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Na Ponta dos Dedos (2023, Christos Nikou) | 47ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo

Na Ponta dos Dedos (2023, Christos Nikou)  | 47ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo

Por Giuli Gobbato

 

O fascínio dos produtores estadunidenses pelo olhar grego sobre a vida dá as caras mais uma vez, com Na Ponta dos Dedos, de Christos Nikou. Co-produzido e distribuído pela Apple TV+, o projeto rapidamente chamou a atenção de grandes nomes dos Estados Unidos, como Cate Blanchett, que se juntou à produção.

 

Nikou é estreante no mercado anglófono com Na Ponta dos Dedos, seguindo os mesmos passos daquele que impulsionou o início de sua carreira: o diretor Yorgos Lanthimos, de quem foi assistente de direção em Dente Canino (2009). Este, inclusive, é considerado o fundador do movimento Greek Weird Wave (Estranha Onda Grega), cujos filmes subvertem elementos simples do cotidiano e os repensam como complexos, usando formas que provocam estranhamento na maneira com que apresentam esses detalhes.

 

O enredo retrata o surgimento de um teste revolucionário, por meio do qual o amor entre duas pessoas pode ser confirmado, através da análise da coloração das unhas de seus dedos. A maioria dos casais testa negativo, mas a protagonista Anna teve a sorte de conseguir um positivo com seu namorado há alguns anos, quando o teste surgiu. Contudo, ela passa a questionar sua relação quando começa a trabalhar no Instituto do Amor, responsável pela testagem.

 

O título Na Ponta dos Dedos é bem direto, algo típico do movimento, e já indica o elemento causador dos conflitos na obra. A ficção científica no filme, inclusive, surge daí: apenas o teste do amor é estranho para o nosso mundo, o resto é familiar, e até mesmo algumas explicações científicas partem de noções reais. Assim, apesar do gênero, o tom é leve e permite o interesse dos amantes de romance ― a mesma estratégia usada pela série Ruptura (2022, Apple TV+), já que o gênero da ficção científica tende a atrair um grupo restrito de espectadores. No entanto, o universo ficcional de Nikou ainda parece distante da nossa realidade, devido à falta de celulares e mídias sociais na narrativa, elementos que definitivamente influenciam o amor hoje em dia.

 

A reflexão proposta pela obra, portanto, revela-se defasada, mas não é invalidada pela ausência da discussão digital, já que a racionalização científica sobre o que é o amor e o que pode causá-lo é mais interessante para o diretor. No espaço do instituto, razões médicas, químicas e até sociológicas são exploradas, enquanto se traça o caminho da protagonista até sua decisão a respeito de seu relacionamento, seja ela embasada pelo teste ou não.

 

O elenco de peso, que inclui Jessie Buckley, Jeremy Allen White e Riz Ahmed, cativa e promete qualidade. Mas talvez, o filme só prenda a atenção devido ao seu roteiro bem estruturado. Os personagens não são marcantes a ponto de tornarem-se memoráveis, mas instigam justamente por responderem com naturalidade ao universo, por mais maluco que ele pareça. O final também deixa a desejar, tanto no que diz respeito à atuação do elenco principal quanto à conclusão do roteiro, de modo que parece inacabado e repentino — sensação que poderia ter sido evitada, caso a obra não se encerrasse justamente no momento em que a protagonista tenta lidar com seus problemas pela primeira vez. Esse não parece um encerramento, quis parecer aberto, acabando no clímax do conflito principal, mas é fechado demais para a linguagem grega, pois confirma qual casal prevaleceu no final da trama. Neste momento, o filme abraça o didatismo dos romances, deixando claro quem a protagonista escolheu e impedindo que o espectador projete suas próprias ideias no final do filme, o que corta a catarse pela metade.

 

Como parece sempre acontecer com filmes anglófonos dirigidos por cineastas gregos de sucesso prévio em seu país, a obra é uma versão “diluída” do que o olhar grego é capaz de trazer: o absurdo, o questionamento, o choque diante do simples tornado complexo, do comum tornado extraordinário. Ainda é interessante e tem seu espaço, principalmente devido à ausência dessa abordagem cinematográfica no circuito anglófono. Mas não deixa de ser frustrante nos depararmos com uma versão “mastigada” desta forma de tornar a vida comum em cinema, cujo potencial perde força ao tentar explicar aquilo que se expressa melhor quando interpretado nas entrelinhas.

 

Biografia:

Giuli Gobbato é cineasta, comunicadora audiovisual e escritora. Formada em Cinema pela Fundação Armando Álvares Penteado (FAAP), sempre explorou o som de todas as formas, inclusive na música. Foi montadora e diretora de som em diversos curta-metragens, além de dirigir e roteirizar dois curtas independentes. Atualmente pesquisa a acessibilidade na comunicação.

 

A cobertura do 47º Mostra Internacional de Cinema São Paulo faz parte do programa Jovens Críticos que busca desenvolver e dar espaço para novos talentos do pensamento cinematográfico brasileiro.

Agradecemos a toda a equipe da Assessoria da Mostra por todo o apoio na cobertura do evento.

Equipe Jovens Críticos Mnemocine: 

Coordenação e Idealização: Flávio Brito

Produção e Edição: Bruno Dias

Edição: Davi Krasilchik, Luca Scupino, Fernando Oikawa e Gabriela Saragosa

Edição Adjunta e Assistente de Produção: Davi Krasilchik e Rayane Lima