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O Despertar de Aurora (Inna Sahakyan, 2023) - É Tudo Verdade 2023

O Despertar de Aurora (Inna Sahakyan, 2023) - É Tudo Verdade 2023

Por Victoria Neves

 

Vítima de uma história esquecida, Aurora tem sua vida destruída pelo Genocídio Armênio e foge para Nova York, onde se torna o rosto de uma das maiores campanhas de caridade do mundo. O documentário de Inna Sahakyan aborda essa trajetória a partir de um híbrido entre animação e entrevistas, para revelar seu lado desconhecido

 

No ano de 1919, a população estadunidense é comovida pela história de uma garota armênia que, aos 14 anos de idade, conseguiu fugir do massacre que matou todos os seus familiares, quando um famoso roteirista de Hollywood, Harvey Gates, transforma sua vida em cinema. 

 

O filme, intitulado Leilão de Almas e lançado em 1919, é um retrato das torturas e crueldades vividas por milhões de armênios entre os anos de 1915 e 1923, quando o governo Otomano entra em guerra e passa a exterminar a minoria armênia dentro de seu território, que hoje constitui a República da Turquia. Já o filme documental dirigido por Inna Sahakyan, O Despertar de Aurora (2023), mais se assemelha a uma biografia da vida de Aurora.  

 

Através do contraste entre a brutalidade do relato do genocídio e a delicadeza da técnica de animação presente no filme, Inna Sahakyan (re)conta uma história esquecida. Após perder o pai na guerra, o restante da família de Aurora é levado para a “marcha da morte” - caminhada que tinha como intuito, eliminar a maior quantidade de armênios possível. Os que sobreviviam, então, eram encaminhados em direção aos campos de concentração. Aurora, por muito pouco, sobreviveu. Entretanto, sobreviveu vendo a morte brutal de um por um de seus familiares.

 

O filme combina animação, entrevistas com Aurora e alguns trechos do filme Leilão de Almas. Tudo é narrado em primeira pessoa, como se a própria Aurora confessasse ao espectador tudo o que viveu. De acordo com o que está sendo contado, a voz que narra representa a aflição e medo de Aurora, a sua dor, ou até mesmo a esperança, como é o caso do momento em que a jovem armênia consegue fugir de uma das inúmeras situações em que foi prisioneira e encontra o tio que não via há anos, o qual a convence a fugir para Nova York, momento que é normalmente descrito como o ponto de virada de sua vida, em que tudo começou a dar certo para a jovem. 

Entretanto, a trajetória de Aurora não havia sido contada em sua totalidade, até agora. De fato, o seu recomeço nos Estados Unidos encheu o coração de Aurora com uma esperança que a garota mal sabia como sentir novamente. Lá, ela teve a chance de contar tudo o que passou em uma autobiografia, publicada em uma das colunas do jornal de Nova York. A história faz tanto sucesso que ela foi convidada a Hollywood para filmar Leilão de Almas, 1919.

 

A diretora não deixa de lado a grande dor e tormento que foi para a sobrevivente ter de reviver todos os seus maiores traumas nas gravações do filme de 1919. Especialmente, uma vez que Aurora era tanto personagem quanto atriz do filme de sua própria vida. Com o final das gravações, permaneceu com a recordação de seus mais dolorosos momentos nas inúmeras entrevistas e conversas que teve com pessoas fascinadas pela espetacularização de sua história. Sua saúde mental estava tão ruim, entre premières e festas para divulgação do filme, quanto estava no momento em que fugia para não ser morta no país de origem. 

 

O documentário é criterioso ao denunciar o uso feito da história de Aurora para a autopromoção dos produtores do filme e de pessoas que se diziam próximas da jovem na época, não levando em consideração como a exposição e constante lembrança daquilo que viveu poderia afetá-la. O desconforto de Aurora é não somente percebido no documentário, mas também esclarecido, ainda mais quando Sahakyan conta que os produtores do filme de 1919 contrataram uma atriz para se passar por Aurora e para acompanhá-los nas viagens de divulgação da produção, enquanto essa tratava de sua saúde mental. 

 

O Despertar de Aurora tem a sensibilidade de contar a história de uma mulher que lutou, do início ao fim de sua vida, de uma forma admirável. O filme não apenas explora as dificuldades da guerra, do massacre e da solidão, mas também o desafio para se manter fora de olhares interesseiros e trapaças de pessoas que ela nos Estados Unidos. A forma como se conduz a narrativa, por entre vislumbres de um passado feliz de Aurora com a família, lembranças de uma juventude dolorosa e alguns relatos da própria sobrevivente, é fascinante.

 

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Biografia: 

Victoria Neves é estudante de Cinema na universidade FAAP. Completamente encantada por tudo o que se relaciona à escrita e suas possibilidades, se dedica a escrita de críticas de cinema, histórias e roteiros. 

 

 

A cobertura do 28º Festival Internacional de Documentários É Tudo Verdade faz parte do programa Jovens Críticos que busca desenvolver e dar espaço para novos talentos do pensamento cinematográfico brasileiro.

 

Equipe Jovens Críticos Mnemocine: 

 

Coordenação idealização: Flávio Brito

Produção e edição adjunta: Bruno Dias

Edição: Luca Scupino