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Marcha Sobre Roma (2022, Mark Cousins) | É Tudo Verdade 2024

Marcha Sobre Roma (2022, Mark Cousins) | É Tudo Verdade 2024

Por Fabrício Laghetto

 

O cineasta e historiador Mark Cousins retorna às memórias traumáticas de um evento que assombrou o século XX, e continua assombrando até hoje. Como parte de sua homenagem no É Tudo Verdade de 2024, o festival exibiu em sua retrospectiva uma revisão a respeito de um líder que condenou milhões de vidas no mundo inteiro: Benito Mussolini.

 

Lançado em 2022, Marcha Sobre Roma observa o episódio histórico que dá título ao filme como um evento que deflagrou uma onda catastrófica, a qual continua reverberando no mundo — tese reforçada pela primeira cena do filme, na qual Donald Trump dá uma entrevista na TV sobre o fato de ter citado uma frase de Mussolini: "melhor viver um dia como leão que cem anos como cordeiro".

Cousins não se limita às comparações e paralelos entre um passado sombrio e o presente ameaçado. Para realmente compreender seu objeto de estudo, o cineasta fragmenta seu discurso em três visões diferentes: as imagens de arquivo da Itália do século XX (sejam eles documentais ou de ficção), imagens dos espaços da Itália no século XXI e uma dramatização feita por Alba Rohrwacher, personificando uma camponesas anônima no jardim de casa, em meio à tomada de poder e queda do regime fascista.

A primeira linha narrativa estabelecida pelo cineasta — a exploração do material de arquivo — não se limita a apenas examinar um movimento pela sua essência histórica, mas sim pela sua concretude contraditória. Cousins mostra como o filme de propaganda A Noi! (1922) de Marco Paradisi, que retrata a Marcha sobre Roma como um evento de tremenda amplitude popular, na realidade esconde sob o aparato cinematográfico o que de fato aconteceu. Através de imagens repetidas e falsificações na montagem, Cousins explora cada detalhe de uma propaganda forjada para reforçar o mito da Marcha, que na verdade não teve nenhum requinte de glória e nem tamanha comoção popular como demonstrado na propaganda.

Mas é através de uma falsificação muito bem executada que se cria uma memória duradoura — como dito em  O Homem que Matou o Facínora (1962) de John Ford: “quando a lenda for maior que o fato, publique a lenda”. Lenda esta que reside até hoje nos espaços públicos da Itália: mensagens ao Duce encravadas no chão, símbolos da Itália fascista em prédios e monumentos, e principalmente na arquitetura impositiva e opressora. Rastros do passado que não só residem na materialidade, como também no imaginário político, em indivíduos que aos poucos sobem ao poder da mesma forma que o líder fascista. 

Seguindo esses rastros no presente, Cousins elabora sua terceira linha narrativa, a dramatização do passado. Mas seus termos não são de uma pantomima elaborada, pois o cineasta escancara sua falsificação em um estúdio, onde Alba Rohrwacher, personificando as esperanças e desilusões de um Itália sabotada pelo fascismo, se posiciona em frente a uma tela de projeção. 

 

O cineasta aqui apresenta uma dialética entre a encenação do passado, que se reimagina, e a perspectiva de um presente temeroso. A tela de projeção alterna entre a representação naturalista de uma casa no interior da Itália, e imagens de uma Roma assolada por Mussolini e devastada pela guerra. Para se colocar uma memória em xeque, é preciso colocar o presente também: fazê-los colidir em um confronto.

A síntese de sua proposta de reconhecimento do passado é a revisão constante dos métodos e das tragédias. Os seres que dançam em meio ao caos do fascismo, representados pelas imagens das valsas nos filmes Um Dia Muito Especial (1977), de Ettore Scola, e O Conformista (1970) de Bernardo Bertolucci, se deparam com o desespero profundo e a esperança incerta em meio à loucura. Entregar-se ao medo não deve ser uma opção, o melhor a fazer é enfrentá-lo e pendurá-lo de cabeça para baixo.

 

Biografia

Fabrício Laghetto é graduado em Cinema na FAAP, onde realizou um curta-metragem como diretor e roteirista, dois curtas como fotógrafo e cinco curtas como montador. Trabalhou como assistente de pós-produção na Clube Filmes e atualmente trabalha como assistente de edição na Adamo Films.

 

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A cobertura do 29º Festival Internacional de Documentário É Tudo Verdade faz parte do programa Jovens Críticos que busca desenvolver e dar espaço para novos talentos do pensamento cinematográfico brasileiro.

Equipe Jovens Críticos Mnemocine: 

Coordenação e Idealização: Flávio Brito

Produção e Edição: Bruno Dias

Edição: Davi Krasilchik, Luca Scupino, Fernando Oikawa e Gabriela Saragosa

Edição Adjunta e Assistente de Produção: Davi Krasilchik e Rayane Lima