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Retrospectiva | Michelangelo Antonioni – Profissão: Repórter (1975) e Sicília (1997) | 47ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo

Retrospectiva | Michelangelo Antonioni – Profissão: Repórter (1975) e Sicília (1997) | 47ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo

Por Marcos Kenji

O pôster da 47ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo estampa uma obra do homenageado Michelangelo Antonioni. Uma obra de expressionismo abstrato que, por meio de um mosaico de formas e cores saturadas, capta movimentos de mosaicos ainda menores. É como um prisma formado por uma série de refrações, um movimento cinético fixado pelo olhar do artista.

 

Em contrapartida, é interessante perceber que, em todas as sessões da Mostra, uma animação imagina a movimentação desses traços de Antonioni. É uma clara homenagem ao olhar desse autor, apaixonado pelo movimento como forma de expressão, que ao mesmo tempo celebra a pluralidade de mosaicos nesse prisma e os pontos de vista de autores espalhados pelo mundo. Por mais que seja um cliché, não deixa de ser verdade que Antonioni encontrou uma maneira de comunicar a incomunicabilidade. Por consequência, tendo em vista a sua homenagem na Mostra, pensar em Antonioni é descobrir um método de pensar no cinema como forma.

 

Especialmente em 2023, um tempo em que os órgãos de sentido são bombardeados por hiperestímulos carregados de semântica, os filmes de Antonioni são de um especial contrassenso. Seus planos são longuíssimos, sua encenação restringe a fala dos atores, seu compromisso está longe da objetividade e efemeridade da produção audiovisual contemporânea. As imagens que ele produz são ricas ao ponto de não cansar o olhar, há tempo para que o espectador se delicie com cada nova composição.

 

Um exemplo evidente disso é Sicília (1997), uma poesia visual de 9 minutos em que Antonioni, com seu olhar, apresenta a região italiana. Com um ritmo característico do diretor, a ilha é apresentada como partículas que formam corpos: das cinzas de um vulcão até a presença humana. As construções, a sociedade e a presença humana são apresentadas em uma gradação, intercambiada por transições em fade. Quando o discurso de uma mulher se junta à música, que abraça essas imagens, fica clara uma incomunicabilidade: pode-se fazer quaisquer descrições sobre a experiência de ir, mas não há nada como visitar a Sicília (talvez por isso soe um pouco como uma propaganda turística da ilha).

 

 Sicília (1997)

 

A incomunicabilidade para Antonioni é como o plano singular de Um Cão Andaluz (1929, Luis Buñuel) – a navalha cortando o olho da mulher – não pelo surrealismo como vanguarda, mas sim por colocar as imagens em um movimento centrípeto. A imagem cinematográfica não é inerte, ela representa um processo intenso de entropia, que chama atenção para si. No cinema, a luta pelo realismo, pela representação integral da realidade, é uma das principais controvérsias de sua história. Afinal, muitos acreditam que, com a sobreposição da imagem e do som, esse objetivo pode ser alcançado.

 

Pode até ser que Antonioni acredite no realismo, mas é fato que ele vê algum limite, o incomunicável. Em Profissão: Repórter, ou “O passageiro” (em tradução literal do título original), Antonioni testa o limite desse realismo. Na premissa, David Locke, um jornalista investigativo, decide assumir a identidade de David Robertson, após o conhecido falecer com um infarto fulminante. O que se inicia é uma perseguição característica de um filme de espionagem, com claras inspirações nas obras de Alfred Hitchcock, como Intriga Internacional (1959) e, em especial, Um Corpo que Cai (1958). O conflito é entre o ser representado em tela, sabotado pelo ponto de vista, e o ser real.

 

Profissão: Repórter (1975) 

 

Fica claro que, quanto mais se descobre sobre Robertson e, por consequência, sobre  David Locke, o ser real é incomunicável. Não é possível restituir o ser humano na tela. Em um dos últimos planos do filme, Antonioni crava a visão limitada da câmera: enquanto ele acompanha, por trás de uma grade, a personagem de Maria Schneider em seu caminho próprio, a imagem falha em perceber que David morre. O ponto de vista não é satisfatório, não reconstitui o olhar na sua totalidade.

 

É recompensador assistir Antonioni na tela grande e perceber que o olhar tem suas limitações. E, por um lado, é daí que vem a fome pelo cinema, para conhecer cinematografias do mundo todo e pensar criticamente cada filme individualmente. Em 2023, Antonioni, com toda a sua filmografia, é o patrono de defesa do ato de comunicar a incomunicabilidade, de aceitação de que o realismo tem limites e que há maneiras, não textuais, de fazer cinema. Assistir a Antonioni na Mostra é a porta de entrada crítica perfeita para cinematografias do mundo todo.

 

A exibição do curta Sicília e de Profissão: Repórter, em sequência, faz parte da Retrospectiva Michelangelo Antonioni, que conta com mais 23 filmes do diretor. Além disso, vale destacar que a Mostra está realizando, em parceria com o Instituto Italiano de Cultura de São Paulo, a exposição “Michelangelo Antonioni. Pequenos Desenhos em Papel”, na qual apresenta 24 pinturas do realizador. A exposição está sendo realizada gratuitamente entre os dias 23 de outubro e 28 de novembro no Instituto Italiano de Cultura de São Paulo. A homenagem feita pela Mostra não poderia ser mais completa.

 

 


Biografia:

Marcos Kenji é graduado em Cinema pela FAAP, onde realizou 4 curtas-metragens nas áreas de som, arte e assistência de direção. No momento, está se especializando na técnica de som, com o objetivo de atuar na área e escrever com autoridade sobre o assunto. É colaborador da Mnemocine, com um texto publicado na revista e fez parte da cobertura do Kinoforum em 2023.

 

A cobertura do 47º Mostra Internacional de Cinema São Paulo faz parte do programa Jovens Críticos que busca desenvolver e dar espaço para novos talentos do pensamento cinematográfico brasileiro.

Agradecemos a toda a equipe da Assessoria da Mostra por todo o apoio na cobertura do evento.

Equipe Jovens Críticos Mnemocine: 

Coordenação e Idealização: Flávio Brito

Produção e Edição: Bruno Dias

Edição: Davi Krasilchik, Luca Scupino, Fernando Oikawa e Gabriela Saragosa

Edição Adjunta e Assistente de Produção: Davi Krasilchik e Rayane Lima