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Mostra Brasil I | 34º Festival Internacional de Curtas Kinoforum

Mostra Brasil I | 34º Festival Internacional de Curtas Kinoforum

Por Fábio H.S Guttmann

 

Como peça fundamental do catálogo do Curta Kinoforum, a Mostra Brasil 1 inclui temas cujo conteúdo principal é a pluralidade de culturas em um só país.

 

Em cartaz na Mostra Brasil 1 (Mostra “De Frente pra Vida”), o curta Drapo A (2022), dos diretores Henrique Lahude e Alix Georges, explora os laços extracontinentais entre Brasil e Haiti. O filme identifica e atravessa conflitos familiares, econômicos e jurídicos de uma pequena comunidade de haitianos residentes do município de Encantado, no Rio Grande do Sul.

 

Em contraste ao nome do município, por não terem seus direitos de migrantes reconhecidos pelo Ministério Público, suas vidas caminham ao lado do desencanto. A anulação da projeção futura é presente. Assim como no Haiti pré-independência, seus costumes e o pertencimento aos novos espaços não são consentidos tanto pela população geral quanto por si mesmos. O que lhes resta é a luta pela presença nessas novas paisagens, e junto consigo a garantia de sua liberdade. Contrários, por assim dizer, a um Estado que não reconhece suas cidadanias.

 

A luta pelo reconhecimento é identificada tanto pela presença das manifestações locais quanto pelo tom neorrealista e docufictícia que o filme possui. Nesse sentido, a linguagem estabelecida é análoga aos filmes de Adirley Queiróz - tanto no conjunto Branco Sai, Preto Fica (2014) quanto em A cidade é uma só? (2011) e Era uma Vez Brasília (2017); no sentido da presença de luta de classes minoritárias, além da presença da rádio como tentativa de interlocução, o contraste entre locais de elite e locais periféricos, etc.

 

Diante dessa comparação, o cinema brasileiro contemporâneo traz consigo a marca de novas vozes presentes na arte e na cultura que hão de serem ecoadas em grande parte das ruas e dos municípios - seja no Rio Grande do Sul, seja em Brasília ou nas outras regiões metropolitanas.

 

(Casa de Bonecas, George Pedrosa)

 

Já em paralelo a esse cinema mais político, o atual audiovisual brasileiro não se limita ao circuito fechado do real, utilizando-se também de uma linguagem onírica e mais abstrata. No caso de Casa das Bonecas (2023), do diretor George Pedrosa, a introspecção domina a razão e a narrativa lúcida é controlada por um universo de pós terror e cyberpunk - dois subgêneros do terror nascidos nos anos 70 que se espalham até hoje; o primeiro dando ênfase ao tom psicológico da personagem, o segundo, ao universo mais escatológico.

 

No aspecto narrativo, o filme dá voz à onisciência de uma dançarina de funk que, dominada pelos prazeres carnais, se submete à hipnose de mais duas jovens trans - formando assim um trio, cujo objetivo é a própria libertinagem. Diante de certa paisagem onírica de traços melancólicos, o filme foge do padrão comum e torna viva a imagem mais subjetiva e introspectiva do ser, que vaga condicionalmente rumo ao desejo. Dessa forma, não há espaços externos a serem construídos, sobrando apenas novos espaços de dentro. A voz do corpo, em suma, é a voz da vida que se segue. 


Tendo em vista essas duas visões de “Brasis” - um Brasil externo, apegado à representabilidade dos espaços e um Brasil interno, apegado à visibilidade de novos corpos e singularidades - dois curtas-metragens seguem adiante na Mostra: o primeiro, o curta Ramal (2023), de Higor Gomes, que traz ao público o retrato de motociclistas fazendo manobras radicais nas rodovias de Minas Gerais; e o segundo, o o curta Mborairapé (2023), de Roney Freitas, que mostra um grupo de jovens rappers indígenas à procura de novos espaços - tanto na música quanto na cultura geral.

 

(Ramal, Higor Gomes) 

 

O primeiro filme em questão traz à tona uma cultura periférica de Minas em constante e alto movimento, com desejos e sonhos ainda a serem adquiridos. Nesse sentido, o curta traz linguagem e conteúdo bem parecidos com os filmes de Affonso Uchoa, especialmente o filme Arábia (2017) e A Vizinhança do Tigre (2014), e de André Novais, especialmente o curta Fantasmas (2010). 

 

Aqui, em específico, torna-se viva a paisagem rural-urbana de Sabará, cidade de encontro dos motociclistas e local de entrada aos novos portais e enigmas da região. Utilizando-se de elementos docuficticíos para contar uma história - nesse caso, a presença de personagens reais, comuns, misturados à utilização de efeitos visuais (os portais nas estradas, por exemplo) - torna-se viva a magia em terrenos reais. Mais do que isso, real e sonho se confundem, dando chance a um pequeno coletivo da periferia em atravessar portais, com um único desejo de visibilidade.

 

(Mborairapé, Roney Freitas)

 

Já o segundo curta em questão, ao final da Mostra Brasil 1, torna viva a presença de um cinema indígena contemporâneo. Mborairapé (2023), de Roney Freitas, encontra-se mais no estilo de um documentário clássico, em contraste aos outros dois curtas acima, Drapo A e Ramal. Mesmo assim, a presença de entrevistas - na lógica de um diálogo direto com o público atrás da câmera - junto com a presença de personagens cantando não retira o caráter moderno do filme, tendo em vista o contraste estabelecido entre novos e velhos cantos, o canto do rap junto ao canto dos ancestrais. O contraste entre o moderno e o antigo, ambos significando luta e pertencimento à terra - seja essa paisagem rural, seja urbana. 

 

Os quatro curtas em questão compõem a Mostra Brasil 1, “De Frente pra Vida”. Logo mais, é a presença de novos Brasis - isto é, o Brasil trans, o Brasil de haitianos, o Brasil periférico e o Brasil indígena - que ocupam as salas do festival. A Mostra será exibida no dia 30 de agosto, na Cinemateca Brasileira.

 

 

 

Biografia:

Fábio Guttmann é graduado em Cinema pela Fundação Armando Álvares Penteado e estudante de Filosofia pela Universidade de São Paulo. Atualmente gerencia trabalhos de edição e pós-produção pela produtora Trator 232 e em outros grupos paralelos. Nas horas vagas, gosta de escrever sobre filmes, séries, críticas de livros e muito mais.

 

 

 

A cobertura do 34ª Festival Internacional de Curtas de São Paulo - Curta Kinoforum faz parte do programa Jovens Críticos que busca desenvolver e dar espaço para novos talentos do pensamento cinematográfico brasileiro.

Agradecemos à Atti Comunicação e Ideias e a toda a equipe da Associação Cultural Kinoforum por todo o apoio na cobertura do evento. 

Equipe Jovens Críticos Mnemocine: 

Coordenação e Idealização: Flávio Brito

Produção e Edição: Bruno Dias

Edição: Davi Krasilchik e Luca Scupino

Edição Adjunta, Apoio de produção e Transcrição das entrevistas: Rayane Lima