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Mostra Nocturnu | 34º Festival Internacional de Curtas Kinoforum

Mostra Nocturnu | 34º Festival Internacional de Curtas Kinoforum

Por Eduardo Aliberti Ferraz

 A tradicional “Mostra Nocturnu” de filmes fantásticos e de terror do Festival Internacional de Curtas de São Paulo tem seleção diversa, com curtas que abordam o corpo e relações interpessoais.

 

“Essas são minhas noites, que noites do horror, tal é a minha sorte.” Extraída da canção “Que Noites Eu Passo”, de José dos Santos Monteiro, essa melodia ecoa no curta-metragem Promessas de um Amor Selvagem (2022), de Davi Mello. A letra representa bem o espírito da tradicional Mostra Nocturnu do 34º Festival Internacional de Curtas de São Paulo organizado pelo Kinoforum, programa voltado para filmes fantásticos e de terror, do qual o curta em questão participa. 

 

A mostra é composta por cinco curtas-metragens que compõem uma seleção diversa em termos temáticos e de linguagem cinematográfica, representando o que há de melhor e mais atual no cinema de horror mundial. Em sua essência, esta seleção apresenta um elo entre as suas narrativas: a forte presença do corpo humano como protagonista, trabalhado pelo subgênero do horror corporal, e que se entrelaça com diversas abordagens das relações humanas, variadas em tonalidades e nuances.

 

A exibição se inicia com o curta francês Esfolada (2022), de Joachim Hérissé. Utilizando-se da técnica do stop-motion para falar sobre conexões familiares, ele emprega fios como material de animação e tece uma trama que orbita em torno de duas irmãs siamesas, ligadas por uma perna e vivendo em um prédio abandonado. A obra trabalha com o horror corpóreo, entrelaçando metáforas sobre relações tóxicas e o impacto avassalador que aqueles mais próximos podem exercer sobre nós, não apenas em nosso comportamento, mas também em nossa própria carne e osso.

 

(Esfolada, Joachim Hérissé)

O filme dialoga com o longa-metragem de animação A Casa Lobo (2019) de Joaquim Cociña e Cristóbal León, vencedor do Prêmio do Júri do Festival Internacional de Cinema de Animação de Annecy. A obra, também um stop-motion de terror, explora, por meio da animação de objetos singulares como pedaços de papel e pinturas na parede (wall-painting), o horror que envolve uma jovem aprisionada dentro de uma casa situada em uma colônia chilena.

 

O segundo curta é Tem Algo Estranho Com a Minha Avó (2022) dirigido por Pedro Balderama e Rimai Sojo, uma coprodução entre Brasil, Equador e Argentina. Com um toque experimental distinto, a narrativa é centrada em torno de uma senhora que mora sozinha em sua casa e, após sofrer uma queda, é obrigada pela família a instalar câmeras em sua residência para que os seus familiares possam monitorar o seu estado. Por meio do olhar de seu neto, que narra o filme, vemos camadas inquietantes  emergirem através das câmeras de vigilância - revelando não apenas um corpo fragilizado pelo tempo, mas elementos sobrenaturais paralelos à relação entre avó e neto, que não consegue encontrar uma  solução ao problema. 

 

Em sequência, o curta-metragem de Cingapura, Você Verá (2022), dirigido por Kathleen Bu, oferece uma reflexão sobre os limites da arte e a relação complexa entre o artista e seu objeto de estudo. A trama acompanha uma fotógrafa que busca alcançar as potencialidades máximas da câmera e é alertada por uma profissional mais experiente que isso exige sua dedicação máxima, possivelmente tomando a sua ética e a sua vida. O filme traz o horror corporal para refletir sobre o impacto profundo e duradouro que a arte pode ter nos corpos e nas vidas reais daqueles que são retratados em suas obras.

 

Por sua vez, Promessas de um Amor Selvagem é um curta-metragem brasileiro, dirigido por Davi Mello, que conta a história de um jovem que entra de penetra em uma festa, onde se relaciona com outro homem e descobre, em uma rodada de tarô, que falta pouco tempo para a sua morte. Sua experiência é vivenciada em sonho por uma jovem de uma família tradicional décadas antes, com a qual estabelece uma conexão. 

 

(Promessas de um Amor Selvagem, Davi Mello)

 

A questão do corpo se faz presente por meio da relação entre essas duas pessoas, a jovem adentra o corpo do outro em uma experiência de quase morte. Além de sua relação, também observamos o último contato amoroso do jovem antes de sua morte, trazendo a temática LGBTQIA +, recorrente no cinema de terror brasileiro nos últimos anos. 

 

Conclui a mostra, de forma arrebatadora, o filme francês A Máquina de Alex (2022), dirigido por Maël La Mée. A trama gira em torno de Alex, a única aluna mulher em sua turma de biomecânica automotiva, que decide construir um motor de carne artificial para seu projeto final. Porém, o seu envolvimento com a máquina vai além de questões acadêmicas. Por meio do vínculo proibido entre humanos e máquinas de carne artificiais, o filme consegue trabalhar as relações que a nossa sociedade marginaliza e reprime. Um paralelo marcante emerge entre essa conexão "proibida" e as relações LGBTQIA +, simbolizadas também pelo contato entre Alex e a sua colega de quarto, que também se envolve com a máquina devido à amizade das duas.

 

É impossível não pensar na obra do diretor David Cronenberg como um todo, ou mesmo em seu filme mais recente, Crimes do Futuro (2022), que aborda os impactos da tecnologia no corpo e a forma como podemos alterar fisicamente as nossas carnes. Ele estabelece, inclusive, um paralelo com o outro filme da mostra, Você Verá, que possui um horror corporal similar aos trabalhos do diretor. 

 

De forma geral, a Mostra Nocturnu traz um panorama abrangente do terror contemporâneo, exibindo filmes que tratam do horror corporal e das relações interpessoais em suas mais variadas formas. Terá exibições no dia 25 de agosto às 21h30 no Espaço Itaú de Cinema -Augusta e, novamente, no dia 27 de agosto às 19h00 no CCSP, ambas as sessões com a mesma programação. Parafraseando a canção “Que Noites Eu Passo” de Santos Monteiro, tal é a sorte de quem puder assisti-la.

 

 

 

Biografia:

Eduardo Aliberti Ferraz é pesquisador e roteirista, formado em Cinema na Fundação Armando Álvares Penteado (FAAP). Diretor e roteirista de quatro curtas-metragens, selecionados para diversos festivais no Brasil e no exterior, recebeu o Prêmio Brasil de Cinema Infantil no FICI 2020. Apaixonado pelo estudo de gêneros cinematográficos, em especial o gênero terror.

 

 

A cobertura do 34ª Festival Internacional de Curtas de São Paulo - Curta Kinoforum faz parte do programa Jovens Críticos que busca desenvolver e dar espaço para novos talentos do pensamento cinematográfico brasileiro.

Agradecemos à Atti Comunicação e Ideias e a toda a equipe da Associação Cultural Kinoforum por todo o apoio na cobertura do evento. 

Equipe Jovens Críticos Mnemocine: 

Coordenação e Idealização: Flávio Brito

Produção e Edição: Bruno Dias

Edição: Davi Krasilchik e Luca Scupino

Edição Adjunta, Apoio de produção e Transcrição das entrevistas: Rayane Lima