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Em Nossos Dias (Hong Sang-soo, 2023) | 47ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo

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Em Nossos Dias (Hong Sang-soo, 2023) | 47ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo 

por Henrique Guimarães



O estilo de Hong Sang-soo é um dos mais reconhecíveis no cinema contemporâneo. Seus longos planos estáticos, que contemplam com igual relevância diálogos banais e profundos, estão em mais de trinta filmes do diretor, desde 1996. São obras reconhecíveis, porque basta um plano de Hong para compreender toda sua estética e filosofia. No entanto, seus dois filmes de 2023 trazem mudanças. Além de filmar Na Água com um desfoque na imagem, como nunca antes havia feito, realiza também Em Nossos Dias, no qual nem mesmo uma só história parece dar conta de tudo que pretende — por isso, Hong nos conta duas e, diferentemente de Conto de Cinema, por exemplo, elas nem mesmo se encontram no fim.

 

 

Na primeira, Sang-won e Jung-soo recebem em casa a atriz Ji-soo, conversando sobre planos profissionais e sobre o gato “Nós”. Na outra, o poeta Ui-ju recebe uma jovem cineasta que pretende fazer um filme com ele, contando também com um ator que se apresenta como fã do poeta. Hong intercala essas histórias cotidianas, sugerindo que Sang-won e Ui-ju podem se conhecer, mas, entre todas as coisas que são ditas e mostradas, isso importa de menos. Na verdade, o que importa (se é que importa)? Para o poeta, quando perguntado, trata-se de aproveitar os pequenos momentos da vida; para Jung-soo,  encontrar seu gato que fugiu. 

 

No entanto, existem, nesses mínimos instantes cotidianos, uma atmosfera que está além da imagem e do ambiente, ainda que seja corriqueira como o álcool e os gatos na vida dos personagens. É uma proximidade ao chão, onde os personagens se sentam, uma sensação de perda e escuridão, apesar da leveza e das risadas presentes no filme. Algo que parece ser pertencente à geração mais nova, mas que mantém sua linha de conexão com aqueles que têm idade o bastante para  saberem que o tempo de viver outra vida já passou. 

 

Se uma história já não é suficiente, o estilo de Hong, a princípio, também não. Apesar da manutenção dos poucos planos estáticos e dos zooms marcados, a presença de alguns contra-plongées, além de um exagero dramático na primeira história e da comédia acentuada na segunda, sugerem que, assim como o poeta se cansou da sua escrita, o diretor talvez tenha se cansado do seu cinema nos últimos anos. 

 

Em Nossos Dias, então, é justamente sobre essa dificuldade entre interromper e manter ciclos, não só porque os personagens não sabem bem o que fazer de suas vidas — o poeta tenta parar de beber e fumar, mas sabe que é inevitável; a atriz vive uma indecisão profissional e habitacional —, mas também porque o cineasta está lidando com tal dualidade entre a permanência e a mudança, entre cortar repentinamente uma cena ou deixar que ela corra até o silêncio constrangedor, entre expor seus personagens ou escondê-los, para o espectador, com o véu das indefinições. 

 

O acaso é presente de tal maneira nas histórias de Hong, que parece ser quem define a direção dos acontecimentos. E é mesmo essa força que guia o filme: os mínimos eventos narrativos, o tom dos diálogos que podem ou não ser improvisados, uma brincadeira de jokenpô no meio da conversa — tudo em prol de uma fluência entre prosa e ato; entre dois contos que, novamente, podem ou não terem sido atados um dia. 

 

Entretanto, Em Nossos Dias apenas parece ser diferente ou indeciso. Porque no último plano, que marca o final das ações e das conversas, o diretor prova novamente que esse é mais um de seus filmes: ao fingir encarnar um certo descontrole narrativo, ele se revela completamente encenado e mentiroso. E não poderia ser diferente, porque é como se Hong dissesse ao espectador que está decidido a fazer mais filmes “casuais”, a celebrar, através da metalinguagem, pequenos milagres que sustentam os sentimentos mais elementares — decidido a fazer dele um curioso para, no fim,  poder enganá-lo mais uma vez. 



BIOGRAFIA:

Henrique Guimarães é estudante, crítico e pesquisador de cinema, curioso pelas possibilidades que as imagens podem oferecer. Realiza curtas independentes e universitários na FAAP, escreve para diversos portais.

 

 

A cobertura do 47º Mostra Internacional de Cinema São Paulo faz parte do programa Jovens Críticos que busca desenvolver e dar espaço para novos talentos do pensamento cinematográfico brasileiro.

Agradecemos a toda a equipe da Assessoria da Mostra por todo o apoio na cobertura do evento.

Equipe Jovens Críticos Mnemocine: 

Coordenação e Idealização: Flávio Brito

Produção e Edição: Bruno Dias

Edição: Davi Krasilchik, Luca Scupino, Fernando Oikawa e Gabriela Saragosa

Edição Adjunta e Assistente de Produção: Davi Krasilchik e Rayane Lima