Em Nossos Dias (Hong Sang-soo, 2023) | 47ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo
por Henrique Guimarães
O estilo de Hong Sang-soo é um dos mais reconhecíveis no cinema contemporâneo. Seus longos planos estáticos, que contemplam com igual relevância diálogos banais e profundos, estão em mais de trinta filmes do diretor, desde 1996. São obras reconhecíveis, porque basta um plano de Hong para compreender toda sua estética e filosofia. No entanto, seus dois filmes de 2023 trazem mudanças. Além de filmar Na Água com um desfoque na imagem, como nunca antes havia feito, realiza também Em Nossos Dias, no qual nem mesmo uma só história parece dar conta de tudo que pretende — por isso, Hong nos conta duas e, diferentemente de Conto de Cinema, por exemplo, elas nem mesmo se encontram no fim.
Pereio, Eu Te Odeio (2023, Allan Sieber e Tasso Dourado) | 47ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo
Por Felipe Palmieri
Selecionado para a 47ª Mostra, o documentário Pereio, Eu Te Odeio (Allan Sieber e Tasso Dourado, 2023) é resultado de um processo de mais de 20 anos. Com enfoque na vida e carreira do ator Paulo César Pereio, uma das figuras mais controversas e memoráveis do cinema brasileiro, o filme aproveita sua presença marcante em trabalhos como Os Fuzis (Ruy Guerra, 1964), Vai Trabalhar, Vagabundo! (Hugo Carvana, 1973) e A Lira do Delírio (Walter Lima Jr., 1978). Para tal, os cineastas se utilizam de imagens de arquivo que, combinadas com entrevistas e depoimentos sobre o ator, retratam Pereio como uma espécie de figura mítica. Concomitantemente, os próprios percalços da produção do documentário são incorporados à progressão narrativa.
Paraíso em Chamas (2023, Mika Gustafson) | 47ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo
Por Giuli Gobbato
Irmandade e união feminina vão além de conexões de sangue. E, no mundo patriarcal de hoje, discutir a independência feminina no cinema segue indispensável, ainda mais quando se trata da juventude — uma tendência em diversos campos culturais, como evidente pela popularidade de grandes mulheres da indústria da música como Taylor Swift, que sempre reiteram a importância da força feminina. No longa sueco Paraíso em Chamas (2023), Mika Gustafson nos convida a testemunhar estes fortes laços de forma quase imersiva, nunca julgando as mulheres com as quais nos deparamos, seja como vilãs, seja como vítimas.
Devagar (Marija Kavtaradze) | 47° Mostra Internacional de Cinema em São Paulo
Por Pasquale Vincenzo Galatro
“[...] em todos os lugares o amor acaba; a qualquer hora o amor acaba; para recomeçar em todos os lugares e a qualquer hora o amor acaba”. O final da crônica “O amor acaba” (1964), de Paulo Mendes Campos, não poderia ser mais preciso para descrever o início, o durante e o fim do relacionamento entre uma dançarina contemporânea com mommy issues e um assexual intérprete de libras, os dois protagonistas de Devagar (Marija Kavtaradzem 2023). Eles se encontram, assim como tantos amores nessa vida, por mera casualidade. Elena leciona aulas de dança para pessoas surdas, quando Dovydas é designado para auxiliá-la como intérprete nesta tarefa. Mesmo quando ele admite sua assexualidade, o casal se apaixona perdidamente e, pelo menos no começo, a orientação sexual de Dovydas aparenta ser um mero detalhe entre os dois.
Bons Sonhos (2023, Ena Sendijarević) | 47ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo
Por Fernando Oikawa Garcia
Embora ainda pouco conhecida, mesmo em circuitos cinéfilos, Ena Sendijarević é dona de uma obra dotada de impressionante coesão, ainda que breve. Nascida na Bósnia e tendo vivido uma série de mudanças até se radicar na Holanda, talvez seja por sua experiência enquanto imigrante que seus filmes tragam personagens ou em deslocamento constante — como no road-movie Me leve para um lugar legal (2019) —, ou em espaços de trânsito e impermanência — a loja de conveniência de Viajantes da Noite (2011,) ou os refugiados de Import/Export (2016). Habitar, portanto, nunca é em seus filmes uma questão simples ou pacificada. E dessa impossibilidade de existir plenamente nos espaços, surge em seus filmes uma consciência de um mal-estar civilizacional, o qual só pode ser respondido, no drama, através do estranhamento.
Mambar Pierrette (Rosine Mbakam) - 47° Mostra Internacional de Cinema em São Paulo
Por Pasquale Vincenzo Galatro
Quando fazemos uma retrospectiva do cinema, é possível observar diversas vertentes do realismo, como o Neorrealismo Italiano e suas derivações seguintes que passaram por diversos lugares do mundo, chegando ao Brasil com o Cinema Novo e indo até a Índia, pelas lentes de Satyajit Ray. A grande peculiaridade do “realismo” é a sua forma de se reinventar; mas qual é o lugar da vertente realista nos últimos dez anos? São muitos os filmes que passam por festivais contando a mesma história, do mesmo modo, de um personagem enfrentando as dificuldades que sua realidade social impõe. A questão não é a validez da realização deste tipo de filme, mas por que obras da última década ainda não passaram por uma reinvenção tal qual um dia foi a que levou aos desdobramentos dos filmes de cunho realista?