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Brevíssimo panorama do Cinema Brasileiro nos anos 90

A extinção decretada pelo ex-presidente Fernando Collor de Mello em 1990 da Embrafilme e da Fundação do Cinema Brasileiro, os órgãos federais que apoiavam a produção cinematográfica brasileira, foi a pá de cal sobre uma estrutura que já há algum tempo não funcionava a contento, sendo questionada por amplos setores da sociedade, inclusive por boa parte dos cineastas.

Mas Collor, ao invés de reformular esta estrutura ou substituí-la por uma nova, tão somente acabou com ela e não se preocupou mais com a questão. O processo, devemos lembrar, foi conduzido pelo cineasta Ipojuca Pontes, então secretário de Cultura do governo federal, que via no mercado a solução para todos os problemas do cinema brasileiro.

Seguiu-se um período de penúria total, no qual o Brasil produziu entre dois ou três filmes de longa-metragem por ano. Somente em 1993, já no governo Itamar Franco, é que através de novas leis federais de apoio à produção, baseadas na renúncia fiscal, assistimos a uma lenta retomada da atividade. Além disso, algumas prefeituras - como a paulistana e a carioca - e governos - de São Paulo, Ceará, Distrito Federal, Rio Grande do Sul, Espírito Santo, etc. - também passaram a apoiar, de várias formas, a produção cinematográfica. Segundo dados do Ministério da Cultura em 1995 foram produzidos 10 longas, em 1996 foram 16, em 1997 foram 22 e em 1998 foram 24. Apesar dessa melhora quantitativa, que se traduz também em um crescimento do público, a produção cinematográfica brasileira continua enfrentando problemas sérios para o seu pleno desenvolvimento, dos quais apenas citaremos os principais: boa parte dos cinemas não cumprem a lei de obrigatoriedade de exibição do produto brasileiro; o mercado brasileiro de salas de cinema é relativamente pequeno, o que resulta em uma expectativa de retorno financeiro bastante limitada; a distribuição dos filmes brasileiros é muito deficiente deixando de atingir várias praças e explorando alguns filmes de forma aquém das suas possibilidades de mercado; pagamento aviltante dos direitos para comercialização em vídeo-cassete, televisão a cabo e televisão aberta; e finalmente, o principal problema, ao contrário vários países desenvolvidos, no Brasil as grandes redes de televisão não participam de forma efetiva da produção cinematográfica e não existe nenhuma lei que as obrigue a exibir filmes nacionais.

Este é apenas um quadro muito resumido de aspectos econômicos do cinema brasileiro. Interessa-nos, além disso, ilustrar as tendências do cinema produzido no Brasil nos anos 90.
Um veio importante do cinema brasileiro que sumiu durante a crise e retornou com vigor na segunda metade dos anos 90 é o dos filmes infantis. A novidade é que além de Renato Aragão e Xuxa - astros e produtores já tradicionais desse tipo de filme -, tivemos várias experiências novas, algumas bastante interessantes tanto do ponto de vista da renda como artístico, é o caso do primeiro Menino maluquinho (dir: Helvécio Ratton) e do recente Castelo Rá-tim-bum (dir: Cao Hamburguer).

Apesar do mercado interno pequeno, alguns produtores insistem, com resultados variados, em filmes de orçamentos elevados e que se pretendem grandes espetáculos. Estes filmes em geral adaptam obras literárias conhecidas ou acontecimentos históricos marcantes, são escorados por um elenco que habitualmente estrela novelas de televisão e têm uma narrativa bastante convencional. Bons exemplos desse tipo de filme são: Tieta do agreste (dir: Cacá Diegues), Orfeu (dir: Cacá Diegues), Amor & cia (dir: Helvécio Ratton) e Mauá (dir: Sérgio Resende). Mas o que predominou foram produções de porte médio que não ousaram arriscar-se em inovações estéticas, procuraram vincular-se a algum gênero cinematográfico consagrado e buscaram dialogar com temas em evidência no Brasil. Os melhores exemplos são: O quatrilho (dir: Fábio Barreto), O judeu (dir: Tom Job Azulay), Os matadores (dir: Beto Brant), Boleiros (dir: Ugo Giorgetti), Carlota Joaquina (dir: Carla Camurati), Como nascem os anjos (dir: Murilo Salles), Pequeno dicionário amoroso (dir: Sandra Werneck), Terra estrangeira (dir: Walter Salles e Daniela Thomas) e Central do Brasil (dir: Walter Salles).

Deve-se mencionar o total desaparecimento na década de 90 de um cinema de amplo apelo popular, como a chanchada nos anos 40 e 50, todos filmes de Mazzaroppi, ou ainda o filme erótico dos anos 70. Uma das poucas tentativas nessa direção foi Cinderela baiana (dir: Conrado Sanchez), que, mesmo sendo estrelado por Carla Perez, não obteve nenhuma repercussão de público nas salas de exibição. É necessário analisar se ainda é possível ou não produzir filmes deste tipo no Brasil.

Merece atenção ainda o documentário, gênero que habitualmente atrai pouco público, mas cuja importância na formação da maioria dos cineastas é inegável, e que nesta década nos brindou com no mínimo dois grandes filmes: Conterrâneos velhos de guerra (dir: Vladimir Carvalho) e Santo forte (dir: Eduardo Coutinho). Além destes, deve-se destacar o criativo Nós que aqui estamos por vós esperamos (dir: Marcelo Masagão) e o correto O cineasta da selva (dir: Aurélio Michiles).

Finalmente destaco filmes que buscaram um grau de experimentação na sua proposta estética. E aqui dois diretores se sobressaem: Carlos Reichenbach e Júlio Bressane. O primeiro dirigiu Alma corsária, que é uma reflexão sobre a amizade e sobre a vida no Brasil nos anos da ditadura, mas para exprimir isso o filme utiliza-se de uma ampla gama de referências cinematográficas; e também dirigiu Dois córregos, no qual há uma abordagem lírica sobre os relacionamentos afetivos. Os filmes de Júlio Bressane, Miramar e São Jerônimo, são exemplares quanto à questão da intertextualidade, aqui o cinema dialoga com várias outras expressões artísticas, especialmente a literatura. Deve-se ressaltar ainda A terceira margem do rio (dir: Nélson Pereira dos Santos), adaptação interessante do universo de Guimarães Rosa, O vigilante (dir: Ozualdo Candeias), inteligente abordagem da violência na periferia da grande cidade, Amores (dir: Domingos de Oliveira), cujo roteiro é muito inventivo, Bocage, o triunfo do amor (dir: Djalma Limongi Batista), filme visualmente belíssimo, e Coração iluminado (dir: Hector Babenco), um dos filmes mais instigantes da década. Alguns diretores estreantes no longa-metragem surpreenderam positivamente: Um céu de estrelas (dir: Tata Amaral), O baile perfumado (dir: Lírio Ferreira e Paulo Caldas) e Um copo de cólera (dir: Aluísio Abranches).

Por falta de espaço não discutiremos aqui o curta-metragem, mas deixamos registrado que este formato foi fundamental não apenas para a resistência do cinema brasileiro na primeira metade década, como ainda constituiu-se em importante laboratório de experiências estéticas.

 



* Arthur Autran é doutorando no Depto. de Multimeios do Instituto de Artes - Unicamp

Data de publicação: 11/09/2000