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Não Espere Muito do Fim do Mundo (Radu Jude) | 47ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo

Não Espere Muito do Fim do Mundo (Radu Jude) | 47ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo

Por Gabriela Saragosa

 

Há diversas maneiras de retratar a experiência do capitalismo neoliberal no cinema, seja através do drama melancólico e claustrofóbico de Eu, Daniel Blake (2016, Ken Loach), da tragédia satírica de Parasita (2019, Bong Joon-Ho) ou da comicidade de Triângulo da Tristeza (Ruben Östlund, 2023) . Em Não Espere Muito do Fim do Mundo, Radu Jude, cineasta romeno que não é estranho à utilização do humor como instrumento de elucidação e crítica, elabora este retrato com maestria através do mais puro cinismo. 

 

Boa parte das quase três horas de filme é composta por planos da protagonista Angela (Ilinca Manolache) dirigindo. Contratada por uma multinacional para auxiliar no casting de um filme sobre segurança no trabalho, ela passa horas no volante, indo até as casas de cada um dos candidatos ― funcionários que sofreram acidentes graves durante seus expedientes ― para filmá-los e permitir que a empresa escolha o mais adequado. Entre as diversas rodovias e pausas para comer ou cochilar à beira da estrada, a impressão é que Angela já dirigiu o suficiente para percorrer toda a Romênia. É impossível não sentir sua exaustão. 

 

As ordens dadas pelos diretores da multinacional quanto ao desenvolvimento do projeto são cômicas, e o ponto forte do cinismo de Não Espere Muito está precisamente nestas falas. Se Jude consegue construir e sustentar tão bem o humor da obra, é porque as situações que cria são inegavelmente reais. Os executivos se mostram completamente alheios a tudo que é dito por seus funcionários, e o filme em nenhum momento permite a ilusão de que isso se dá por mera ignorância. O humor está na exposição crua do egocentrismo e do mau-caratismo, que cria cenas patéticas e, no entanto, absolutamente críveis. Funcionários que perderam os movimentos das pernas relatam ter caído de uma passarela ou sido atingidos por uma barra de ferro por conta de horas trabalhadas além do permitido, em ambientes noturnos e mal-iluminados; uma única pergunta lhes é feita: “mas você estava usando o capacete?”.

 

Outro ponto alto do filme é Bobiță, personagem que Angela, usando um filtro de rosto masculino, interpreta no TikTok. Assim como o filme faz com os grandes empresários, Angela usa Bobiță para explicitar o ridículo de figuras como Andrew Tate ― ex-kickboxer conhecido por seus discursos misóginos e atualmente detido pela polícia romena devido a acusações de estupro e tráfico humano ―, dizendo atrocidades que, a princípio, não poderiam ser levadas a sério, mas que frequentemente conquistam grandes públicos nas plataformas digitais. 

 

O retrato cru da atualidade feito por Jude se estende à própria forma do filme. Valendo-se de diversos formatos, como imagens do filme Angela Merge Mai Departe (Lucian Bratu, 1981), vídeos do TikTok com defeitos nos filtros utilizados e reuniões via Zoom com problemas de conexão aqui e ali, a avassaladora quantidade de informações às quais somos expostos diariamente é casualmente inserida na obra; e, nesse sentido, com tal varredura voraz e sem distinção de imagens atuais, pode-se perceber uma semelhança com a obra de Godard, que livremente explorava e incorporava aos seus filmes a literatura, a pintura e o teatro. Mesmo com formatos tão heterogêneos, o filme flui com naturalidade. 

 

Do primeiro plano até o último minuto dos créditos, Radu Jude cria um filme perfeitamente articulado em todos os seus aspectos: Não Espere Muito do Fim do Mundo oferece um ácido e preciso diagnóstico do capitalismo no século XXI.

 

 

Biografia:

Gabriela Saragosa é estudante de Cinema no Centro Universitário Armando Alvares Penteado (FAAP), com experiência nas áreas de pesquisa, roteiro, direção, produção e direção de arte.

 

A cobertura do 47º Mostra Internacional de Cinema São Paulo faz parte do programa Jovens Críticos que busca desenvolver e dar espaço para novos talentos do pensamento cinematográfico brasileiro.

Agradecemos a toda a equipe da Assessoria da Mostra por todo o apoio na cobertura do evento.

Equipe Jovens Críticos Mnemocine: 

Coordenação e Idealização: Flávio Brito

Produção e Edição: Bruno Dias

Edição: Davi Krasilchik, Luca Scupino, Fernando Oikawa e Gabriela Saragosa

Edição Adjunta e Assistente de Produção: Davi Krasilchik e Rayane Lima