logo mnemocine

janela.png

           facebookm   b contato  

Juventude (Primavera) (2023, Wang Bing) | 47ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo

Juventude (Primavera) (2023, Wang Bing) - 47ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo

por Felipe Palmieri

 

Juventude (Primavera) é um de dois filmes do cineasta chinês Wang Bing presentes na 47ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo. Pertencente ao domínio do documentário, a obra transita por diversas ideias, mas principalmente pela relação entre trabalho e juventude - em uma espécie de exploração das contradições latentes ao se tentar definir a humanidade a partir do trabalho. A longa duração, algo recorrente para a linguagem do diretor, reforça o aspecto hipnótico das rotinas retratadas e dilata as particularidades de cada história, universalizando-as cada vez mais na progressão do filme. 

 

Tal característica - o tempo - tende a ser a marca registrada de Wang Bing, cujo filme Almas Mortas já esteve presente na Mostra de 2018, com suas mais de 8h de duração. Logo, as 3h30 de Juventude (Primavera) são relativamente curtas quando justapostas ao percurso do realizador. Isso se evidencia ainda mais ao contemplarmos o filme que o revelou ao mundo: o colossal A Oeste dos Trilhos (2003), de 9h de duração. A obra recebeu muita atenção internacional, desde então tornando-o uma figura recorrente nos festivais de maior prestígio ao redor do mundo. Como também é frequente no trabalho do diretor, Juventude (Primavera) foi realizado de forma independente, angariando diversas fontes de financiamento para as filmagens, feitas entre 2014 e 2019.

 

O objeto estudado pelo documentário é bastante direto: trabalhadores migrantes de fábricas têxteis, em geral na faixa dos 20 anos de idade, na cidade de Zhili (conhecida pela recorrência destas fábricas privadas). O filme dá enfoque para as relações e dramas pessoais destes jovens trabalhadores, tanto no ambiente de trabalho quanto em suas vidas pessoais. Momentos de diversão, violência, tragédia e amor não são encarados como pontos narrativos, mas sim como expressões da humanidade de cada uma das pessoas em tela. 

 

Frequentemente, a montagem do filme justapõe emoções contrastantes, que acabam por ressaltar o subtexto constante do filme: as condições precárias vividas pelos personagens. O dinheiro e o consumo habitam cada ação do filme, como uma obsessão universal do perfil demográfico abordado. São pessoas jovens, que saíram de territórios rurais em busca de oportunidades de trabalho, deparando-se com a frustração da exploração laboral.

 

A importância do aspecto migratório é reforçada pelo diretor na decisão de introduzir cada pessoa em tela com uma legenda, especificando o nome, idade e cidade natal de cada um. Essa relação com o espaço faz parte da fragmentação que o filme adota, dividindo-se em capítulos centrados em uma fábrica por vez, seguindo o grupo de trabalhadores do local durante o segmento. Habita-se em cada seção tanto o local de trabalho, ou seja, a fábrica sendo observada, quanto os apartamentos pessoais dos personagens — os quais, sem exceção, são apartamentos cedidos pela própria fábrica, em conjuntos habitacionais, com no mínimo três pessoas em cada quarto. A relevância que se dá às condições de moradia dos personagens cria um senso de intimidade muito maior entre audiência e filme, apesar de um distanciamento crucial: a invisibilidade da câmera. 

 

Ninguém olha para a câmera, ninguém se dirige ao documentarista e a quarta parede não é quebrada, salvo raríssimas exceções. A única quebra de imersão mais repetida são as menções das pessoas ao fato de estarem em um documentário, vocalizando desejos e ansiedades quanto a isso. Tal passividade da câmera aproxima a linguagem de Juventude (Primavera) da ficção, principalmente no capítulo final, que adota também cortes clássicos de uma montagem invisível, muito diferente da liberdade elíptica dominante no filme.

 

A noção de documental, no entanto, é preservada pela reatividade da câmera, cujos movimentos são sempre motivados pelas pessoas, e nunca o contrário. Porém, evidencia-se uma dinâmica intrínseca à invisibilidade do documentarista: o sentimento performático de que a presença da câmera, ativamente ignorada pelos personagens, é o que os incentiva a agir. Essa percepção desvenda progressivamente as camadas de realidade do filme, possibilitando uma experiência mais ativa para o espectador, sobretudo nas instâncias em que os sujeitos em tela demonstram autoconsciência do documentário. 

 

Porém, não há senso de encadeamento das ideias apresentadas, de forma que cada segmento parece recomeçar do zero. A repetição incessante de ambientes e situações é definitivamente adotada como conceito, mas chega ao ponto de não existir mais um norte de significado a abstrair do que é mostrado. A âncora que impede o filme de colapsar, no fim, é a humanidade: as pessoas que, na própria espontaneidade, reafirmam a cada segundo o direito de pertencer ao palco que o cinema as permite.

 


Biografia:

Felipe Palmieri é estudante de Cinema na FAAP. Absolutamente fascinado por todas as pluralidades e sutilezas que a linguagem cinematográfica é capaz de abrigar, e pelas infinitas perspectivas que foram e serão materializadas através disso.

 

A cobertura do 47º Mostra Internacional de Cinema São Paulo faz parte do programa Jovens Críticos que busca desenvolver e dar espaço para novos talentos do pensamento cinematográfico brasileiro.

Agradecemos a toda a equipe da Assessoria da Mostra por todo o apoio na cobertura do evento.

Equipe Jovens Críticos Mnemocine: 

Coordenação e Idealização: Flávio Brito

Produção e Edição: Bruno Dias

Edição: Davi Krasilchik, Luca Scupino, Fernando Oikawa e Gabriela Saragosa

Edição Adjunta e Assistente de Produção: Davi Krasilchik e Rayane Lima