logo mnemocine

jr.png

           facebookm   b contato  

A Vida São Dois Dias (2022, Leonardo Mouramateus) - 31º Festival Mix Brasil

53236317718_5333871df1_h.jpg

A Vida São Dois Dias (2022, Leonardo Mouramateus) - 31º Festival Mix Brasil

Por Francesco Felix

 

Integrando a mostra REFRAME do 31º Festival Mix Brasil, o longa-metragem A Vida São Dois Dias, de Leonardo Mouramateus, convida o espectador para um jogo entre diferentes pares e dicotomias que se estabelecem numa história que viaja entre o Rio de Janeiro, Fortaleza e Lisboa. 

 

 

Essa mostra, que traz ao festival um espaço para obras mais experimentais, é o lugar perfeito para um trabalho que conduz esse tipo de relação com o espectador, apresentando um estilo diferente do comum. Ao trabalhar a frágil relação entre os irmãos gêmeos Rômulo e Orlando, reavivada da noite para a dia, o filme se divide em cinco capítulos que, cautelosamente, revelam suas camadas psicológicas e traçam paralelos entre suas histórias.

 

Assim como em António Um Dois Três (2017), longa-metragem anterior de Mouramateus e primeiro trabalho nesse formato, o diretor fortalezense traz muitas ideias, em uma assinatura  alternativa que faz malabares para organizar todos os seus conceitos em narrativa e estética singulares. Se, no seu filme anterior, o jogo se dava com a linha do tempo, que recomeçava, alterava-se e permitia novas visões sobre ações já ocorridas, em A Vida São Dois Dias temos não apenas um quebra-cabeça psíquico de seus dois protagonistas, como também um jogo da memória do passado e do futuro, do literário e do real. Quando um dos personagens trabalha na conceituação de um jogo de cartas, o protagonista Rômulo explica a dificuldade do jogo ao dizer que "cada nova carta multiplica as possibilidades de estratégia". É esse o processo aqui realizado, introduzindo novas cartas e abrindo o campo para incontáveis interpretações e verdades.

 

Mauro Soares faz o papel dos irmãos — um no Rio, o outro em Lisboa —, cada um apresentado nos dois primeiros capítulos: o Letrista e o Aldrabão. Suas vidas estão separadas, pelo oceano e pela falta de resposta de Orlando às cartas de Rômulo, mas isso muda quando ele recebe o manuscrito de "Alegria Repetida", ponto de início da reunião dos dois. Por linhas gerais, a história segue daí: após conhecermos um pouco de cada um deles, a temática abriga a relação dos dois,  bem como a maneira com que expressam seus sentimentos um para o outro. 

 

Além dos dois, por sua vez Mariah Teixeira interpreta três personagens, que não são relacionadas e sequer se conhecem, e o rosto da atriz permeia a narrativa para oferecer uma reflexão inicial sobre a maneira como as dicotomias do filme se mesclam. Essa ação se espelha  de diversas maneiras. O Brasil, por exemplo, é um Brasil alternativo, monárquico, semelhante a Portugal. São vários os momentos em que os personagens contam histórias de ideias antagônicas, como o medo e o riso, o poeta e o soldado, as pessoas diacrônicas e as episódicas. Essa meditação também se desenvolve quando Orlando começa a lidar com as emoções que envolvem seu irmão, a proximidade que um dia tiveram e a distância que hoje os marca profundamente. Se o filme permite um constante traçado de semelhanças entre as histórias dos dois – a moto que um compra e que o outro não demonstra interesse, o livro que um escreve e o outro vive – Orlando experimenta a sensação de unir esses pontos, de compreender Rômulo e os traços que juntam suas vidas.

 

A direção de Mouramateus contribui com o roteiro experimental ao permitir, e muitas vezes até induzir, uma confusão sobre o que se mostra em tela. É a partir dessa incerteza inicial que o espectador entra na brincadeira, buscando entender se o que está vendo é livro, vida real, sonho ou memória. Os meticulosos enquadramentos destacam os personagens e seus pontos de vista, ora honestos e claros, ora hesitantes e obtusos. Se não pela divisão entre capítulos, é pelo estado emocional dos personagens que o filme encontra seu ritmo, pelas viagens que levam Orlando de volta ao Brasil e à Fortaleza, onde o restante da ação se desenrola. O diretor não busca explicitar tudo, ou quase nada, que difere a vida real da história escrita por Rômulo em "Alegrias Repetidas", lida por seu gêmeo. O que importa é o caráter revelatório desse texto, das coisas nunca ditas por um irmão para o outro, e a maneira com que essas descobertas adaptam o amor que compartilham.

 

Não é fácil desenvolver um assunto sofisticado como esse, só mesmo com uma grande dose de inventividade e liberdade narrativa. A Vida São Dois Dias utiliza de todas as ferramentas que vê em mãos para cumprir essa tarefa, e é bem sucedido ao direcionar todas suas linhas para o mesmo caminho, e permitir que o próprio espectador as amarre como entender. Não é um trabalho interessado em  respostas, mas sim no jogo de se fazer as perguntas, de se abrir para o mistério e não ter medo do passado, do futuro ou de qualquer outra dualidade. Os dois lados sempre se mesclam, assim como nas cartas que os irmãos escreviam para a mãe quando crianças – cada um escrevendo um parágrafo, a seu modo, resultando em um texto desencaixado, mas, ao mesmo tempo, perfeitamente uma obra dos dois. É descomplicado entrar de cabeça no filme, aceitando suas idiossincrasias e ambiguidades enquanto se busca montar o quadro final, entendendo aos poucos as sutilezas de uma sensibilidade única.

 

53236386554_ef12d0cc8f_c.jpg


Biografia: Francesco Felix concluiu o curso de Cinema pela FAAP e atualmente estuda Letras na FFLCH. Interessado em tudo que envolve a cinefilia, da preservação e restauração de clássicos até a invenção de futuros experimentais. Quando vê um filme, torce sempre para um encantamento, que divida o tempo entre o antes e o depois dos créditos rolarem. Felizmente, acontece muito.

 

– 

A cobertura do 31ª Festival Mix Brasil faz parte do programa Jovens Críticos, que busca desenvolver e dar espaço para novos talentos do pensamento cinematográfico brasileiro.

Agradecemos à Atti Comunicação e Ideias, Marcio Miranda Perez e a toda equipe da Associação Cultural Mix Brasil por todo o apoio na cobertura do festival.

Equipe Jovens Críticos Mnemocine: 

Coordenação e Idealização: Flávio Brito

Produção e Edição: Bruno Dias

Edição: Davi Krasilchik e Luca Scupino

Edição Adjunta e Assistente de Produção: e Rayane Lima