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Mostra Brasil III (Vidas Entrelaçadas) | 34º Festival de Curtas Kinoforum

Mostra Brasil III (Vidas Entrelaçadas) | 34º Festival de Curtas Kinoforum

Por Henrique Guimarães

 

Os curtas da Mostra Brasil 3 - Vidas Entrelaçadas, evidenciaram a contemporaneidade de diferentes realizadores ao redor do Brasil, em uma seleção que oferece singularidades cinematográficas acerca das representações de vidas entrelaçadas.

 

Os curtas-metragem da Mostra Brasil 3 trouxeram ao 34º Curta Kinoforum diferentes olhares, tanto em relação ao uso da linguagem cinematográfica, quanto no sentido das várias perspectivas acerca do mesmo tema: “vidas entrelaçadas”. São filmes contemporâneos, seja pelo experimentalismo de uns, pela representatividade de outros, ou até pelas relações entre eles.

 

Nada Haver (2022), de Juliano Gomes, é o que mais faz jus ao nome do tema. A princípio um filme incerto, sem sentido, construído por imagens de arquivo que não mostram muita coisa, como plano de fundo para relatos em que nada acontece. No primeiro, o narrador observa uma moça que saiu do Othon Palace Hotel, em Belo Horizonte, e foi a um parque lotado, onde nada demais ocorreu para além de uma movimentação da multidão. No segundo, o relato é sobre uma música que anseia por atingir um clímax, mas não começa. Ambos são promessas que acumulam a sensação de que algo vai se iniciar, mas que não acontece. E aí as histórias já se entrelaçam: o funk que o narrador ouve (e a trilha sonora faz com que os espectadores também ouçam e sintam essa antecipação), constrói a atmosfera densa daquele ambiente percorrido por ele e pela mulher que o próprio observava.

 

Então, tudo acontece nesse espaço lotado onde o ritmo é uma batida que pulsa, mas não estoura. Onde não parecia haver nada a ver, em que as vidas já estão entrelaçadas (do narrador/personagem, da moça, do espectador), os momentos são os mesmos, e o filme encontra seu sentido. É na iminência dos olhares, da música, do encontro, do esperar para ver, que tudo existe ao mesmo tempo. Já estava aí toda uma conexão que não precisava realmente se concretizar, ir além de um “toque no cotovelo”, para que espectadores e personagens pudessem ver e sentir.

 

Estavam todos no mesmo lugar, ouvindo o mesmo som, ansiando por um grande acontecimento, ainda que tudo já estivesse ali. Um filme no gerúndio que planifica as relações entre observador e agente, porque esperar que Nada Haver aconteça é ser também um de seus personagens ansiosos. 

 

Se o curta de Juliano Gomes se constrói através de uma linguagem mais próxima da experimental, Olhares Trêmulos (2023), de Leno Taborda, se firma de maneira tradicional em relação ao filmar. Essa classificação se difere, entretanto, da montagem, que nem sempre é linear ao contar a história de amor entre Juliano, um jovem artista, e Nuno, de 65 anos, relação que é abalada pela descoberta de que o último possui uma doença degenerativa. O vento aqui é um prenúncio de morte, e seus efeitos garantem os momentos mais inspirados do filme, em que a criatividade visual do diretor se evidencia para formular um certo misticismo acerca da vida de Nuno. 

 

Nem por isso o que é dito pelos personagens acompanha o apelo emocional empregado, e ambos fazem dessa criatividade apenas um momento ímpar de um filme engessado por sua encenação. Apesar de ser possível acreditar no amor entre os personagens, a própria estrutura do curta não consegue conceber a força da relação, nem quando Plínio Soares (Nuno) flutua na tela, nem quando Juliano tenta parar o inevitável.


Ao contrário do que ocorre com Olhares Trêmulos, em Último Domingo (2022), de Renan Brandão e Joana Claude, o vento é um anúncio de vida. Nessa adaptação livre do Evangelho Segundo Jesus Cristo, de José Saramago, a fotografia preta e branca estabelece uma relação ao mesmo tempo terrena e astral dos personagens com a natureza. Nada precisa ser muito explicado porque as imagens, estas que duram na tela devido à baixa quantidade de cortes, são suficientes para ilustrar um milagre. “Os filhos antes de nascer já brilham nos olhos das mães”, diz um personagem. Não só eles, mas também a terra, a pele, as palavras e o sol são reluzentes na fotogenia natural de Último Domingo.

 

(Último Domingo, Renan Brandão e Joana Claude)

 

A ventania, como nos filmes de Rossellini, traz mudanças e visitas, e além disso, a ancestralidade de um povo marginalizado, assim como a terra, lugar abençoado para nascer, falecer e reviver. Apesar da comparação internacional, Último Domingo é brasileiro em essência, pois é no Nordeste que seus personagens recebem visitas e compartilham suas histórias com a comunidade, que as árvores crescem apesar da seca. Filme que, ao transcender a crença de seus personagens, ascende a um nível imagético de difícil acesso, se comunicando tanto com a ancestralidade sagrada dessas vidas e dessa história, quanto com o presente de uma Maria da qual duvidam até mesmo quando Deus intercede em sua vida.

 

Se aqui Jesus era personagem, o próximo filme, Ode (2023), de Diego Lisboa, é um conto de natal, mas distante do imaginário de uma presença divina, porque, “ninguém mais acredita em Jesus”, como diz uma personagem. O filho de um casal morreu e a sua alma habita um balão branco. A representação funciona enquanto metáfora para o vazio e o preenchimento, mas essa aleatoriedade vai além de um mero símbolo, porque os três atos do filme, “ouro”, “incenso” e “mirra”, são sobre esse vazio que habita a casa. Do início ao fim, temos um casal lidando com um balão, os planos são repetitivos, e se a bexiga estiver ou não ali, a vida também se repete. 

 

Essa indiferença de uma vida que pouco se altera é tema comum do novíssimo cinema brasileiro, principalmente do feito em Minas Gerais, onde se situa o último filme da mostra, Big Bang (2022), de Carlos Segundo. Nele, Chico, portador de nanismo, ganha sua vida consertando fornos, nos quais ele entra com facilidade. A vida no novíssimo é constante mesmo diante de grandes acontecimentos porque os diretores sabem que as relações entre classes se dão assim, e Segundo sabe que a única forma de Chico acessar a elite é dentro dos fornos das suas casas. Mas é nas filas dos hospitais, nas mesas dos bares, nas conversas banais, que Chico reconhece seus semelhantes e se sente pertencente. 

 

Ou seja, se em Nada Haver os envolvidos esperam que alguma coisa aconteça enquanto tudo já está acontecendo, em Big Bang eles sabem que não importa o que aconteça, nada vai realmente mudar. Dessa forma, a mostra Vidas Entrelaçadas oferece algumas perspectivas sobre o acontecer (ou não), e como suas consequências, sejam elas um mínimo toque ou uma grande explosão, podem relacionar e influenciar inúmeras vidas de personagens, realizadores e espectadores.

 

 

Biografia: 

Henrique Guimarães é estudante, crítico e pesquisador de cinema, curioso pelas possibilidades que as imagens podem oferecer. Realiza curtas universitários e independentes, escreve para diversos portais.

 

 

A cobertura do 34ª Festival Internacional de Curtas de São Paulo - Curta Kinoforum faz parte do programa Jovens Críticos que busca desenvolver e dar espaço para novos talentos do pensamento cinematográfico brasileiro.

Agradecemos à Atti Comunicação e Ideias e a toda a equipe da Associação Cultural Kinoforum por todo o apoio na cobertura do evento. 

Equipe Jovens Críticos Mnemocine: 

Coordenação e Idealização: Flávio Brito

Produção e Edição: Bruno Dias

Edição: Davi Krasilchik e Luca Scupino

Edição Adjunta, Apoio de produção e Transcrição das entrevistas: Rayane Lima