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Devagar (Marija Kavtaradze) | 47° Mostra Internacional de Cinema em São Paulo

Devagar (Marija Kavtaradze) | 47° Mostra Internacional de Cinema em São Paulo

Por Pasquale Vincenzo Galatro

 

“[...] em todos os lugares o amor acaba; a qualquer hora o amor acaba; para recomeçar em todos os lugares e a qualquer hora o amor acaba”. O final da crônica “O amor acaba” (1964), de Paulo Mendes Campos, não poderia ser mais preciso para descrever o início, o durante e o fim do relacionamento entre uma dançarina contemporânea com mommy issues e um assexual intérprete de libras, os dois protagonistas de Devagar (Marija Kavtaradzem 2023)Eles se encontram, assim como tantos amores nessa vida, por mera casualidade. Elena leciona aulas de dança para pessoas surdas, quando Dovydas é designado para auxiliá-la como intérprete nesta tarefa. Mesmo quando ele admite sua assexualidade, o casal se apaixona perdidamente e, pelo menos no começo, a orientação sexual de Dovydas aparenta ser um mero detalhe entre os dois. 

 

Por não conseguirem fazer sexo, mesmo tentando, ambos se frustram diversas vezes com as expectativas que um tem sobre o outro. Ao que tudo indica, porém, o amor e a paixão deles são tão fortes que os leva a persistir. Tentam abrir o relacionamento não dá certo, já que Dovydas percebe que não é imune ao ciúme e Elena se dá conta de que não tem atração por outro que não seja seu companheiro. Tentam manter uma vida sexual, também não dá certo. Contudo, mesmo com o ciclo de “tentativa e erro”, eles encontram amor na companhia um do outro, no simples toque de suas mãos, nos sorrisos sem sentidos, nas piadas ruins e no conforto de uma conexão — que não é meramente sexual —, e que vai além: é o fruto de momentos breves e eternos, sendo este o mesmo motivo que leva ao fim de um sentimento que, ao ver de alguns, é tão fugaz e que foi batizado com a palavra “amor”.

 

 

Devagar, antes de um filme, é uma grande colcha de retalhos, feita de momentos de Elena e Dovydas em 35mm. Para muitos, os planos não são vistos, mas sentidos, através da câmera na mão, dos cortes abruptos e, sobretudo, do emprego de uma estética naturalista justamente para revelar a coisa mais natural do mundo: a vida. Tudo no filme é sensorial, nada é técnico; a câmera segue a mise-en-scène de um casal com um começo, meio e fim. Indo além, a câmera é a mais pura extensão do relacionamento dos personagens; ela é a testemunha invisível de um encontro e desencontro. E, claro, há uma atenção especial a duas partes do corpo das personagens que o filme deixa implícitas: as bocas e os olhos; aquilo que pode ser dito e aquilo que pode ser sentido. O que lembra, de forma impiedosa, o diálogo de O Demônio das Onze Horas (1965) de Jean-Luc Godard: “Por que você parece tão triste?”; “Porque você fala comigo com palavras, e eu te olho com sentimentos”.

 

 

O que pode acontecer para algo tão profundo terminar? Talvez a própria mensagem do filme seja negar esta pergunta. Sob o olhar de alguns, ela não tem uma resposta, não é um cálculo ou uma aritmética com fatores e dimensões. Do início ao fim, a diretora nos oferece uma única resposta, que é aquela que pode estar presente na vida daqueles que se dão ao luxo de se permitir: não existe uma razão para quando o amor começa e muito menos para quando termina. Começa e termina. A última cena é a maior prova disso: Elena agora está dançando nos braços de outro homem. Eles se beijam, ela sorri de modo que se recorda — não importa quão fortes sejam algumas sensações na vida, mas o amor precisa acabar para ressurgir de outras formas. E, bem como descreve a crônica no início desta crítica, para, enfim, acabar mais uma vez.   

 

 

Biografia:

Pasquale Vincenzo Galatro é formado em cinema pela FAAP, onde dirigiu e roteirizou curtas-metragens que ocuparam festivais como Festival Internacional de Curtas Metragens de São Paulo, UFA Youth Film Festival, Prêmio ABC, entre outros. Hoje atua como roteirista e redator publicitário.

 

A cobertura do 47º Mostra Internacional de Cinema São Paulo faz parte do programa Jovens Críticos que busca desenvolver e dar espaço para novos talentos do pensamento cinematográfico brasileiro.

Agradecemos a toda a equipe da Assessoria da Mostra por todo o apoio na cobertura do evento.

Equipe Jovens Críticos Mnemocine: 

Coordenação e Idealização: Flávio Brito

Produção e Edição: Bruno Dias

Edição: Davi Krasilchik, Luca Scupino, Fernando Oikawa e Gabriela Saragosa

Edição Adjunta e Assistente de Produção: Davi Krasilchik e Rayane Lima