostaria que o filme [Triunfo] fosse feito por um artista", disse o Führer à jovem cineasta Leni Riefenstahl, tão logo os nazistas chegaram ao poder (pela via eleitoral e com o apoio da sociedade germânica). A arte afinal, tinha a "missão elevada de obrigar ao fanatismo" (Hitler apud Nazário, 1983: 55). Assim, sob uma certa ótica, a atenção dedicada à Riefenstahl se justifica. "A Horrível Vida Maravilhosa de LR" (subtítulo do documentário no mercado de língua inglesa), tem seu encanto próprio. Mas afinal, o que mais move as pessoas no interesse crescente por biografias como a de Leni?

Uma das possíveis respostas levou a ensaísta Susan Sontag, em meados dos anos 70, a denunciar, no implacável ensaio "Fascinante Fascismo" (1986, p. 59-83), a absoluta coerência ideológica e propagandística no trabalho de Leni, então sob os holofotes da mídia norte-americana devido à publicação do livro de fotografias "Os Últimos Nuba", tribo de guerreiros do Sudão. "O impulso mais forte por trás da mudança de atitude em relação a Riefenstahl repousa nos novos e mais bem-sucedidos destinos da idéia de beleza" fustigou Sontag (1986: 67). Os ideais fascistas não apenas estão vivos (persistindo sob outras bandeiras); eles ainda "comovem muitas pessoas", diria a ensaísta norte-americana. "É um enigma para mim que uma mulher tão inteligente possa dizer tanta besteira", limitou-se a responder Riefenstahl em sua aparição nas telas.

O metódico processo de "desnazificação e defesa de Riefenstahl como sacerdotisa da beleza" (Sontag, 1986: 77), feito com o auxílio da mídia, certamente pressupõe algum tipo de demanda - e ela existe. (E quem sabe, se não existisse, seria criada). Os meios de comunicação de massa fascinam, diz o sociólogo alemão Dieter Prokop (1986: 149-94), utilizando o mesmo mote da ensaísta norte-americana. A fascinação tem muitos sentidos e seus objetos não são verdadeiros, belos e bons nos parâmetros da Estética Clássica. São momentos muito vívidos, nem sempre positivos. Já Fredric Jameson nos lembra que o visual é "essencialmente pornográfico"; sua finalidade é o arrebatamento e a fascinação irracional. O filme pornô apenas potencializa "uma característica comum a todos os filmes", que nos convidam a contemplar o mundo como se fosse um corpo nu (1995a: 1), numa época em que a estética impregna todos os aspectos da vida moderna. Admitindo a pós-modernidade como uma "dominante cultural", o autor detecta tentativas variadas de reinventar o estético (o Belo) ou de "voltar à arte em seu sentido tradicional". Esforços que, em geral, "caminham par a par com posições filosóficas e políticas reacionárias". (Jameson, 1995b: 121).


3. A BARBÁRIE CULTURAL E A ESTÉTICA TOTALITÁRIA

Encarado como mero produto ou como forma artística, o cinema em si não é progressista ou reacionário (3). Importa de fato em que tipo de sociedade e de cultura, os filmes são gerados; já que não existe "o cinema" e sim inúmeros cinemas. Kracauer (1988) já dizia que os filmes de uma nação eram capazes de refletir, mais diretamente do que qualquer meio artístico, a sua mentalidade. Assim, as convergências entre o cinema nazista e o "democrático" residem não apenas em determinados conteúdos ou estéticas, mas na visão de mundo que as concebe: como em qualquer outro documento de cultura (ou de barbárie, diria Benjamim). "A Indústria Cultural: O Esclarecimento como Mistificação das Massas" (Adorno; Horkheimer, 1985: 113-56) inicia com a denúncia do modelo da cultura da época, sob o poder absoluto do capital e do monopólio: a falsa identidade do universal e do particular.

Outrora veículo da "Idéia", a obra de arte é liquidada em nome do efeito, da performance e do detalhe técnico. O cinema feito em série pela indústria cultural pretende reproduzir o mundo da percepção quotidiana; a vida não deve mais distinguir-se do filme sonoro. O "verdadeiro estilo", superado em rigor ou valor pela "tradução estereotipada de tudo" dá lugar a estilização, na qual o
"idioma tecnicamente condicionado" converte-se no "idioma da naturalidade" (ibid:120-21).

Reduzida ao estilo, o aparato cultural trai seu segredo: a obediência à hierarquia social. Registradas, mesmo em suas diferenças, as pessoas passam a pertencer à indústria cultural, uma aspiração de todos os poderes. Como diria Hitler: "Quando um opositor diz: Não passarei para o seu lado, calmamente replico: O seu filho já nos pertence... Você morrerá. Os seus descendentes, no entanto, desde já estão no novo campo. Em pouco tempo não conhecerão mais nada a não ser esta nova comunidade" (apud Nazário, 1983:47). Lembremos que o cinema foi vital na nazificação das escolas: 40 das 62 mil escolas do Reich contavam com salas de projeção.
Na "indústria da diversão", prolongamento do trabalho sob o capitalismo tardio, a demanda "ainda não foi substituída pela simples obediência", observam os autores da "Dialética do Esclarecimento". Até os filmes de guerra nazistas espelharam características nacionais que não poderiam ser "fabricadas", como ressaltou Kracauer em seu estudo sobre o cinema hitleriano.

O poder da indústria cultural provém "de sua identificação com a necessidade produzida, não da simples oposição a ela". Os filmes confirmam a "vitória da razão tecnológica sobre a verdade" (Adorno; Horkheimer, 1985: 128). Se eles o fazem é com o aval da civilização. No julgamento em Nuremberg, Albert Speer ressaltou:
"A ditadura de Hitler foi a primeira ditadura de um Estado industrial, uma ditadura que, para dominar seu próprio povo, serviu-se perfeitamente de todos os meios técnicos (...) A desmedida de seus crimes poderia se explicar pelo fato de que, para cometê-los, Hitler soube servir-se primeiro dos meios oferecidos pela técnica" (Virilio, 1993: 127).
"O cinema foi um destes meios", complementa Virilio.

4. PRAZER E VIOLÊNCIA NA INDÚSTRIA DA DIVERSÃO

Na dinâmica desta indústria, a quantidade da diversão organizada converte-se na qualidade da crueldade organizada. O prazer na violência contra a personagem torna-se violência contra o espectador, caso dos filmes animados (que poderíamos estender aos filmes de propaganda). A aproximação entre a indústria cultural e o caso nazista é inevitável: o prazer na violência é uma característica tradicionalmente fascista. O próprio Hitler já foi comparado a um todo-poderoso diretor de cinema, presidindo um espetáculo de proporções mundiais. "Uma das astúcias do filme [Hitler, um Filme da Alemanha, de Syberberg] é fazer de Hitler, que nunca visitou o front e via a guerra todas as noites através dos filmes de atualidades, uma espécie de cineasta", avaliou Susan Sontag (1986: 107). Na II GG, concluiu Paul Virilio, autor de "Guerra e Cinema", o poder real passou a dividir-se entre "a logística das imagens e sons e os gabinetes de guerra e propaganda". Ditadores como o Führer já não governavam, mas "comportavam-se como diretores" (1993: 126).

Já os autores da "Dialética do Esclarecimento", numa das raras observações condescendentes ao cinema, admitiram que "O Grande Ditador" (1940), de Chaplin, enfocara, ao menos, um ponto essencial: a semelhança entre o barbeiro do gueto e o ditador. Afinal, o líder representa "menos o pai do que a projeção coletiva e desmesuradamente aumentada do ego impotente de cada indivíduo". Desta forma, eles se convertem no que sempre foram durante toda a era burguesa: "atores representando o papel de líderes" (Adorno e Horkheimer, 1985: 220-1). Diretores de cinema ou atores? Os "clones" do poder fascista se pretendiam mais: eles seriam verdadeiros "artistas". A política é a "mais elevada e mais compreensiva de todas as artes (...) e nós, que formulamos a nova política alemã nos sentimos como artistas" dizia Goebbels, Ministro da Propaganda e mestre da mentira (apud Sontag, 1986: 73).

E o que dizer das outras formas de prazer? O cinema logra seus consumidores quanto à satisfação que está continuamente a lhes prometer (Adorno; Horkheimer, 1985, p. 130-131). A exposição dos objetos do desejo apenas excita o prazer preliminar "que o hábito da renúncia há muito mutilou e reduziu ao masoquismo". A indústria cultural, puritana e pornográfica, não sublima como a arte. Ela reprime. Se tudo gira em torno do coito, nesta indústria do erotismo, é justamente porque este nunca deve ter lugar. Os líderes fascistas também tinham sua predileção por metáforas sexuais. Hitler considerava a liderança como domínio sexual das massas "femininas" - nada menos do que como estupro. Movimentos de direita, ainda que repressivos e puritanos (como a indústria cultural), têm uma aparência erótica, o que explica a atual erotização de símbolos nazistas (Sontag, 1986: 81).

Sob a indústria cultural divertir-se significa estar de acordo, esquecer o sofrimento até mesmo onde ele é mostrado. A pergunta retórica: "Mas o que é que as pessoas querem?" parece dirigir-se à indivíduos pensantes, quando sua missão é desacostumá-las de sua subjetividade. A subjetividade é, de fato, uma das primeiras vítimas dos regimes totalitários e a retórica (aliada à propaganda) um de seus principais instrumentos. Em 1943, Goebbels dirige-se à sociedade alemã: "Os ingleses pretendem que o povo alemão prefira a capitulação à guerra total; eu lhes pergunto, vocês querem a guerra total? Vocês ainda a querem mais total, mais radical do que podemos imaginá-la hoje?" Sob a previsível aprovação do público, o Ministro da Propaganda decreta: "Que a tempestade se inicie". (Virilio, 1993: 133).

Como o nazismo de fato já o fizera, a indústria cultural "realizou maldosamente o homem como ser genérico": cada um é "mero exemplar", indivíduo absolutamente substituível (Adorno; Horkheimer, 1985: 136-7). Regra aplicada magistralmente a todos os não-Arianos, "únicos fundadores de uma humanidade superior" e "tipo primitivo daquilo que entendemos por homem" (Hitler apud Schilling, 1988: 44-5), mas também aos fracos ou doentes da raça eleita. Se o Führer foi, sobretudo, "uma síntese do pensamento reacionário europeu" (ibid:30), a cinematografia do período pré-nazista o atesta. Em 1925, um "documentário educacional" intitulado "Os Caminhos para a Força e a Beleza" (1925) que promovia apenas a ginástica e o esporte (certamente imbuído daquele ideal de beleza e saúde que Hitler iria transformar em exigência para sua "comunidade do povo") era apresentado como exemplo vivo da "regeneração da raça humana" (Kracauer, 1988: 169). Adorno e Horkheimer ironizavam no texto sobre a indústria cultural: "Belo é tudo o que a câmara reproduza" (sob o império da estereotipia). A UFA, divulgando seus Kulturfilm (documentários), afirmava: "O mundo é lindo; seu espelho é o Kulturfilm" (apud Kracauer, 1988: 168).

5. O TRÁGICO E O DESTINO: ARTE E COTIDIANO

Mas a ideologia oca da indústria da cultura sabe consolar seus indivíduos. Ela não descuida de um certo tipo de "previdência social". Formalmente garantida, a liberdade anula-se no aparato de controle social atomizado em instituições e relações. Os outsiders do sistema serão representados no cinema como vilões; são culpados de não integrarem este Estado do bem-estar social. A pobreza é suspeita: os desassistidos não serão jogados nos "campos da morte" do nazismo, mas em slums típicos do liberalismo. A pilhéria da Alemanha nazista - "ninguém deve sentir fome ou frio; quem sentir vai para o campo de concentração"- poderia brilhar como uma máxima sobre todos os portais da indústria cultural (Adorno; Horkheimer, 1985: 140).
A sociedade total registra e planeja o sofrimento que é incapaz de extinguir; a cultura de massas faz o mesmo com o trágico, tomado em empréstimo à arte para prover com o necessário realismo a reprodução da vida. Calculado e aceito, o trágico torna-se o sucedâneo da profundidade há muito abolida. Impregnada com o sofrimento, a realidade reduplicada parece ser grandiosa, magnífica, poderosa: ela assume o aspecto do destino, fazendo do cinema uma instituição de aperfeiçoamento moral (ibid.:142-43). O destino também foi um dos grandes temas do cinema expressionista dos anos pré-hitler, já maculado por uma crescente mentalidade fascista). Decretada por um Destino inexorável, a destruição não era mero acidente, mas "um majestoso acontecimento": ela tinha grandeza (Kracauer, 1988:108-16).

No pseudomercado capitalista, a repetição mecânica do mesmo produto cultural é a repetição do mesmo slogan propagandístico; a técnica converte-se em procedimento de manipulação humana. As palavras, signos destituídos de qualidade, não mais significam. A repetição cega de "palavras designadas liga a publicidade à palavra de ordem totalitária". Enfim, a liberdade de escolha da ideologia, "que reflete sempre a coerção econômica", revela-se em todos os setores como a liberdade de escolher o que é sempre a mesma coisa. (ibid.:145-56).

6. DA DIALÉTICA DO ESCLARECIMENTO ÀS MINIMA MORALIA

Não cabe à Arte agir "quando o saber desampara o homem", conforme sonhara Schelling (apud Adorno, 1985: 32): o mundo burguês raramente lhe outorgou tal confiança. A limitação do saber, quando se dá, abre espaços para a fé (dependente do saber e obediente a uma palavra não sagrada). O fanatismo é a marca de sua inverdade. "O paradoxo da fé acaba por degenerar no embuste, no mito do século vinte"; sua racionalidade descamba "na cerimônia organizada" sob o controle dos esclarecidos que dirigem a sociedade rumo à "barbárie" (Adorno; Horkheimer, 1985: 33).

A liberdade é inseparável do pensamento esclarecedor, mas este regrediu à mitologia. Se a razão iluminista continha as dimensões emancipatória e instrumental, a sociedade burguesa fez uma clara opção pela última. O esclarecimento converte-se, "a serviço do presente, na total mistificação das massas" (ibid.: 52). Totalitário, o esclarecimento mitologizado comporta-se com as coisas tal como o ditador com os seres: conhece-os na medida em que pode manipulá-los. Eis a prerrogativa desta civilização esclarecida: a "confiança inabalável na possibilidade de dominar o mundo" (Freud apud Adorno, 1994: 24-5). Confiança, aliás, compartilhada pelo Führer.

As concepções de beleza e de arte do Terceiro Reich (bem como as de sua esteta máxima, a Sra. Riefenstahl) ao ganhar destaque na última década, sugerem algo sobre a nossa civilização da imagem. Certa apropriação retrógrada da chamada pós-modernidade, em sua faceta mais exposta, reedita a apologia do "Belo" - ou como diria Leni, "forte, saudável, vivo" -, e a falácia da desvinculação entre a estética e a política. Cinicamente, auto denominados arautos do pós-moderno festejam a substituição da ética pela estética, espécie de revival alienado e inofensivo (?) de um já familiar ideário pronto a concretizar - energicamente - a estetização da política e a crítica kamikaze à razão iluminista (bem como as suas utopias malogradas).

"Progresso e barbárie estão hoje, como cultura de massa, tão enredados que só uma ascese bárbara contra esta última e contra o progresso dos meios seria capaz de produzir de novo a não-barbárie. Nenhuma obra de arte, nenhum pensamento tem chance de sobreviver, a menos que encerre uma recusa à falsa riqueza e à 'produção-de-primeira-classe', ao filme em cores e à televisão, aos magazines milionários e a Toscanini", diria Adorno em Minima Moralia (1993:43). É também desta obra, escrita no exílio durante a Segunda Guerra, a constatação adorniana de que "o fascismo é de fato 'menos ideológico' na medida em que proclama de modo imediato o princípio da dominação, que em outros lugares se oculta" (ibid.:94). "É um enigma para mim que um homem tão inteligente possa dizer tanta besteira", diria, com certeza, a cineasta Leni Riefenstahl.


BIBLIOGRAFIA

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ADORNO, Theodor. Minima Moralia. São Paulo: Editora Ática S.A, 1993.
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VIRILIO, Paul. Guerra e cinema. São Paulo: Página Aberta, 1993.


* Adriana Kurtz é Jornalista e Professora da Escola Superior de Propaganda e Marketing de Porto Alegre. Mestre pelo Programa de Pós-Graduação em "Comunicação e Informação" da Faculdade de Biblioteconomia e Comunicação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, com pesquisa sobre a cineasta nazista Leni Riefenstahl.


Data de publicação: 30/04/2001