As Garotas Estão Bem (2023, Itsaso Arana) | 47ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo
Por Fernando Oikawa Garcia
Nos créditos iniciais de As Garotas Estão Bem (2023), escritos à mão numa animação stop-motion de papéis, a diretora e atriz basca Itsaso Arana define seu filme como um "cine-ensaio". O uso corriqueiro do termo talvez esconda a polissemia. “Ensaio”, aqui, pode remeter ao gênero textual criado por Montaigne no século XIX, que se expandiu para as mais diversas linguagens artísticas. Capaz de versar sobre qualquer tema, o ensaio é um gênero, antes de tudo, marcado pela liberdade da forma, aberto a experimentações e a incorporação de discursos mais pessoais, para além das limitações impostas pelo rigor argumentativo. E, nessa atribuição do termo, este é um filme ensaístico: ao longo dele, as personagens discorrem sobre visões pessoais de mundo, por meio das conversas que nascem de uma residência artística — nesta ficção espanhola, acompanhamos quatro atrizes e uma dramaturga nos ensaios de uma peça. Eis aí o outro sentido de "ensaio" para o filme.
Na Ponta dos Dedos (2023, Christos Nikou) | 47ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo
Por Giuli Gobbato
O fascínio dos produtores estadunidenses pelo olhar grego sobre a vida dá as caras mais uma vez, com Na Ponta dos Dedos, de Christos Nikou. Co-produzido e distribuído pela Apple TV+, o projeto rapidamente chamou a atenção de grandes nomes dos Estados Unidos, como Cate Blanchett, que se juntou à produção.
A Besta (2023, Bertrand Bonello) | 47ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo
Por Marcos Kenji
Gabrielle (Léa Seydoux) está na frente de uma tela verde, em um estúdio. Uma voz (em off) solta instruções para ela encenar uma situação base: pegar a faca na mesa, fugir de uma besta, que a está perseguindo, e reagir ao seu ataque. Por estar em um estúdio de chroma key, ao redor do corpo de Gabrielle, tudo pode ser permutado, customizado, renderizado com o mais profundo realismo. No entanto, o essencial é: ao ser captado diretamente pela câmera, o corpo exprime indícios de realidade que, somados à ilusão criada por efeitos especiais, encenam um drama.
A Memória Infinita (2023, Maite Alberdi) | 47ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo
Por Fernando Oikawa Garcia
A Memória Infinita (2023, Maite Alberdi) é, durante boa parte de sua realização, um documentário caseiro. Ao fim da primeira cena, vemos Paulina Urrutia – atriz e ex-Ministra da Cultura do Chile – desligar a câmera, ligeiramente desfocada, posicionada à meia distância da cama que ela partilha com Augusto Góngora. Ele não sabe quem ela é; com graça, ela apresenta os dados fundamentais do filme: ele é jornalista; ela, atriz. É também sua esposa. No retrato do convívio e do amor do casal enquanto lidam com a degeneração progressiva do Alzheimer de Góngora, momentos íntimos como esse, filmados como uma espécie de vlog pessoal, constituem boa parte do filme e dão a medida de sua intimidade.
Cidadão Santo (2023, Tinatin Kajrishvili) | 47ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo
Por Giuli Gobbato
Vencedor do Globo de Cristal no Festival de Karlowy Vary, Cidadão Santo (2023, Tinatin Kajrishvili) é um drama que apresenta o processo de construção e degradação da fé em um pedestal — literalmente —, através da figura de um santo local crucificado numa pequena cidade da Geórgia. Este terceiro longa da diretora Tinatin Kajrishvili, que é o representante georgiano no Oscar de Melhor Filme Internacional deste ano, conta com uma abordagem similar à de um estudo de caso, explorando, por meio de retratos dos personagens, as diversas reações que uma divindade de carne e osso pode causar ao viver entre nós.
A Batalha da Rua Maria Antônia (2023, Vera Egito) | 47ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo
Por Felipe Palmieri
A história recente do Brasil, entre muitas coisas, lançou as bases para que o discurso político retornasse à produção artística fervorosamente. A Batalha da Rua Maria Antônia (2023), segundo longa da diretora Vera Egito, chega à 47ª Mostra após vencer o prêmio principal no Festival do Rio 2023, e representa a politização como uma necessidade, tanto pelo posicionamento como filme quanto pela jornada retratada em sua narrativa.