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O Cinema Como Instrumento na Alfabetização Audiovisual de Crianças

 

Meu Trabalho de Conclusão de Curso, para Licenciatura Plena em Educação Artística (desenvolvido na Universidade Santa Cecília - UNISANTA, sob orientação da prof. Dra.Ana Kalassa El Banat) propôs-se a estudar, dentro da arte-educação, a contribuição do Cinema (linguagem cinematográfica) na alfabetização audiovisual de crianças, com faixa etária entre 7 a 10 anos.

A idéia para o desenvolvimento desta temática surgiu de minha grande paixão pelo Cinema e de várias vivências pessoais, ocorridas de forma simultânea, em dois estágios que realizei entre março de 2007 a abril 2008. Para o leitor que queira compreender o processo de escolha deste tema, faço uma comparação com a linguagem cinematográfica, e sugiro que o leitor veja tudo com os olhos de um “editor” - que junta cenas diferentes, a fim de montar um filme.

A primeira vivência significativa para o surgimento deste Trabalho foi o estágio realizado no Cineclube da minha Universidade. No Cineclube, participei de algumas sessões exclusivas para crianças, onde após a exibição dos filmes, as crianças – em sua maioria de escolas públicas e creches - participavam de atividades lúdicas relativas ao Cinema. Esta vivência me aproximou da linguagem cinematográfica e do ensino informal.

A segunda vivência significativa também foi no ensino informal, desta vez como arte-educadora de uma Pinacoteca, em Santos. Lá, trabalhei com os mais diversos públicos - de grupos escolares a visitas espontâneas das mais variadas possíveis, de leigos a estudiosos de arte, etc. Neste estágio, questões sobre leitura de imagens, alfabetização visual, interpretação de obras de arte, limitação de repertório visual me intrigaram e despertaram o meu interesse. E, o que era vivenciado em um estágio (ou seja, com as imagens “fixas” – os quadros), automaticamente era transportado ao outro estágio (o das imagens em “movimento” – os filmes), o que gerou muitas dúvidas, comparações e despertou muitas inquietações (por exemplo, me questionava sobre como as pessoas “recebiam” e “liam” as imagens em movimento: estariam alfabetizadas também à linguagem própria das imagens em movimento, dos audiovisuais? Eram mais vulneráveis a elas? Imagens em movimento despertavam mais a atenção?).

Soma-se ainda a estas vivências, a descoberta da Cultura Visual, a base metodológica deste trabalho.
Agora que já vimos o surgimento deste trabalho, vejamos pouco do seu desenvolvimento.

Este trabalho se dividiu em duas partes: pesquisa teórica e pesquisa-ação. A pesquisa teórica se iniciou com uma investigação acerca dos aspectos conceituais e históricos dos seguintes temas: arte-educação no Brasil, arte-educação pós-moderna e seu expoente Cultura Visual, terminando com os aspectos conceituais e históricos da imagem em nossa sociedade, da leitura da imagem em movimento e da alfabetização audiovisual. A segunda parte da pesquisa teórica iniciou-se com uma investigação dos elementos da linguagem cinematográfica e terminou com investigação dos aspectos conceituais e históricos da relação entre Cinema e Educação.

A segunda parte deste trabalho abrange a criação de planos de aula e a execução destas aulas, compondo a pesquisa-ação, que se realizou nas aulas de Artes do Colégio Santa Inês (Santos-SP), com 65 crianças, do 1º ao 5º ano do Ensino Fundamental (ou do pré à 4ª série, na nomenclatura antiga). A vivência deste processo foi alvo de análise e compõe o relatório final do trabalho, finalizado em novembro/2008 e com defesa em dezembro/2008.

Pós-modernismo, Cultura Visual e Múltiplos Alfabetismos

A pesquisa teórica iniciou-se com um breve histórico da arte-educação no Brasil - desde a Missão Francesa (1816) até a arte-educação pós-moderna, termo usado a partir dos anos 1980 e que propõe:

• A idéia de “Arte como Expressão e como Cultura”, e não mais a visão modernista de arte somente como expressão.

• A livre-expressão não era mais a principal meta da arte-educação: a arte-educação pós-moderna preocupa-se com a “industrialização” da cultura e seus efeitos nos indivíduos, sendo assim, a arte é reconhecida como uma forma de “questionamento crítico cultural” (EFLAND, 1998) e a interpretação das obras de arte passa a ser a meta principal na arte-educação pós-moderna. Arthur Efland [1] (1998) nos diz que o pós-modernismo não mudou a “missão da arte de criar a realidade” e assim sendo, a arte-educação pós-moderna teria o propósito de “contribuir para o entendimento dos panoramas social e cultural habitados pelo indivíduo”.

• Para a interpretação das obras, era necessário ir além dos elementos formais (linha, cor, etc.), era preciso avaliar o contexto cultural de cada obra.

• Se a arte pós-moderna quebrou as barreiras entre arte erudita e popular, na arte-educação, as imagens comuns do cotidiano também mereciam ser estudadas, com a mesma preocupação com o contexto.

• Já que o Pós-modernismo reconhece a diversidade cultural, passou-se a defender a idéia de uma arte-educação “multicultural”.

• A arte-educação pós-moderna também se influenciou pelos trabalhos sobre desenvolvimento cognitivo, e concebeu-se a idéia de arte com a “cognição” (no sentido de percepção).

Iniciar esse trabalho pelos aspectos históricos apontou para uma visão crítica em relação ao passado e ajudou a entender o momento atual, identificando inclusive, modos de pensar e práticas presentes até os dias de hoje.

Mas falemos agora um pouco da Cultura Visual. Descobri a Cultura Visual nas primeiras leituras para este trabalho, através das referências que autores brasileiros fizeram do espanhol Fernando Hernández [2], um dos estudiosos da Cultura Visual.

A Cultura Visual é um campo de estudo interdisciplinar, que mescla várias áreas do conhecimento, como a Antropologia, a Sociologia, a Psicologia, a Filosofia, a História da Arte, a Pedagogia, e etc. Também é conhecida pela sigla “ECV” - Estudos de Cultura Visual ou pela denominação “Estudos Visuais”.

A “CV” surgiu no âmbito universitário, e como é um campo que engloba muita áreas, há uma certa confusão em definir seu “marco zero”.
Para Irit Rogoff [3]:

“(...) tanto em termos dos objetos de investigação como de seus processos metodológicos, a cultura visual reflete as mudanças sofridas, desde os anos 60, por diferentes campos do conhecimento (história da arte, lingüística e crítica literária, estudos dos meios, estudos culturais e feministas)” (ROGOFF apud HERNÁNDEZ, 2007, p.45).

Mas, o que a Cultura Visual estuda? E porque essas variadas áreas do conhecimento se mesclaram? Para Fernando Hernández, a Cultura Visual:

“(...) converge uma série de propostas intelectuais em termos de práticas culturais relacionadas ao olhar e às maneiras culturais de olhar na vida contemporânea, especialmente sobre as práticas que favorecem as representações de nosso tempo e levam-nos a repensar as narrativas do
passado” (HERNÁNDEZ, 2007, p.22).

Inicialmente ligada ao Ensino Superior, atualmente, a Cultura Visual começa também a ser utilizada em escolas de Ensino Fundamental e Médio, e na arte-educação, a Cultura Visual surge como um dos expoentes da arte-educação pós-moderna, ou, como defende Erinaldo Alves do Nascimento [4], “uma perspectiva educacional em Artes Visuais”.

Sobre o que a educação das artes visuais pode incorporar da Cultura Visual (principalmente para “responder às mudanças nas representações visuais e nas experiências de subjetivização das sociedades contemporâneas”), Hernández (2007, p. 44) diz, que apesar de ainda não se originar de uma maneira tão explícita assim uma proposta educativa da Cultura Visual (até por esta ser um campo muito grande, diversificado), podemos visualizar algumas das contribuições da Cultura Visual no ensino das artes visuais, como:

• Uma série de elementos teóricos (a importância do significado e do sentido na interpretação, o estudo histórico da visualidade, a perspectiva crítica, a performatividade, noções como representação, mediação, substituições, narrativa, etc.);

• Propostas metodológicas (a intertextualidade, a desconstrução, a análise crítica do discurso, entre outras);

• Posturas investigativas em atenção ao contexto cultural e ao processo de recepção; não apenas ao de produção de imagens;

• E o interesse da comunidade de pesquisadores em educação das artes visuais sobre temas que versam sobre as relações entre a cultura visual e a educação.

Mesmo sem um “currículo fixo”, algumas propostas do uso da Cultura Visual na sala de aula podem ser apontadas. Uma delas é a de que, no ambiente escolar, a Cultura Visual propõe levar às aulas de Artes outras linguagens artísticas, que fazem parte do dia-a-dia dos alunos, como a moda, publicidade, design, cinema e linguagens audiovisuais, e não só as formas tradicionais de Artes (como desenho e pintura), pois cada vez mais se reconhece o poder que esses novos meios têm na formação dos jovens e crianças.

Hernández (2007, p. 32) também nos lembra a distância do modo que a escola educa e como os meios como o cinema, os videogames, etc., “educam” jovens e crianças. Para tal, ele nos cita e compara a “pedagogia cultural”- termo de Henry Giroux, que significa os papéis que a cultura popular tem na vida de crianças e jovens fora da escola, influenciando em suas subjetividades -, com a “pedagogia escolar” - o que a escola ensina. Para Hernández, uma alternativa para diminuir essa distância entre escola e cultura popular seria não só estudar esses meios, mas também encará-los como parte da educação das artes visuais.

Para Hernández (2007, p. 36), a Cultura Visual e os novos campos disciplinares, como os estudos culturais, o estudo dos meios, e etc., podem enriquecer a escola na medida em que apresentam novas abordagens metodológicas e trazem à rotina escolar problemas contemporâneos e até então não abordados por ela. Como exemplo, Hernández aponta:

“Problemas como a relação dos jovens com os novos saberes e com a criação de novas expressões de subjetividade (por meio, por exemplo, dos espaços da Internet, ou de sua relação com a música e as imagens); também com os novos valores estéticos e de relação com a realidade (como os que derivam da possibilidade de acesso, análise, apropriação, transformação, criação, reprodução de imagens, sons, estratégias de apresentação)” (HERNÁNDEZ, 2007, p. 36).

Mesmo com tantas contribuições, o uso da Cultura Visual na arte-educação provoca controvérsias. Alguns críticos temem que ao adotar a Cultura Visual na sala de aula, se deixará de falar das “obras de arte” e se esquecerá do fazer artístico, somente se falando da cultura popular e de imagens produzidas por novas mídias.
Quanto a esta questão, Hernández nos diz:

“(...) não conheço nenhum estudo em educação da cultura visual que deixe de lado as artes visuais ou que não dê importância à produção de representações visuais. O que talvez, sim, aconteça é que, da mesma forma como na atualidade existem muitos artistas que já não pintam à óleo, que façam aquarelas, ou esculturas de barro, também mudou o sentido da teoria e da produção no que diz respeito à educação da cultura visual” (HERNÁNDEZ, 2007, p.24).

Quanto aos defensores da CV, acredita-se que estamos vivendo em uma época de “grande visualidade”, e que as pessoas deveriam ter um olhar crítico em relação às imagens, e não ser apenas um passivo espectador, sem questionar qual mensagem está sendo veiculada, como essa imagem influencia sua visão da realidade, e etc.

E o professor como fica nesse processo? Qual é o seu papel? Os adeptos da Cultura Visual defendem a idéia do “professor mediador”: um professor que faz a “moderação” entre o mundo da Arte e os seus alunos, um professor que sempre revê suas práticas pedagógicas, que não impõe “verdades” e nem é uma “autoridade absoluta”.

Fernando Hernández defende que o professor (e a escola de um modo geral) deve levar em consideração a produção cultural que crianças e jovens apreciam. Também segundo Hernández (2007, p. 89), o professor que queira trabalhar com Cultura Visual deve ser ao mesmo tempo um “aprendiz” e um “catador”. “Aprendiz” no sentido de aprender junto com seus alunos, se atualizar frente às novas metodologias, acontecimentos culturais, e etc. “Catador” no sentido de coletar diferentes imagens (e de diferentes lugares, culturas, épocas, etc.) e lê-las, criando novas narrativas com seus alunos. Para Hernández (2007, p. 88), o professor “moderador” busca equilibrar duas coisas:

• Que seus alunos desfrutem dos artefatos da Cultura Visual que estão abordando na aula;
• E a introdução de uma perspectiva crítica e atraente para seus alunos com estes artefatos.

A Cultura Visual valoriza o diálogo em sala de aula, incentivando os alunos a questionar, pensar, analisar as imagens, ver que sensações elas passam a cada um, não deixando espaço para a passividade. E é o professor quem deve “atiçar a curiosidade” de seus alunos, fazendo-os interagir com as imagens.

Além do conceito de usar linguagens artísticas presentes no cotidiano, outro conceito associado à Cultura Visual na arte-educação seria a alfabetização em vários níveis, ou melhor os “múltiplos alfabetismos” [5] . Estes “novos alfabetismos” [6], nos falam que há vários tipos de textos: os visuais, os auditivos, os multimídias e os corporais, e não somente o escrito (HERNÁNDEZ, 2007, p.24).

Mas, por que é importante pensar em múltiplos alfabetismos? Hernández (2007, p. 58) nos diz que “não se pode pensar sobre alfabetismo de forma isolada, à margem de uma ampla série de fatores sociais, tecnológicos e econômicos”. O que Hernández quer dizer é que precisamos “ampliar” nossos conceitos sobre alfabetização, levando em consideração nossa sociedade, pois nós obtemos “informações e conhecimentos em suportes analógicos e outras em suportes virtuais”.

O conceito de múltiplos alfabetismos abrange também a alfabetização audiovisual, que, por sua vez, desenvolve a capacidade de “ler” uma imagem em movimento e com áudio: decodificar seus elementos visuais e sonoros para entender a sua mensagem. Mas por alfabetização audiovisual, não se compreende somente decodificar os elementos para ler as mensagens audiovisuais, mas também saber se expressar pelos meios audiovisuais.

Para Rosalia de Ângelo Scorsi [7]:

“(...) Temos de nos educar a ver a realidade construída e mediada pelas tecnologias de reprodução das imagens e dos sons. Uma realidade montada de forma nada inocente dentro dos estúdios do cinema e da televisão” (SCORSI) [8].

Em uma sociedade como a nossa, que usa cada vez mais a imagem, seja ela audiovisual ou não, esteja essa imagem presente na televisão, na publicidade, no cinema, nas propagandas políticas, nos jornais, revistas, livros escolares, e etc., nos parece importante alfabetizarmos visualmente,
audiovisualmente e em tantos outros tipos necessários para interagirmos e compreendermos o mundo em que vivemos.


A pesquisa-ação

Na pesquisa-ação, realizada no Colégio Santa Inês (Santos-SP) trabalhou-se com o Cinema através da sua linguagem e de filmes (“produto”, “objeto”), exibidos no próprio espaço escolar das crianças participantes da pesquisa.
A pesquisa não objetivou levar as crianças às salas de exibições fora da escola; ao contrário, procurou justamente se adaptar aos moldes escolares (à disposição da sala de vídeo da escola, respeitar a divisão serial, e etc.).
Para o ensino da linguagem cinematográfica nesta pesquisa-ação, foram desenvolvidas quatro aulas, cada uma sobre um elemento da linguagem cinematográfica:

1 - O SOM NO CINEMA
2 - A EDIÇÃO NO CINEMA
3 - O ENQUADRAMENTO NO CINEMA
4 - MOVIMENTAÇÃO E ANGULAÇÃO DA CÂMERA CINEMATOGRÁFICA

Cada uma destas quatro aulas foi planejada se dividindo em várias partes:

• A primeira, a explicação teórica do tema, dialogando com o grupo;
• A segunda, uma atividade prática relacionada ao tema;
• Na terceira parte, a exibição de um filme;
• E, na última parte, a análise do filme exibido, tanto pelos elementos formais aprendidos na aula, como em uma leitura crítica do filme.

Como metodologia em sala de aula, a base foi a Cultura Visual e procurou-se trabalhar como um “professor mediador”, que fizesse a “moderação” entre a linguagem cinematográfica e os alunos, que fosse “flexível” e que indagasse, estimulasse e aguçasse as crianças em vários momentos. O diálogo em sala de aula foi estimulado, e procurou-se valorizar as experiências dos alunos, manifestada em seus comentários durante a aula.

Inspirado na Cultura Visual - que propõe que se “repense” o espaço escolar, a rigidez dos conteúdos e de uma “grade” fixa -, procurou-se também desenvolver uma metodologia lúdica, onde as crianças aprendessem “brincando”, realizando as atividades em grupo, sem competições ou comparações e sem uma “avaliação valendo nota”.

E, assim como a Cultura Visual abraça a idéia de múltiplos alfabetismos, ao falar sobre Cinema (um meio audiovisual), procurou-se trabalhar com outras formas de expressão (textos escritos, expressão corporal, desenhos, imagens fixas), e não somente o audiovisual.
Ao todo, foram realizadas cinco aulas no colégio escolhido (a aula sobre Movimentação e angulação da câmera cinematográfica foi repetida), ministradas para as turmas do 1º ao 5º ano, totalizando 65 crianças. O colégio (coordenação) e a colaboração das professoras de Artes foram organizados com antecedência, valorizando a contribuição desses participantes.

A faixa etária estipulada para as crianças participantes da pesquisa é de 7 a 10 anos, porém, no desenvolvimento da pesquisa neste colégio, outras crianças, de 6 e de 11 anos também participaram.

Sobre os temas das aulas para cada turma deste colégio, a escolha foi aleatória, pois todas as atividades e temas foram trabalhados para as aptidões desta faixa etária. Desta forma, as seguintes turmas ficaram com o respectivo tema (a seguir):

Esquema da pesquisa-ação realizada com os alunos do Colégio Santa Inês:

Turma: 1º ano / Tema da aula: Movimentação e Angulação da Câmera Cinematográfica / Dia: 12/08/2008 / Hora: 15h-15h50 / Professora de Artes da turma: Esmeralda

Turma: 2º ano / Tema da aula: Edição no Cinema / Dia: 12/08/2008 / Hora: 13h50 – 14h40 / Professora de Artes da turma: Bianca

Turma: 3º ano / Tema da aula: O Enquadramento no Cinema / Dia: 12/08/2008 / Hora: 16h40 – 17h30 / Professora de Artes da turma: Christiane

Turma: 4º ano / Tema da aula: O Som no Cinema / Dia: 12/08/2008 / Hora: 13h – 13h50 / Professora de Artes da turma: Dirce

Turma: 5º ano / Tema da aula: Movimentação e Angulação da Câmera Cinematográfica / Dia: 12/08/2008 / Hora: 15h50 – 16h40 / Professora de Artes da turma: Dirce


Sobre a curadoria dos filmes, devido ao pouco tempo de aula (respeitou-se os 50 min das aulas de Arte neste colégio) os longas metragens foram descartados, pois seria dada uma aula em cada turma. Optou-se, então, por curtas metragens, devido à duração e a possibilidade de repetição da exibição em aula. Estipulou-se um curta metragem por tema, e a definição de qual filme representaria cada tema foi feita em relação aos elementos da linguagem cinematográfica que seriam estudados em aula (por exemplo, sobre edição, optou-se por um filme que explorasse recursos como os saltos no tempo, etc.).

Baseado na Cultura Visual, que também recomenda que se leve para sala de aula a produção visual que os alunos conhecem fora do ambiente escolar, filmes “comerciais”, com personagens bem conhecidos, não foram descartados. Ao mesmo tempo, optou-se também por curtas nacionais, menos conhecimentos, para enriquecimento do repertório das crianças. O ano de realização dos curtas foi levado em consideração: optou-se por filmes mais recentes, realizados a partir de 2000. A exceção foi o curta da Pixar, Geri´s Game, de 1997, mas que foi re-lançado recentemente em DVD. Assim como se recomenda na Cultura Visual, os filmes foram selecionados e assistidos antes, procurando as possibilidades de diálogo, comentários, abordagens, etc., e mesmo sabendo que, na prática, outras coisas poderiam acontecer (e que de forma alguma, seria um problema).

Sabendo que se tratava de uma única aula experimental em cada turma, a forma de “avaliação” recomendada pela Cultura Visual (nos projetos de trabalho: os portifólios) não foi seguida. Como alternativa, a avaliação da aula dada baseou-se na participação, respostas e comentários dos alunos e professoras durante e após as aulas e em roteiros de avaliação respondidas pelos alunos participantes e pelo professor de Artes de cada turma.

Como resultado, pretendeu-se que ao final das aulas, as crianças conhecessem a linguagem cinematográfica e realizassem uma leitura crítica do filme, tanto pelos elementos formais que aprenderam na aula dada, com sensações impressas, quanto sobre o que o filme diz sobre seu modo de ver, pensar, que preconceitos foram detectados, etc.


Considerações Finais

Após o término deste trabalho, percebi que é possível trabalhar o ensino-aprendizagem da linguagem cinematográfica com crianças de 7 a 10 anos de idade, dentro das aulas de Artes do ensino formal, em espaço escolar - fator que contribui no desenvolvimento da alfabetização audiovisual das crianças nesta faixa etária, conforme o resultado da pesquisa-ação.

Durante a prática e na análise posterior dos dados obtidos na pesquisa-ação, o Cinema (através de sua “gramática cinematográfica”) mostrou-se um poderoso instrumento para a alfabetização audiovisual das crianças.

Com as crianças do Colégio Santa Inês, desenvolveu-se a capacidade de análise de um filme, tanto pelos seus elementos formais (enquadramentos, edição, etc.), quanto por uma análise mais ampla do mesmo, abrangendo impressões, sensações, visões de mundo que os filmes transmitiam e revelavam dos alunos - como defende a Cultura Visual. Tudo sem que se perdesse a “magia” de se assistir um filme (por exemplo, trabalhou-se a análise do filme em sua segunda exibição, e não na primeira vez, para que o “encanto” do filme fosse mantido).

Esta análise “abrangente” pôde ser percebida ao longo do diálogo com as crianças sobre os filmes, onde questões sobre velhice, solidão, “torcer contra” o vilão vieram à tona devido às estórias dos filmes.

Além disso, analisando as respostas dos roteiros de avaliação, podemos perceber que, após as aulas, as crianças adquiriram vocabulário sobre a “gramática cinematográfica”, como por exemplo: “Eu gostei. Eu gostei quando a tia ensinou o enquadramento” (Vinícius, 8 anos, 3º ano); “Gostei. Eu gostei do filme e da película cinematográfica” (Gabriella, 8 anos, 3º ano).

Outro fator interessante ocorrido após as aulas, é o de que, além dos termos cinematográficos, as crianças aprenderam outros termos através dos filmes, como “calango” e “onomatopéia”.

Ter a Cultura Visual como base metodológica apresentou bons resultados, pois as crianças conseguiram assimilar todo o conteúdo transmitido, e todo o processo de ensino-aprendizagem aconteceu de maneira flexível e lúdica, com participação ativa dos alunos.
Para mim, foi muito gratificante basear-me na Cultura Visual, pois os seus conceitos me permitiram adotar uma postura mais flexível, questionadora, mediadora e lúdica, coincidindo com minha visão sobre docência e minha personalidade.

Em relação ao tempo de duração das aulas de Artes no ensino formal, a divisão das aulas sobre Cinema (contando primeiramente com uma parte teórica, incluindo exercícios práticos, e de outra parte com exibição e análise de filme) mostrou-se muito eficiente e aplicável nos 50 minutos em que duram as aulas de Artes no Colégio Santa Inês - tempo de duração que se repete em muitas escolas. Podemos chegar a esta conclusão analisando o fato de que todo o conteúdo e atividades previstas foram executados dentro do tempo de duração da aula, sem que se extrapolasse o tempo e que prejudicasse as aulas seguintes.

A abordagem lúdica, que se estendeu por todas as aulas, também se mostrou eficiente e aplicável no ensino formal, pois com este tipo de abordagem, os alunos conseguiram assimilar os conteúdos dentro do tempo de duração da aula, ao mesmo tempo em que se divertiam, se mantiveram interessados e participativos do começo ao fim – alguns inclusive perguntaram se teriam outras aulas como esta -, e não houveram danos, nem falta de respeito ao ambiente escolar, provando que os alunos podem aprender de maneira prazerosa, “aprender brincando”.

Outra experiência que merece destaque foi a adaptação ocorrida na turma da 3ª série, onde a exibição e análise do filme não puderam ser desenvolvidas porque a escada de acesso da sala de vídeo da escola é muito grande, dificultando o acesso do aluno cadeirante. Nesta turma, ao se trabalhar com O SOM NO CINEMA, a narração de uma história e o storyboard da mesma - ocorridos na própria sala da turma (que fica no piso térreo) - substituíram a exibição do filme, e em seguida, a história narrada foi alvo de reflexão pela turma. Como resultado, percebi que, mesmo sem a exibição do filme, o ensino-aprendizagem da linguagem cinematográfica nesta turma não ficou comprometido, e também percebi que, com um pouco de criatividade e boa vontade, os obstáculos do ambiente escolar podem ser superados sem que os alunos saiam prejudicados.

Fiquei muito satisfeita com os resultados obtidos na pesquisa-ação e de presenciar a possibilidade de mudança no ambiente escolar tradicional, trazendo outras linguagens artísticas (neste caso, o Cinema, mas também os quadrinhos e a televisão, utilizados como exemplos nas aulas), muitas vezes mais “acessíveis” aos alunos, e por utilizar as mídias eletrônicas – fato que ainda gera certa “polêmica” na Educação.

O retorno positivo das professoras do Colégio Santa Inês - além do das crianças – me deixou muito estimulada.
A possibilidade de formar gerações de leitores críticos de imagem dentro do ambiente escolar me deixa inspirada. Penso que se nós aprendemos a ler e escrever as palavras na Escola, porque também não podemos nos alfabetizar visualmente, audiovisualmente dentro dela? Que lugar melhor do que discutir sobre imagem do que a Escola, onde passamos grande parte de nossa infância e adolescência e onde aprendemos sobre várias coisas?

 ** Natália da Silva Cunha é arte-educadora, pós-graduanda em Artes Visuais pela Universidade Santa Cecília – UNISANTA (Santos-SP).

* Artigo publicado no site Arte na Escola, em 08/08/2009.

"Notas":
1 Dr. Arthur Efland é professor-emérito da Ohio State University.
2 Professor da Universidade de Barcelona, Espanha.
3 Irit Rogoff é Doutora em Culturas Visuais na Goldsmtih University of London.
4 Erinaldo Alves do Nascimento é Doutor em Artes pela da ECA-USP e professor do departamento de Artes Visuais da UFPB.
5 Tradução do termo inglês "multipleliteracies".
6 Tradução do termo inglês "new literacies".
7 Dra. em Educação pela Unicamp.
8 SCORSI, Rosalia de Ângelo. Uma sintaxe transitiva. Disponível em: Acesso em: 14 jan. 2008.


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Natália da Silva Cunha ** O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo.