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Pedágio (2023, de Carolina Markowicz) | 47ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo

Pedágio (2023, de Carolina Markowicz) | 47ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo

Por Caio Cavalcanti

 

O conflito entre o emergente mundo colorido de Antônio (Kauan Alvarenga), visto através de seus óculos cor-de-rosa, e a realidade cinza e retrógrada de Suéllen (Maeve Jinkings), sua mãe, é latente no novo longa-metragem de Carolina Markowicz.

 

Em Pedágio (2023), Markowicz transpõe para tela a triste realidade de um Brasil longe dos grandes centros urbanos. Desde os elementos da direção de arte até as nuances do diálogo, o filme é repleto de referências materiais de brasileiros para brasileiros e que, ainda assim, não deixam de ser universais, mostrando que os interiores dialogam mais com os grandes centros do que se pensa. 

 

O filme retrata Suéllen, funcionária de um pedágio no interior de São Paulo que decide impor ao filho, contra sua vontade, uma terapia de cura gay oferecida por um pastor estrangeiro. Porém, devido ao custo elevado do "tratamento", Suéllen busca o crime como uma forma de ganhar dinheiro rápido, ajudada por seu namorado, Arauto (Thomas Aquino). 

 

Pedágio estabelece a diretora, vinda de um acerto com Carvão (2022) e uma prolífica produção de curtas-metragens, como um dos nomes de maior calibre na cena emergente do cinema brasileiro contemporâneo. Com efeito, antes da sessão, que contava com a presença da equipe do longa, Maeve Jinkings comentou que a diretora possui dois filmes de estreia. Essa afirmação é validada pelo estilo e temas semelhantes de Carvão e Pedágio e as suas datas de lançamentos pouco espaçadas. Ambos tratam de complexas relações familiares no interior brasileiro; a linha tênue do desespero em face da adversidade, que torna o crime uma forma de prosperar, seja quais forem as definições de prosperidade dessas famílias.

Além disso, o novo longa de Carolina Markowicz pode ser visto como uma espécie de sequência para a história da criança do curta O Órfão (2018), da diretora. Neste curta, Jonathas (Kauan Alvarenga) é um garoto que se vê deixando e voltando ao orfanato por repetidas vezes. O mesmo acontece quando um casal o adota e rejeita suas atitudes vistas como afeminadas. Já em Pedágio, esta criança cresce, ganha independência para com suas ações e precisa lidar com os desafios que a sociedade a impõe nessa nova fase de sua vida. Assim, um ramo da filmografia da diretora começa a se desenhar como uma saga que representa a realidade da juventude LGBTQIA+ no Brasil. 

 

Outro tema vital do filme é a religião. A narrativa ironiza os valores morais dos personagens com base nos preceitos religiosos nela expostos. Suéllen usa a religião como um escudo moral e um oásis dos bons-costumes, porém, cai no mundo do crime para sustentar essas crenças. Enquanto isso, seu filho renega as práticas religiosas e, mesmo assim, se mantém puro. É este personagem que mais faz jus à escritura bíblica "amarás o teu próximo como a ti mesmo". Antônio, cujo maior crime é ser diferente, é, com efeito, o mais tolerante: não tolera apenas a diferença, mas também mantém sua cabeça erguida quando confrontado com a intolerância até dentro de sua casa. Carolina Markowicz, assim, faz um belo trabalho, tanto em sua construção narrativa e dos personagens quanto na linguagem empregada no longa, sem se render a caminhos fáceis ou finais felizes, e assenta seu nome como um dos grandes da conjuntura atual do cinema brasileiro. 

 


Biografia:

Caio Cavalcanti. Alagoano morando e estudando cinema em São Paulo. Apaixonado por música, escrita e cinema, especialmente pelas áreas de Roteiro, História do Cinema e Crítica.

 

A cobertura do 47º Mostra Internacional de Cinema São Paulo faz parte do programa Jovens Críticos que busca desenvolver e dar espaço para novos talentos do pensamento cinematográfico brasileiro.

Agradecemos a toda a equipe da Assessoria da Mostra por todo o apoio na cobertura do evento.

Equipe Jovens Críticos Mnemocine: 

Coordenação e Idealização: Flávio Brito

Produção e Edição: Bruno Dias

Edição: Davi Krasilchik, Luca Scupino, Fernando Oikawa e Gabriela Saragosa

Edição Adjunta e Assistente de Produção: Davi Krasilchik e Rayane Lima