Os
pesquisadores europeus, sobretudo os alemães, que a partir
do século XVI viajaram pelo Brasil, estudando os habitantes
nativos do país, deram uma contribuição valiosíssima
à etnologia brasileira. Foram estudiosos alemães que,
nos anos 30 do século passado, escreveram as primeiras monografias
sobre as culturas indígenas. Eles nos legaram um rico material
audiovisual parte do qual poderá ser visto nesta mostra
de filmes e criaram uma imagem do índio para si próprios
e para a Europa.
Segundo uma antiga crença difundida entre alguns povos indígenas,
a fotografia arrebata a alma da pessoa fotografada. De fato trata-se
de uma crença justa, pois quem retém a imagem detém
o poder. Durante séculos, o homem branco teve uma imagem
do índio que podia tanto ser a do bom selvagem como a do
selvagem mau.
Contudo, as representações sobre o índio como
ser natural reúnem em si aspectos opostos. Por um lado levam
à sua exclusão da esfera cultural, exclusão
essa justificada pela crescente incompatibilidade entre natureza
e cultura no processo civilizatório. Por outro, essas representações
conservam a memória e a nostalgia da naturalidade de um paraíso
perdido. O índio se transforma no símbolo difuso de
todas essas projeções, um símbolo, aliás,
extremamente ambivalente, já que carrega em seu bojo a lembrança
do processo de destruição da natureza externa e interna,
sendo, por isso, imagem de horror e de desejo ao mesmo tempo. Na
representação do índio como ser natural existe
uma mescla de sentimento de culpa e nostalgia de harmonia.
Qual é a relação entre as imagens do índio
produzidas pelos europeus e os americanos ou seja, pelo homem
branco e a imagem que os índios têm de si mesmos?
Cada vez mais índios passam a usar a câmara de vídeo
para documentar o que restou de sua cultura. Recentemente, o suplemento
para jovens da Folha de São Paulo publicou uma reportagem
sobre um jovem Xavante que produziu um CD-ROM sobre a sua tribo.
Na entrevista, ele afirma: "Antes de conhecer o computador,
eu já conhecia a televisão. Eu gosto de imagens."
Entre os 43 filmes da presente mostra documentários
e ficcionais, divididos nos programas "Visões",
"Encontros" e "Olhares Indígenas"
encontram-se quatro documentários rodados por índios;
é um número pequeno quando comparado com a grande
quantidade de imagens acumuladas pelos brancos durante 500 anos.
Mas estamos apenas no início de um processo que, através
da emancipação cultural, assim esperamos, levará
finalmente à emancipação política.
Foi isso que levou o Instituto Goethe São Paulo a realizar
este projeto, concebido pela antropóloga Paula Morgado dois
anos atrás. Desde então ela viajou várias vezes
para a Europa, onde, além de freqüentar um curso de
alemão no Goethe-Institut em Freiburg e organizar uma mostra
de documentários sobre o Brasil no Museu de Antropologia
em Berlim (jan/1998), visitou centros de pesquisa em antropologia
visual, videotecas, institutos e museus em Portugal, na Alemanha
e na França. A mostra "Os Brasis Indígenas"
é o resultado deste longo e profundo trabalho de pesquisa.
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