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Competição Internacional de Curtas-Metragens (Programa 2) | É Tudo Verdade 2024

Competição Internacional de Curtas-Metragens (Programa 2) | É Tudo Verdade 2024

Por Gabriela Saragosa

 

Entre a graça e a violência (2023, Turquia e Países Baixos), Azul (2023, Cuba e Bélgica), Avalanche (2023, Colômbia), Só a lua entenderá (2023, Costa Rica e EUA) e Parentesco Indesejado (2023, Alemanha).

 

No Programa 2 de sua  Competição Internacional de Curtas-Metragens, a vigésima nona edição do festival É Tudo Verdade oferece, através de cinco documentários, um olhar aos temas da memória, depressão, opressão política e guerra. 

 

Entre a graça e a violência (2023, Turquia e Países Baixos), dirigido pela cineasta Şirin Bahar Demirel, propõe um olhar visceral às manifestações físicas da memória. Nas fotografias de um álbum de família ― ou seja, momentos frequentemente performados que, em teoria, capturam o melhor de cada um ―, quanta sinceridade existe? Quais nuances podem ser percebidas a partir daquilo que criamos, como pinceladas em um quadro ou pontos em um bordado? Através de um trabalho experimental com fotografias, colagens e animações, arrematadas por efeitos sonoros (como portas batendo e objetos se quebrando), a diretora explora de maneira audiovisual a subjetividade de suas próprias memórias, com simultânea delicadeza e honestidade, criando uma potente contemplação sobre o processo de fabricação das lembranças. 

 

Seguindo uma similar linha experimental, o filme Azul (2023, Cuba e Bélgica), dirigido por Violena Ampudia, foi criado a partir de um workshop no qual mulheres que sofrem de depressão pós-parto utilizaram a técnica da cianotipia ― um processo manual de impressão fotográfica que resulta em imagens em tons de azul ― para ilustrar seus sentimentos. O filme captura sensações de aflição associadas à maternidade ao narrar, por exemplo, o medo de que os dentes de uma criança machuquem os seios de uma mulher durante a amamentação. Desta forma, consegue também abordar a maternidade compulsória e os estigmas sociais que criam sentimentos de culpa em mulheres que não têm a experiência esperada ao dar à luz: quando ouvimos, por exemplo, a frase em tom hesitante “eu não amo meu… shhh!”. Toda a angústia enfrentada por essas mulheres é traduzida visualmente pela melancólica monocromia da cianotipia. 

 

No curta Avalanche (2023, Colômbia), o diretor Daniel Cortés reúne imagens de arquivo para fazer um retrato da resistência do povo colombiano a mais de um século de repressão política e assassinato de líderes sociais. Cortés seleciona não somente imagens que mostram o grande número de pessoas que tomam as ruas, como imagens aéreas, mas também planos de retrato que colocam em evidência o aspecto subjetivo da luta, dando rosto às tantas partes que formam a multidão: feições de luto, raiva e resistência. Sons intensos e desesperadores reforçam o caráter de urgência do filme, que age como um lembrete da necessidade constante e eterna de resistência política — não somente na Colômbia, mas em toda a América Latina. 

 

Só a lua entenderá (2023, Costa Rica e EUA), dirigido por Kim Torres, desenvolve uma atmosfera onírica e nostálgica. Entrelaçando o documental à ficção e a velhice à infância através do raro evento da Lua vermelha, o curta-metragem apresenta a vida dos moradores da pequena cidade de Manzanillo, no litoral da Costa Rica. Ao mesmo tempo em que o olhar infantil cria aventuras belas e poéticas, reflete-se que Manzanillo é uma cidade pacata, onde nada acontece e que um dia desaparecerá, engolida pelo mar. A partir de um olhar nostálgico para o passado, o filme trabalha a dualidade desse sentimento: a paz de uma infância bucólica e uma busca por serenidade na medida em que o narrador compreende: “acho que nunca vou sair daqui, eu vou morrer aqui”. A contagem regressiva audível durante uma brincadeira de esconde-esconde reforça essa sensação de dualidade entre a monotonia e o desassossego. 

 

Encerrando o programa, no filme Parentesco Indesejado (2023, Alemanha) o diretor Pavel Mozhar reúne relatos de civis ucranianos sobre a ocupação russa e bielorrussa na Ucrânia. Esses relatos são lidos por atores e ora interpretados em encenações, ora ilustrados por maquetes. Em vários planos, vemos a equipe trabalhando ― montando as câmeras, conversando com os atores a respeito de como se dará a cena e resolvendo questões no set. O filme coloca em evidência a questão do sofrimento civil perante a guerra e a questão complexa do “parentesco indesejado”: os soldados que invadem o país têm jeitos familiares, sotaques conhecidos e uma sensação de proximidade. A partir dessa ideia, ganha força a percepção da dissolução da empatia e da banalização das mortes que ocorrem em uma guerra, chegando ao ponto de se enterrarem corpos em parques infantis. 

 

Só a lua entenderá, de Kim Torres, foi eleito pelo júri oficial como o vencedor de Melhor Documentário da Competição Internacional de Curtas-Metragens da edição de 2024 do Festival É Tudo Verdade, e completa uma seleção de cinco filmes que retratam a vida e a luta política no mundo contemporâneo.

 

Biografia

Gabriela Saragosa estudou Cinema no Centro Universitário Armando Alvares Penteado (FAAP), com experiência nas áreas de pesquisa, roteiro, direção, produção e direção de arte.

 

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A cobertura do 29º Festival Internacional de Documentário É Tudo Verdade faz parte do programa Jovens Críticos que busca desenvolver e dar espaço para novos talentos do pensamento cinematográfico brasileiro.

Equipe Jovens Críticos Mnemocine: 

Coordenação e Idealização: Flávio Brito

Produção e Edição: Bruno Dias

Edição: Davi Krasilchik, Luca Scupino, Fernando Oikawa e Gabriela Saragosa

Edição Adjunta e Assistente de Produção: Davi Krasilchik e Rayane Lima