Sem Coração (2023, Nara Normande e Tião) | 47ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo
Por Fernando Oikawa Garcia
“Tudo lá parecia impregnado de eternidade”
Evocação do Recife, Manuel Bandeira
Sem Coração (2023) é um desses filmes cuja existência parece diretamente conectada ao seu espaço. Ao longo de um verão em 1996 na praia de Guaxuma, no Alagoas, um grupo de jovens aproveita seus dias entre o mar e o mangue, brincando na areia, dançando em festas, invadindo casas de veraneio. Eles sabem todos os caminhos, conhecem quais os imóveis abandonados, quem são as pessoas dali. Nesse dia a dia, permeado por brincadeiras (lícitas ou não) e amizades cúmplices, as vivências parecem pertencer à eternidade, como é próprio da juventude. O futuro é apenas potência, a realidade parece que nunca vai se esgotar. No entanto, o tempo é imparável: esta eternidade, tal como o verão e a juventude, está condenada ao fim. É dessa morte e vida da eternidade que fala a obra de Nara Normande e Tião.
Fotofobia (2023, Ivan Ostrochovský e Pavol Pekarcik) | 47° Mostra Internacional de Cinema de São Paulo
Por Pasquale Vincenzo Galatro
Diante do caos, a linha entre o real e a fantasia pode ser muito tênue. Na esperança de fugir da realidade, o humano é capaz de se ver dançando ao som da valsa da destruição. Em matéria de guerra, um manual, um livro de regras ou um guia de instruções talvez não sejam as únicas coisas a que as pessoas recorram para continuarem vivas. Afinal, quando nossa sobrevivência é ameaçada, recorrer ao lúdico torna-se uma forma possível de praticar a nossa humanidade.
As Filhas do Fogo (2023, Pedro Costa) | 47ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo
Por Felipe Palmieri
As Filhas do Fogo (2023), novo curta-metragem do diretor português Pedro Costa, compõe a 47ª Mostra em exibições conjuntas ao primeiro longa do diretor, O Sangue (1989), em versão restaurada. O filme é uma experimentação que combina o musical e o documental em uma duração bastante curta, somando menos de dez minutos. Dada a natureza da linguagem adotada - com pouquíssimos planos e cortes - a sensação é de um filme menor ainda, mas ainda eficiente na observação do tema mais recorrente do diretor: a relação colonial entre Portugal e Cabo Verde.
Em Nossos Dias (Hong Sang-soo, 2023) | 47ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo
por Henrique Guimarães
O estilo de Hong Sang-soo é um dos mais reconhecíveis no cinema contemporâneo. Seus longos planos estáticos, que contemplam com igual relevância diálogos banais e profundos, estão em mais de trinta filmes do diretor, desde 1996. São obras reconhecíveis, porque basta um plano de Hong para compreender toda sua estética e filosofia. No entanto, seus dois filmes de 2023 trazem mudanças. Além de filmar Na Água com um desfoque na imagem, como nunca antes havia feito, realiza também Em Nossos Dias, no qual nem mesmo uma só história parece dar conta de tudo que pretende — por isso, Hong nos conta duas e, diferentemente de Conto de Cinema, por exemplo, elas nem mesmo se encontram no fim.
Leme do Destino (2023, Júlio Bressane) | 47ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo
por Felipe Palmieri
Entender. Frequentemente este é o propósito de muitos ao se colocarem diante de uma tela de cinema. A disseminação de interpretações nunca foi tão simples e direta: como em teia, todos podem compartilhar suas visões lógicas sobre quaisquer obras. Em contraponto, negando a racionalidade, a coerência e a convenção, tem-se Júlio Bressane. Tal postura é análoga à obra do cineasta brasileiro, atuante desde a década de 60, que está na 47ª Mostra com dois filmes inéditos — A Longa Viagem do Ônibus Amarelo (2023, co-dirigido por Rodrigo Lima) e Leme do Destino (2023), enfoque deste texto.
Pereio, Eu Te Odeio (2023, Allan Sieber e Tasso Dourado) | 47ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo
Por Felipe Palmieri
Selecionado para a 47ª Mostra, o documentário Pereio, Eu Te Odeio (Allan Sieber e Tasso Dourado, 2023) é resultado de um processo de mais de 20 anos. Com enfoque na vida e carreira do ator Paulo César Pereio, uma das figuras mais controversas e memoráveis do cinema brasileiro, o filme aproveita sua presença marcante em trabalhos como Os Fuzis (Ruy Guerra, 1964), Vai Trabalhar, Vagabundo! (Hugo Carvana, 1973) e A Lira do Delírio (Walter Lima Jr., 1978). Para tal, os cineastas se utilizam de imagens de arquivo que, combinadas com entrevistas e depoimentos sobre o ator, retratam Pereio como uma espécie de figura mítica. Concomitantemente, os próprios percalços da produção do documentário são incorporados à progressão narrativa.