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Foram Os Sussurros que Me Mataram (2024) | 27ª Mostra de Cinema de Tiradentes

(Divulgação)

Foram Os Sussurros que Me Mataram (2024) | 27ª Mostra de Cinema de Tiradentes

Por Davi Krasilchik 

 

Em uma sociedade dominada pela tecnologia, as imagens estão por todo lugar. Elas guiam nossos olhares, influenciam nossas percepções, guiam nosso modo de enxergar o mundo. A neurose da aparência surge desse estado de vigilância constante, nos levando a internalizar uma autocompreensão ditada pela percepção que os outros possuem de nós. Realizado em um estúdio, e rodeado por personagens que tem essa como a sua principal preocupação, é dessa questão que surge o emblemático Foram Os Sussurros Que Me Mataram (2024).

 

 

O longa acompanha a famosa atriz Ingrid Savoy (Mel Lisboa), que aguarda em um quarto de hotel para estrelar em  um novo reality show. Conforme uma legião de fãs revoltados se aproxima do local, o futuro do programa se torna incerto. 

 

Dirigido pelo crítico e cineasta Arthur Tuoto, o filme tenta desconstruir algumas expectativas dos gêneros aos quais se filia. É principalmente o caso do suspense, emulado pela criação de uma atmosfera fantasiosa e de constante suspensão da recompensa. Assim como a protagonista, o público é deixado esperando  pela estreia da atração televisiva, adiada a cada novo desdobramento. Aqui, entretanto, não existe um comprometimento com a imersão, mas pelo contrário, com seu rompimento.

 

Distante da lógica de um cinema mais clássico, dedicado à anulação do mundo real para que se adentre um novo, a direção de Tuoto prioriza o afastamento. Seja pela verborragia dos diálogos, que disparam frases de efeito a todo momento, pela construção caricata das figuras em tela, ou pela artificialidade de todo o ambiente — chama atenção como a única janela presente borra a exterioridade —, o filme assume estar construindo caricaturas, não se adentrando além dos contornos dessas figuras.

 

Esse aspecto seria frustrante caso a essência do projeto não estivesse justamente nesse autorreconhecimento enquanto imagem. Perseguida pelo boato de que um paparazzi teria obtido fotos suas, o filme abre com um close-up bastante próximo de Ingrid Savoy, preenchendo a tela enquanto aplica maquiagem e reafirma o pacto com o espectador. Ela é apenas um símbolo, projetada por aqueles que a acompanham.

 

Voltando aos diálogos, é interessante como a desconexão entre eles diz muito sobre esse universo. De forma mecânica e teatral, existe uma dissociação entre o conjunto de falas, onde cada um expõe questões suas, em uma espécie de embate. O filme evita uma conexão lógica entre o que é dito, trabalhando uma espécie de sinfonia de vozes que realça o apodrecimento daquela superficialidade. Citações de livros ou mensagens morais se esgotam progressivamente, perdendo qualquer significado.

 

É quase como se o roteiro pensasse uma estrutura propositadamente destrutiva, revelando as suas próprias engrenagens — um estúdio, atores recitando falas, menções aos próprios espectadores — para se manifestar nesse exercício de afastamento e levar o espectador a pensar sobre a própria natureza das imagens e a nossa relação com elas, mais que na matéria plástica do próprio filme.

 

Todavia, a fragilidade reside em uma precarização da mise-en-scene, que torna incursões semelhantes superiores. Esse descaso com a imagem, que configura um manuseio menos inventivo dos planos, diminui alguns dos objetivos inconscientemente presentes no projeto. 

 

Esse estilo clínico se faz gritante desde o início, trazendo até um certo descaso com quem assiste. Chama atenção a estreia ter se dado em um festival, se conceituando também como uma possível provocação, mais interessante nessa lógica de questionamento da atração pelas imagens do que por elas, em si. 

 

Na narrativa, os espectadores, atônitos, se aproximam do prédio com os participantes do reality show, erguidos completamente pela suposição entre as personagens que ali se encontram. Essa suspensão é interessante, mas exige das personagens um estado de paranoia que se torna completamente esterilizado pela abordagem antinaturalista. Não existe um alinhamento maior àquelas figuras, de modo que não é possível compartilhar da sua tensão.

 

Resta essa inquietação, o princípio de uma desconexão com as imagens colocadas em tela. Talvez isso revele o funcionamento da obra, investida na construção de um entrelace entre espectros turvos que anseiam por serem observados. Desse modo, Foram Os Sussurros Que Nos Mataram estabelece um interessante exercício de mediação entre o público e a imagem, ainda que demonstre um certo desdém para com os dois.

 

 

Biografia:

Davi Galantier Krasilchik é estudante de Cinema e Jornalismo na Fundação Armando Álvares Penteado (FAAP), onde já roteirizou e dirigiu dois curtas-metragens. Ele também já fotografou dois projetos curriculares, além de produções por fora, e escreve críticas e reportagens para meios como a revista universitária Vertovina e o site Nosso Cinema. A sua paixão pela Sétima Arte se manifesta desde a infância, e atualmente ele trabalha na Filmoteca da TV Cultura, onde ajuda a preservar esse material pelo qual tem tanta paixão.

 

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A cobertura do 27º Mostra de Cinema de Tiradentes faz parte do programa Jovens Críticos que busca desenvolver e dar espaço para novos talentos do pensamento cinematográfico brasileiro.

Agradecemos a toda a equipe Universo produção e a ATTI Comunicação e Ideias por todo o apoio na cobertura do evento.

Equipe Jovens Críticos Mnemocine: 

Coordenação e Idealização: Flávio Brito

Produção e Edição: Bruno Dias

Edição: Davi Krasilchik, Luca Scupino, Fernando Oikawa e Gabriela Saragosa

Edição Adjunta e Assistente de Produção: Davi Krasilchik e Rayane Lima