logo mnemocine

lanote.png

           facebookm   b contato  

As Filhas do Fogo (2023, Pedro Costa) | 47ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo

As Filhas do Fogo (2023, Pedro Costa) | 47ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo

Por Felipe Palmieri

 

As Filhas do Fogo (2023), novo curta-metragem do diretor português Pedro Costa, compõe a 47ª Mostra em exibições conjuntas ao primeiro longa do diretor, O Sangue (1989), em versão restaurada. O filme é uma experimentação que combina o musical e o documental em uma duração bastante curta, somando menos de dez minutos. Dada a natureza da linguagem adotada - com pouquíssimos planos e cortes - a sensação é de um filme menor ainda, mas ainda eficiente na observação do tema mais recorrente do diretor: a relação colonial entre Portugal e Cabo Verde.  

 

Composto de três planos concomitantes, em tela dividida, o filme adota uma experimentação plenamente contemporânea. Costa povoa a tela com três mulheres diferentes, todas caboverdianas, que falam no dialeto local, tocando em assuntos de cunho social e existencial. Ao estimular a tela com três planos diferentes, torna-se impossível para a audiência enxergá-la por completo e entendê-la. Cria-se então, no olhar do público, um constante movimento de trânsito entre as três imagens expostas. Se o realismo cinematográfico proposto por Bazin consistia em permitir que o plano dê espaço para o trânsito do olhar dos espectadores, Costa aqui consegue atingir tal relação realista através do artifício. 

 

Dentro das especificidades de cada plano, o título do curta se faz plenamente presente: o fogo. As três mulheres estão imersas em imagens plásticas, surreais e remetentes à chamas. A imagem da esquerda nos apresenta uma mulher em constante caminhada, através de um túnel incendiado e escuro, sempre com o olhar distante da câmera, a qual segue seu caminhar infinitamente, dentro do mesmo enquadramento. A imagem da mulher ao meio é a única que, de fato, se altera na progressão do filme. Ela se inicia deitada, em um chão de magma remetente ao solo vulcânico, para eventualmente se levantar e permanecer na mesma posição, em pé e estática. Aqui a câmera é distante e fixa, permitindo-nos enxergar a personagem por inteiro. O terceiro plano, mais à direita, é o mais constante. Tem-se a personagem, em primeiro plano, encarando a lente diretamente ao declamar sua cantoria. As chamas são apenas sugeridas através da iluminação, refletida em seu rosto, e através do som. Ela observa por detrás de uma viga de madeira, como se estivesse se escondendo.

A colocação adjacente de tais imagens remete também ao aspecto musical do filme: assim como as imagens, as vozes atuam ao mesmo tempo A música construída pela sobreposição dos três cantos é grandiosa, e a exorbitância imagética acaba por corresponder, dando ao filme, através de decisões formais simples, um caráter épico. No entanto, tais imagens e sons não são tudo o que compõem o filme. Há uma quebra completa da diegese estabelecida no terço final, com a inserção de imagens documentais de arquivo. 

 

Dessa forma, com a mudança abrupta de linguagem, a relação dos temas cantados pelas mulheres se torna mais próxima da realidade. Entende-se que elas são da Ilha do Fogo, no arquipélago de Cabo Verde, uma ilha vulcânica que também foi ocupada pelos colonizadores portugueses. A situação de repressão, de desorientação e sufocamento faz sentido, ao fim, quando algumas imagens a mais contam uma história inteira: a associação entre o desastre natural de uma erupção vulcânica e a chegada do colonizador.  

 

É interessante observar também como as imagens são captadas da perspectiva do colonizador, focando inicialmente na beleza natural da Ilha, das montanhas e paisagens, até eventualmente chegar a um povoado nativo, em um registro distante e apático. Dessa forma, o curta-metragem de Pedro Costa se constrói em cima dos temas imperantes de sua obra, ao passo que se aproveita do formato curta-metragem para explorar caminhos cinematográficos mais livres.

 

 


Biografia:

Felipe Palmieri é estudante de Cinema na FAAP. Absolutamente fascinado por todas as pluralidades e sutilezas que a linguagem cinematográfica é capaz de abrigar, e pelas infinitas perspectivas que foram e serão materializadas através disso.

 

A cobertura do 47º Mostra Internacional de Cinema São Paulo faz parte do programa Jovens Críticos que busca desenvolver e dar espaço para novos talentos do pensamento cinematográfico brasileiro.

Agradecemos a toda a equipe da Assessoria da Mostra por todo o apoio na cobertura do evento.

Equipe Jovens Críticos Mnemocine: 

Coordenação e Idealização: Flávio Brito

Produção e Edição: Bruno Dias

Edição: Davi Krasilchik, Luca Scupino, Fernando Oikawa e Gabriela Saragosa

Edição Adjunta e Assistente de Produção: Davi Krasilchik e Rayane Lima