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Novos Olhares | Roma, cidade aberta (Roberto Rosselini, 1945) - Marco do Neorrealismo Italiano

Roma, cidade aberta (Roberto Rosselini, 1945) - Marco do Neorrealismo Italiano

Por Isadora Marcon

 

INTRODUÇÃO

Nos primeiros anos após a invenção do cinema, a Itália já se estabeleceu como uma das mais fortes cinematografias do mundo. Antes da Primeira Guerra Mundial, a mais importante produtora de filmes do país foi a Cines, que, criada em 1906 e voltada a produções de grande porte, realizou o monumental Quo Vadis (1913), dirigido por Enrico Guazzoni. Entretanto, é notável que somente a partir do movimento neorrealista, no pós-Segunda Guerra, o cinema italiano ganhou projeção internacional e influenciou decisivamente o cinema mundial. Para se ter um entendimento de como isso aconteceu, é necessário visualizar o contexto histórico-cultural anterior ao surgimento do Neorrealismo.

Como qualquer regime totalitário, o governo fascista de Mussolini também combateu violentamente aqueles que se opunham às ideias estabelecidas pelo Estado. Todavia, isso não indicava que o regime fascista prescindia do cinema como mecanismo de manutenção do poder. Durante este período, a produção cinematográfica italiana era controlada justamente pelo governo, devendo ser utilizada como uma ferramenta de propaganda para difundir valores políticos do regime e, simultaneamente, exaltar sua grandiosidade. Assim, os filmes eram realizados para agradar ao governo e construir imagens do fascismo de Mussolini, sem espaço para críticas ou questionamentos.

Percebendo a influência do cinema na cultura italiana, as produções passaram a ter um forte investimento coordenado por Vittorio Mussolini, filho de Benito Mussolini - resultando, por exemplo, na criação da Cinecittà1, um complexo de estúdios cinematográficos inspirado em Hollywood, que rapidamente tornou-se o maior da Europa. Dessa forma, os filmes italianos passaram a ser elaborados com grandes orçamentos e alto padrão técnico, visando impressionar o público e, consequentemente, resultou na produção média de 100 filmes por ano.

Entre os diretores que atuaram durante o governo de Mussolini, Alessandro Blasetti se destacou como o principal propagandista do regime. Disseminador dos ideais fascistas desde seu primeiro filme, Sole (1929), Blasetti produziu duas produções cinematográficas encomendados por Mussolini, ambos de propaganda ideológica: Vecchia Guardia (1935) e 1860 (1934). Mesmo seguindo tais princípios, Blasetti realizou  filmes que anteciparam o Neorrealismo, como O Coração Manda (1943). Ainda que considerada uma obra pré-neorrealista, o longa aborda temas contraditórios aos ideais do regime fascista, como o adultério, com uma estética que remete aos princípios neorrealistas. A prolífica produção de Alessandro Blasetti durante diferentes momentos está relacionada à sua habilidade em contornar os acontecimentos culturais na Itália de cada momento, o que explica sua contribuição para o cinema tanto durante o regime fascista quanto durante o Neorrealismo.

 

O NEORREALISMO ITALIANO

Com o fim da Segunda Guerra Mundial em 1945, diante de uma situação de caos e destruição, a Itália entrou em um período de reconstrução. A tarefa de construir uma "nova sociedade", "baseada na comunhão política e cultural do povo italiano" (FABRIS, 2006, p.191), foi impulsionada pelos intelectuais, especificamente aqueles que seguiam ideias da esquerda. Logo, o cinema revelou-se um importante fator de contribuição para a "formação de uma nova consciência democrática" (FABRIS, 2006, p.191). Foi neste contexto que o Neorrealismo gerou-se.

Para uma definição mais clara do que foi, propriamente, o Neorrealismo, é necessário entender que este não foi um movimento criado com muitas discussões prévias - ao contrário da Nouvelle Vague francesa, cujos filmes surgiram com o intuito de pertencer ao movimento antecipado pela crítica, e que teve em André Bazin e na revista Cahiers du Cinéma um ponto de apoio. O Neorrealismo, pelo contrário, enquanto movimento, ganhou forma e propiciou debates apenas após a realização dos filmes. Nesse contexto é possível visualizar características semelhantes entre as produções realizadas logo após o final da Segunda Guerra e mesmo antes. Desta forma, a questão principal que se colocou, nesse momento, foi  se o cinema neorrealista rompeu ou manteve uma continuidade em relação ao cinema italiano produzido durante a guerra. Para muitos críticos peninsulares e cineastas como Alberto Lattuada e Giuseppe De Santis, "o que distinguia o cinema italiano do imediato pós-guerra eram fatores internos (como o de refletir os problemas cruciais do país) e não elementos extrínsecos (como a utilização de atores não-profissionais ou as filmagens em cenários reais)" (FABRIS, 2006, p. 205).

Fabris lembra que, para Vittorio De Sica, o Neorrealismo não surgiu de um encontro casual entre ele, Rossellini e Visconti em uma mesa da Via Venetto, em que criaram-se diretrizes para a produção dos filmes. Ademais, Fabris continua a destacar que, apesar de singeleza de De Sica, há algo importante a ser considerado: o Neorrealismo não foi propriamente uma escola ou um movimento em que fosse possível reconhecer uma unidade, pois seus realizadores tinham ideias distintas; o que há de semelhante nas realizações neorrealistas nos diferentes diretores é, principalmente, a preocupação com a atualidade da sociedade italiana no imediato pós-guerra. Assim, a autora alerta:

Mesmo que não se queira falar em escola ou em movimento, como prefere a maioria dos críticos italianos, é possível reconhecer ao menos uma orientação estética em comum entre vários cineastas que atuaram naquele período, como faz, em geral, a crítica estrangeira (FABRIS, 2006, p. 204-205).

Para compactuar com a discussão, não há uma ideia precisa de quando começa o Neorrealismo. Entretanto, de maneira geral, existe uma concordância de que Roma, cidade aberta (1945), do notável diretor italiano Roberto Rossellini, marca o início do movimento. Mesmo assim, não foi a partir do filme de Rossellini que o termo "Neorrealismo" surgiu. Este aparece, pela primeira vez, no título do artigo da revista Cinema, escrito por Umberto Bárbaro, importante crítico e ensaísta italiano, onde ele descreve sua opinião acerca do filme Obsessão (1943), de Luchino Visconti. Este aborda a história de um casal marginalizado pela sociedade, em que, dispondo de locações reais, Visconti realça o drama dentro da própria realidade italiana.

Segundo Gian Piero Brunetta, se com a obra de Rossellini "movimenta-se e recomeça do zero todo o cinema italiano. Ou quase. "o primeiro longa-metragem de Visconti já havia se tornado "uma obra- manifesto não só do trabalho do grupo que gravita em torno dele, mas de uma série de forças esparsas que tinham tentado realizar um projeto de poética cinematográfica alternativo em relação aos modelos propostos pelo regime com as grandes tradições do naturalismo literário do século XIX" (BRUNETTA apud FABRIS, 2006, p. 199-200)

O Neorrealismo foi um movimento que juntou um número considerável de diretores, condensados especialmente em três nomes: Roberto Rossellini, Vittorio De Sica e Luchino Visconti. Estes cineastas buscavam retratar a realidade do país, suas dificuldades e injustiças sociais, sem a necessidade de grandes produções, estúdios de filmagem ou efeitos especiais. Entretanto, é de extrema importância destacar que estes diretores iniciaram suas carreiras antes do Neorrealismo propriamente dito: em níveis diferentes, tiveram atuação destacada durante o período fascista. Isso, de fato, retoma à discussão anterior sobre quando se inicia o movimento. Mais precisamente, se o Neorrealismo foi uma continuação da produção cultural anterior durante o regime fascista ou rompeu com ela. A esse respeito, é importante ter em mente que "o nexo entre política e ideologia para alguns cineastas é complexo, atado a condicionantes que jamais esclarecem de modo definitivo posições tomadas, o que reforça o quanto compromissos com a criação não são insuspeitos" (SILVA, 2021).

Entre os principais filmes neorrealistas de De Sica, estão Vítimas da Tormenta (1946) e Ladrões de Bicicleta (1948). O segundo é unanimemente reconhecido como um dos mais icônicos do Neorrealismo2. Em ambas as produções, evidencia-se uma das características mais marcantes do movimento: histórias que envolvem crianças. Já Visconti, embora tenha concretizado seu estilo em filmes realizados após o período neorrealista, também produziu importantes obras para o movimento, sendo elas A Terra Treme (1948) e Belíssima (1951), além de Obsessão (1943), filme que cunhou o nome do movimento italiano. De qualquer maneira, o diretor que se tornou o mais representativo do Neorrealismo foi Roberto Rossellini. 

O trabalho de Rossellini pode ser dividido em três trilogias; grosso modo: a chamada “trilogia fascista”, a trilogia neorrealista (também conhecida como Trilogia da Guerra) e sua trilogia intimista. O primeiro momento agrupa as obras O Navio Hospital (1941), Um piloto retorna (1941) e O homem da cruz (1943), nas quais o diretor acabou, de certa forma, se alimentando do regime fascista conforme lhe convinha. Entretanto, "ele jamais, ao contrário de diretores importantes da época como Alessandro Blasetti ou Aldo Vergano (fundadores da revista cinematógrafo, que circulou entre 1937 e 1941), manifestou publicamente simpatia pelo fascismo; portanto, não foi um militante entusiasmado pelo ideário fascista" (SILVA, 2021). 

A realização destes filmes acabou por conferir um caráter polêmico às suas produções posteriores, uma vez que o diretor segue a produzir obras como Roma, cidade aberta (1945), Paisà (1946) e Alemanha, ano zero (1948) logo após o fim da Segunda Guerra Mundial. Finalmente, quando Rosselini abandona algumas das características do Neorrealismo e passa a tratar de temas mais intimistas, o diretor produz obras como Stromboli (1950), Europa '51 (1951) e Viagem à Itália (1954), muitas das quais tornam a abordar assuntos espirituais e religiosos, tal como relações interpessoais.

Para aprimorar a delimitação dos filmes neorrealistas, o historiador e jornalista francês, Guy Hennebelle, procurou caracterizar o movimento a partir do seu ponto de vista técnico e estilístico, focando nos aspectos que diferenciavam os filmes das produções norte-americanas:

  1. A utilização freqüente dos planos de conjunto e dos planos médios e um enquadramento semelhante ao utilizado nos filmes de atualidades: a câmera não sugere, não disseca, só registra.
  2. A recusa dos efeitos visuais (superimpressão, imagens inclinadas, reflexos, deformações, elipses), caros ao cinema mudo: o Neorealismo - se quisermos forçar um pouco as coisas - retoma o cinema lá onde os irmãos Lumière o tinham deixado.
  3. Uma imagem acinzentada, segundo a tradição do documentário.
  4. Uma montagem sem efeitos particulares, como convém a um cinema não tão acentuadamente polêmico ou revolucionário.
  5. A filmagem em cenários reais.
  6. Uma certa flexibilidade na decupagem, que implica um recurso frequente à improvisação, como decorrência da utilização de cenários reais.
  7. A utilização de atores eventualmente não-profissionais, sem esquecer, no entanto, que o Neorrealismo se valeu de intérpretes famosos como Lúcia Bosè, Aldo Fabrizi, Vittorio Gassman, Massimo Girotti, Gina Lollobrigida, Sophia Loren, Folco Lulli, Anna Magnani, Silvana Mangano, Giulietta Masina, Amedeo Nazzari, Alberto Sordi, Paolo Stoppa, Raf Vallone e Elena Varzi, só para citarmos os italianos.
  8. A simplicidade dos diálogos e a valorização dos dialetos, que levou diretores como Visconti e Emmer a usá-los, na ilusão de transmitir ao público uma imagem verdadeira da Itália, sem intermediários, sem tradução.
  9. A filmagem de cenas sem gravação, com sincronização realizada posteriormente, o que tornava possível uma maior liberdade de atuação.
  10. A utilização de orçamentos módicos: o cinema social de alto custo não existe, caso contrário, deixa de ser social. (Hennebelle 1978, p. 67; Borde e Bouissy 1960, pp. 136-138; Fabris 1996, pp. 129-130)

  (FABRIS, 2006, p.205-206)

 

ROMA, CIDADE ABERTA

Em um dos principais filmes do movimento, Roma, cidade aberta, dirigido por Roberto Rossellini em 1945, é possível encontrar as características neorrealistas estabelecidas por Guy Hennebelle, especificamente, em uma de suas sequências mais emblemáticas, o assassinato da personagem Pina (Anna Magnani), pela Gestapo. De antemão, para entendimento do objeto de estudo, é necessário compreender aquele que o dirigiu e o contexto do filme.

Sobre sua definição de cinema, Rossellini comentou: "é o compromisso que um homem na sociedade, se possui talento, se faz esse trabalho (cinema) e tem a possibilidade de comunicar, deve colocar-se a serviço desta comunidade" (ROSSELLINI apud RECHIA, 2014, p. 7). Seguindo esse viés, é possível compreender que o diretor italiano atribui ao Neorrealismo um carácter social e político, além do artístico, na medida em que Rossellini pretendia retratar os efeitos da guerra sob a população marginalizada da Itália.

Toda obra audiovisual que se preza a manifestar o espaço e tempo de sua realização, deve compactuar com a fidelidade dos acontecimentos. No que diz respeito à obra considerada, ela nos remete a uma Roma real, a de 1944, quando ainda estava ocupada pelos nazistas. Como a produção foi realizada em 1945, é de se esperar que os efeitos  da guerra ainda fossem encontrados nas ruas. Portanto, é notável que tanto sua temática quanto as locações interiorizam o espaço-tempo daquele período.

Em relação à geopolítica, com a proximidade do fim da Segunda Guerra, a Itália ficou dividida entre os Aliados, que ocuparam o Sul do país, e os nazistas, cuja ocupação concentrou-se no Norte e no Centro, onde está localizada a cidade de Roma. Durante a ocupação alemã, Roma é declarada cidade aberta, o que a tornava livre de bombardeios aéreos. Nesse contexto histórico, fica evidente a importância do papel desempenhado pela Resistência Italiana3. Dessa forma, o filme inicia com um aviso: "Os fatos e personagens, ainda que inspirados na história trágica e heroica de 9 meses de ocupação nazista, são imaginários. Qualquer semelhança com os fatos e personagens é coincidência". Ao abrir o longa mencionando a ocupação nazista em Roma e que existe o estatuto de veracidade de sua narrativa, Rossellini demonstra uma preocupação em conectar realidade e ficção, remetendo dessa forma a uma das características principais do Neorrealismo: seu caráter documental.

Nesse contexto, Rossellini narra um episódio que envolve um grupo de personagens que lutam contra a opressão e a violência do regime nazista. Logo no início, o espectador se depara com a fuga de um dos líderes da resistência, Giorgio Manfredi (Marcello Pagliero). Perseguido pela Gestapo, ele tem a missão de entregar um milhão de liras, moeda italiana utilizada entre 1861 e 2002, para seus compatriotas resistentes no norte da Itália. Em fuga, Manfredi se esconde no apartamento de seu velho amigo Francesco (Francesco Grandjacquet), que também faz parte da Resistência e vive com sua noiva, Pina, uma mulher grávida e mãe solo de Marcello (Vito Annicchiarico), um menino de aproximadamente 12 anos que faz parte de um grupo de crianças rebeldes contra o regime nazista. Manfredi, ainda, recorre à ajuda do padre Don Pietro (Aldo Fabrizi), que contraria a posição da Igreja, juntando-se aos resistentes e se incumbindo de entregar o dinheiro. Entretanto, os nazistas descobrem o paradeiro de Manfredi. A partir daí, se inicia uma das sequências mais emblemáticas para a história desse grupo de personagens, e na qual é possível encontrar as características mais marcantes do Neorrealismo, como estabelecidas por Guy Hennebelle.

 

O ASSASSINATO DE PINA

Uma das sequências mais marcantes do filme começa no dia do casamento de Pina e Francesco. Enquanto Marcello e seus colegas vão à Igreja e encontram Dom Pietro (Figura 1), Francesco e Giorgio Manfredi estão se arrumando para o casamento. Nesse momento, Pina entra desesperada no apartamento e avisa que as tropas nazistas estão cercando o prédio em que moram e pedindo que todos desocupem o edifício. Somente as mulheres saem, já que os homens fogem pela parte da cisterna onde se lava roupas, que fica no subsolo do prédio (Figuras 2, 3, 4 e 5).

Enquanto isso, uma menina que mora no prédio e é amiga de Marcello foge e vai ao encontro dele na Igreja. Ela relata o que ocorreu e Marcello e os meninos se exaltam, querendo imediatamente voltar para casa e atacar os nazistas. Dom Pietro tenta acalmá-los. Porém, quando o filho de Pina relata que existem bombas no sótão, o padre esboça preocupação e, junto ao menino, vai até o prédio, visando escondê-las.

Ao chegar lá, Dom Pietro diz aos oficiais que veio para oferecer conforto a um dos idosos, que está em seu leito de morte e não consegue se levantar. Após encontrar bombas e uma arma que estavam em poder das crianças, o padre entra no apartamento do idoso para escondê-las. Dom Pietro e Marcello escondem-nas sob o cobertor do idoso e montam uma encenação que remete ao rito da extrema-unção (Figuras 6, 7, 8 e 9).

Logo mais, presenciamos o momento mais marcante da sequência. Pina e as mulheres estão agrupadas à frente do prédio quando ela vê Francesco escoltado pelos nazistas. Pina corre em direção ao seu noivo e é baleada pelos nazistas, imediatamente morrendo (Figuras 10, 11, 12, 13, 14 e 15). Uma cena forte, na qual a câmera se afasta quando Pina é assassinada e o espectador observa ao fundo Marcello indo ao encontro de sua mãe morta (Figuras 16 e 17).

De maneira geral, a sequência se constitui de diálogos simples, uma vez que o foco está no universo social daquelas personagens. Na verdade, não havia preocupação com a encenação das falas no momento das filmagens pois, como era típico no cinema italiano, elas seriam dubladas, e isso conferia uma maior liberdade às performances. Para complementar, a montagem não traz grandes efeitos transgressores à evolução narrativa, pois Rossellini valoriza os planos conjuntos e médios que compõem a sequência. Dessa maneira, os enquadramentos não exploram closes nem planos gerais. Não interessa a ele um distanciamento que dificultaria ao espectador o envolvimento emocional no assassinato mas, da mesma maneira, a cena não apela a planos próximos que poderiam evidenciar o estado psicológico da Pina. Seguindo as características do Neorrealismo, o assassinato de Pina é um entre tantos feitos pelos nazistas. O que importa a Rossellini é captar, através do cinema, a frieza e a banalidade do assassinato.

Uma das principais características do Neorrealismo presentes na sequência é a utilização de locações reais e a inclusão de não atores para interpretar os personagens secundários. Isso dá ao filme um aspecto documental, uma vez que as cenas são registradas em ambientes reais, sem a utilização de cenários artificiais. Além disso, a opção pelo trabalho com não-atores dá ao filme  um aspecto mais natural e espontâneo, sem a artificialidade do espetáculo. 

Por exemplo, quando os soldados nazistas ordenam que os moradores saiam do prédio, com exceção de Anna Magnani, todas ali eram não-atrizes. Suas roupas não eram figurino, mas  sim as que elas usavam no dia a dia. Logo, destaca-se outro aspecto; a recusa ao uso de  maquiagem, uma vez que não se desejava falsear a realidade, e sim acentuar a dimensão social italiana. Por fim, a morte de Pina traz outra importante característica: a ausência de efeitos visuais.  O final da sequência não traz muitos complementos ao tiro que Pina recebe, como a fumaça. Aqui, o seu assassinato é somente representado pela sua queda e o som do disparo da arma. Desta forma, Rossellini não mascara esse momento de tristeza que, provavelmente, se concretizou na vida de milhares de italianos durante o período nazi-facista. Ele apresenta, assim, a realidade crua de uma população marginalizada, indefesa e no fogo cruzado.

Figura 1

FONTE: ROMA, Cidade Aberta, 1945

 

Figura 2, 3, 4 e 5

FONTE: ROMA, Cidade Aberta, 1945

 

Figura 6, 7, 8 e 9

FONTE: ROMA, Cidade Aberta, 1945

 

Figura 10, 11, 12, 13, 14 e 15
FONTE: ROMA, Cidade Aberta, 1945

 

Figura 16 e 17
FONTE: ROMA, Cidade Aberta, 1945

 

CONCLUSÃO

Diante dos fatos retratados e da maneira como Roma, cidade aberta foi concebido, fica claro que Rossellini nunca teve a intenção de se afastar dos acontecimentos de seu presente histórico. Essa opção, delimita ao cinema o ato de mostrar a crueza da realidade cinematográfica, confrontada com a própria realidade social. Portanto, entende-se a importância de filmar o momento que ocorre. O Neorrealismo recusa a reconstituição de um instante no passado para que, assim, houvesse a compreensão do presente. Essa abordagem e interesse pelo presente é um dos elementos que fazem com que um filme neorrealista seja reconhecido como tal, mesmo que entre os diretores do movimento houvesse grandes diferenças de estilo e concepção de cinema.

Seguindo esse raciocínio, o cinema neorrealista não deveria se prender ao aspecto artificial do cinema, mas sim utilizá-lo para mostrar a realidade através de suas evidências, evitando a manipulação e os efeitos de imagem. Com isso, o cinema cumpriria seu papel político, ao apresentar um momento histórico de maneira fiel. Tem-se, por outro lado, a utilização do cinema muito mais como um meio para a construção do sentido de um período do que sua mera reprodução. Tomando como exemplo o filme de Rossellini, as locações externas constituem muito mais que um mero local geográfico. Pelo contrário, estes espaços trazem um caráter narrativo, construindo a ideia de que as memórias da guerra são potencializadas pelos personagens e a narrativa que constroem está inserida neste espaço. Assim, não é possível negar que a paisagem de uma Roma em ruínas é aquela que ajuda a dar maior dramaticidade à situação. Assim, é possível dizer que o caráter documental de Roma, cidade aberta não está meramente baseado nas locações reais, mas sim, no uso de atores e não-atores que viveram durante o período retratado, partindo assim de uma ideia tanto coletiva quanto individual da guerra. 

Roma, cidade aberta retrata a realidade social da Itália pós-guerra, com a fome, a pobreza e a luta pela sobrevivência. O movimento neorrealista buscava mostrar o lado humano da História do período: as dificuldades e a luta diária das pessoas comuns, que eram excluídas do cinema hegemônico. Em conclusão, Roma, cidade aberta é um exemplo marcante do Neorrealismo Italiano e de suas características. Além de retratar a realidade social e política da Itália pós-guerra, mostrou que o cinema tem um papel importante na construção do sentido daquele período. Assim sendo, o movimento foi fundamental para o desenvolvimento do cinema italiano e para a resistência cultural contra a opressão e a censura. Logo, pela importância que teve ao retratar aquele momento, o Neorrealismo Italiano teve enorme influência sobre o cinema mundial, se consagrando como um dos movimentos mais influentes da história do cinema.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

FABRIS, Mariarosaria. In: MASCARELLO, Fernando (Org.). História do Cinema Mundial. Campinas: Papirus, 2006.

RECHIA, Karen Christine. Roma, cidade aberta (1945): locais narrativos num cinema de vidência. 2014. Disponível em: <https://eventos.udesc.br/ocs/index.php/STPII/tempopresente/paper/viewFile/162/101 >. Acesso em: 21 de Março de 2023.

SILVA, Humberto. O lado B de Roberto Rossellini. 2021. Disponivel em: <https://www.cinemaescrito.com/2021/03/o-lado-b-de-roberto-rossellini/#:~:text=Com%20o%20avan%C3%A7o%20das%20tropas,ser%20abatido%20pelos%20pr%C3%B3prios%20italianos>. Acesso em: 21 de Março de 2023.

 

FILMOGRAFIA:

ROMA, Cidade Aberta. Direção: Roberto Rossellini. Produção de Giuseppe Amato, Roberto Rossellini e Ferruccio de Martino. Itália: Excelsa Film / Minerva Film AB, 1945. Longa-metragem (100min), p&b. Digital.

 

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Cinecittà é um complexo de teatros e estúdios situados na periferia oriental de Roma (cerca de 9 km de distância) responsável pela maior parte da produção cinematográfica italiana [...] Os estúdios foram uma idéia e realização do regime fascista.

A importante publicação inglesa Sight and Sound a cada dez anos faz uma enquete com críticos de todo o mundo para eleger o “melhor filme da história do cinema”. A primeira vez que essa enquete foi feita, em 1952, Ladrões de bicicleta foi escolhido como o melhor filme da história.

A Resistência italiana (em italiano, Resistenza italiana ou partigiana) foi um movimento armado de oposição ao fascismo e à ocupação da Itália pela Alemanha Nazista, bem como à República Social Italiana — fundada por Benito Mussolini. [...]

Artigo escrito a partir das aulas da  disciplina História do Cinema III, ministrada pelo Prof. Dr. Humberto Pereira da Silva.

 

 

Biografia:

Isadora Marcon é aluna do curso de cinema oferecido pelo Centro Universitário Armando Álvares Penteado (FAAP). Atuou em diversas áreas do audiovisual, destacando-se como produtora do curta universitário Medindo Medidas (2022) e diretora de arte dos curtas Corredores e Contingências (2022) e Ninguém Mais (2022). Na área de direção, foi  primeira assistente de direção em Pretérito do Futuro (2022) e o filme de conclusão de curso Ruído Azul (2023). Além disso, foi diretora do curta universitário de quinto semestre Jarro de Pulgas (2023), o qual co-roteirizou.